__________ Itapema, suas histórias... __________

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

SEXTA-FEIRA DO CÃO em ITAPEMA

HÁ DIAS QUE SÃO UM VERDADEIRO HORROR...

Eram os anos de 1970. Pelo Itapema havia ainda muitas ruas de terra batida, que em tempos de chuva viravam um lamaçal terrível, propícias ao atoleiro. Os bairros cortados por extensas valas transbordantes, somente alguns trechos de ruas e avenidas estavam pavimentadas com asfalto ou paralelepípedos.
No seu táxi Volkswagen 1600, sedan, cor vinho, apelidado "Zé do Caixão", transportava muito solícito e risonho os passageiros, geralmente por ocasiões de emergência, senão um acontecimento importante. Sentia-se testemunha das muitas histórias, bem como seu táxi conduzia singulares destinos. Parturientes prestes a dar a luz. Encontros amorosos às escondidas sussurrados no banco de trás.
Nessa última madrugada apanhou uma mãe sozinha com um filho agonizante, até o Pronto-Socorro do Jardim Cunhambebe. Teve na semana passada o casório da filha do Seo Benício, receosa de sujar o vestido alvo no tijuco do Distrito itapemense.
Fazia questão de personalizá-lo, câmbio com "bolota de siri", imã de Nossa Senhora Aparecida no painel, figa dependurada no retrovisor. Com seu asseio pessoal o interior do táxi rescendia a Topázio, da Avon.
Comprara um imóvel nas "casas populares", do Pae-Cará. Em momentos de descanso adorava passar horas assistindo sua Colorado RQ, especialmente filmes de terror...
Naquela noite retornava de uma corrida, a garoa incessante embaça o para-brisa, a iluminação da rua bem ruim, débil luminária piscava intermitente num poste torto. Nisso engrenou a marcha acelerada com medo de atolar. Deixou-se de repente levar pela atmosfera de "Nessa Longa Estrada da Vida", que tocava no auto-rádio Motorola. A flanela esfregada no vidro pouco vencia a névoa formada, embora os limpadores oscilassem ruidosos. O mostrador do relógio Seiko, cingindo seu pulso indicava no calendário: Fri, 13...
O mundo tinha estranhas ocorrências. Seus pensamentos fugiam daquele estigma. Porém, do nada imagens emergem feito fantasmas em sua mente impressionável. Acontecimentos quase esquecidos.
Logo surgiu a lembrança dum passageiro que pediu pra descer na Av. Presidente Vargas Nº 985. Ele mesmo ofereceu entrada. Quis observar melhor o tal sujeito, semblante fechado, vestido num terno verde risca de giz, sisudo ocultou-se à sombra do banco traseiro, no ponto cego do retrovisor. Desde o "Pontão das Barcas" enigmático silêncio envolveu o veículo, temia ser assaltado. Daí atinou estar indo para o Cemitério Distrital da Consolação. A vista dos dois arcanjos a ladear o umbral deixou ele mais tranquilo. Voltou-se informando a chegada no endereço...!? O homem havia sumido. Como? Decerto assim que reduziu a velocidade para brecar dera no pé... Não ouvira a porta abrir. Ao longo do muro branco da morada dos mortos, nenhuma viv'alma transitava pela calçada. Somente uma chama de vela tremeluzia ao rés do cruzeiro, além do portal. Reparou então o taxímetro zerado... Nunca contara a ninguém, quem iria acreditar?
Vinha absorto naquele clima tétrico, quando num trecho da Av. Guarujá (Oh, caminho errado!), próximo a Capela Bom Jesus dos Passos, daria um mal passo, deparou com uma cachorrada miserável atrás duma esquálida cadela. Os bichos afoitos, olhos brilhantes, tomavam a estrada, frenéticos latidos, rosnados atiçam a canalha. O carro patinava naquele mingau de lama, tentou desviar, um cão medonho saltou sobre o capô ganindo de dor, outro pareceu rolar por baixo do assoalho, uma cerca de ripas agigantou-se iluminada à frente... Esterçeu o volante em direção contrária e adernou à beira do canal profundo, o luminoso do táxi sinalizando o local no escuro.
Foi preciso chamar uma retroescavadeira da SUDELPA para tirá-lo dali.