Pelas bandas do Rio Acaraú, nas imediações da Rua São Paulo do Valão, pelos quintais da Rua São Miguel comentava-se pavorosamente, um Lobisomem anda espreitando as redondezas à noite.
Pareciam escutar ganidos horripilantes, furdunço madrugada afora. Grandes pegadas animalescas surgiram na lama das ruas. Algumas portas das casas amanheciam com arranhões de grossas unhas.
- Filho de uma cadela! - Praguejavam aqueles cuja pintura havia sido danificada.
Cada dia traziam novas notícias. Decerto podia estar morando escondido logo ali, no cemitério. Botou pra correr um casal que namorava numa travessa escura do Colégio. Galinhas, frangos, porcos desapareciam repentinamente das criações domésticas. O "portuga" da Panificadora Paicará amaldiçoava o sumiço de sacos de leite, deixado num tabuleiro da padaria na madruga (virou motivo de chacotas).
Dizia o Durval, duma feita ao atracar no "Portinho de Areia", ter visto do outro lado da margem espreitar um cachorro encorpado, negro, peludo, do tamanho de um homem.
O Cão estaria mais ensandecido na próxima sexta-feira, dia de lua quando a data daquele mês de Agosto seria 13. As mulheres eram quem mais temiam. Ele poderia aparecer primeiro na forma de homem sedutor...
Num quintal de cômodos geminados, a inquilina do cubículo da frente sintonizara seu rádio, que transmitia um programa evangélico. Revelação das sagradas escrituras, dali 25 anos da chegada do fatídico Ano 2000, o tão profetizado Apocalipse assolaria a Humanidade.
"...De 2000 não passará, aleluia! Coisas sinistras hão de acontecer... Arrepende-te agora, pecador. Quando aparecer o escarnecedor Anticristo, o mundo ficará de cabeça pra baixo. Doenças consumirão o Homem. Catástrofes levarão muitas vidas... E nós já vemos estes sinais nos nossos dias. O final dos tempos está próximo, irmãos..." - Esgoelava-se o Presbítero pelas ondas da rádio AM, garantindo ter a salvação. Encucando temor nos pensamentos da mulher... Então clamou aos céus perdões e bençãos, despediu-se para os reclames comerciais.
- Fala certo o Pastor. Esse mundo tá virado, Seo... Até Bebê-diabo tem nascido. Viu aquela reportagem na banca de jornal do "coiso"? E agora, um Lobisomem à solta.
- O moço acredita num assunto desse? - Indaga irônico o proprietário do quintal de cômodos, que viera para a vistoria semanal. Ficava por ali como quem não quisesse ser notado, mas lhe era impossível.
Seleno acabara de acordar com o falatório, a radiodifusão das calamidades mundiais, e dirigia-se ao banheiro comum a todos. Nem deu importância.
- Aluguel atrasou... Está esquecido do nosso trato?
- Logo cedo, Seo Vilela...
- Quem trabalha não acorda tarde. - Responde o senhorio mansamente.
- Fique despreocupado, até meia-noite é dia. Tenho uns cruzeiros aí pra receber.
- Deus lhe ouça...
- Seo Vilela... Não me leve à mal. O senhor é o próprio lobo em pele de cordeiro.
- Cutuquei a onça com vara curta, foi?
Fechou a porta do banheiro... Tudo aquilo parecia mexer com ele lá por dentro.
- Que vontade besta têm algumas pessoas... - Disse para si mesmo. - Em atazanar o juízo dos outros.
Perdera o prazer de dormir e acordar. Toda vez era um despertar para sua calamitosa realidade. Descia o manto da noite sobre Itapema, ouvia-se os atabaques dos terreiros ritmar a gira. As encruzilhadas iluminadas de velas. Perambulava nas madrugadas pelos bares. Conseguia algumas doses e por vezes apagava. Era como se tivesse pesadelos, cujas imagens sobrevinham pela manhã repercutindo em sua mente... Sirene, latidos, disparos. Perseguiam-no, saltava telhados de chalés, barracos, derrubando cercas de ripa... Embrenhava-se num matagal qualquer, parecido com os charcos da Vila Áurea... Uivos!? Talvez ele... Inquiria a superfície enegrecida do espelho acima da pia.
A inquilina do cubículo encetava conversa, enquanto estendia as roupas no varal. Seu rádio naquele instante passou a tocar os Sucessos da Parada.
- Eu me pelo de medo de assombração!...
- Lobisomem é criatura das trevas, Dona.
- Não assombra do mesmo jeito? - Tinha a imaginação excitada. Quem na redondeza seria o filho caçula de uma prole de seis mulheres? Que família teria herdado semelhante maldição da lua cheia? Podia ser até invenção do povo, mas a verdade é que o cachorro de Dona Rosário danou-se a querer dormir ao anoitecer dentro de casa, choramingando à soleira da porta.
- Valei-me, meu São Jorge Guerreiro!... Sangue de Jesus tem poder! - Esconjurava ela, o pregador no canto da boca. Notando o cenho franzido de Seo Vilela. Proteção nunca era demais.
Perturbou-se o moço com as próprias impressões tiradas. Em algum lugar dentro dele, o demônio atocaiava silencioso sua alma. Prestes a encher-lhe o corpo de pêlo, afiar-lhe as presas medonhas até transformá-lo naquela criatura infernal.
Vencido o aluguel, Seleno vendeu o pouco de tralhas que possuía e fez as malas. Estranhamente, nunca mais ouviu-se falar no Lobisomem. Pelo menos ali...
- Filho de uma cadela! - Praguejavam aqueles cuja pintura havia sido danificada.
Cada dia traziam novas notícias. Decerto podia estar morando escondido logo ali, no cemitério. Botou pra correr um casal que namorava numa travessa escura do Colégio. Galinhas, frangos, porcos desapareciam repentinamente das criações domésticas. O "portuga" da Panificadora Paicará amaldiçoava o sumiço de sacos de leite, deixado num tabuleiro da padaria na madruga (virou motivo de chacotas).
Dizia o Durval, duma feita ao atracar no "Portinho de Areia", ter visto do outro lado da margem espreitar um cachorro encorpado, negro, peludo, do tamanho de um homem.
O Cão estaria mais ensandecido na próxima sexta-feira, dia de lua quando a data daquele mês de Agosto seria 13. As mulheres eram quem mais temiam. Ele poderia aparecer primeiro na forma de homem sedutor...
Num quintal de cômodos geminados, a inquilina do cubículo da frente sintonizara seu rádio, que transmitia um programa evangélico. Revelação das sagradas escrituras, dali 25 anos da chegada do fatídico Ano 2000, o tão profetizado Apocalipse assolaria a Humanidade.
"...De 2000 não passará, aleluia! Coisas sinistras hão de acontecer... Arrepende-te agora, pecador. Quando aparecer o escarnecedor Anticristo, o mundo ficará de cabeça pra baixo. Doenças consumirão o Homem. Catástrofes levarão muitas vidas... E nós já vemos estes sinais nos nossos dias. O final dos tempos está próximo, irmãos..." - Esgoelava-se o Presbítero pelas ondas da rádio AM, garantindo ter a salvação. Encucando temor nos pensamentos da mulher... Então clamou aos céus perdões e bençãos, despediu-se para os reclames comerciais.
- Fala certo o Pastor. Esse mundo tá virado, Seo... Até Bebê-diabo tem nascido. Viu aquela reportagem na banca de jornal do "coiso"? E agora, um Lobisomem à solta.
- O moço acredita num assunto desse? - Indaga irônico o proprietário do quintal de cômodos, que viera para a vistoria semanal. Ficava por ali como quem não quisesse ser notado, mas lhe era impossível.
Seleno acabara de acordar com o falatório, a radiodifusão das calamidades mundiais, e dirigia-se ao banheiro comum a todos. Nem deu importância.
- Aluguel atrasou... Está esquecido do nosso trato?
- Logo cedo, Seo Vilela...
- Quem trabalha não acorda tarde. - Responde o senhorio mansamente.
- Fique despreocupado, até meia-noite é dia. Tenho uns cruzeiros aí pra receber.
- Deus lhe ouça...
- Seo Vilela... Não me leve à mal. O senhor é o próprio lobo em pele de cordeiro.
- Cutuquei a onça com vara curta, foi?
Fechou a porta do banheiro... Tudo aquilo parecia mexer com ele lá por dentro.
- Que vontade besta têm algumas pessoas... - Disse para si mesmo. - Em atazanar o juízo dos outros.
Perdera o prazer de dormir e acordar. Toda vez era um despertar para sua calamitosa realidade. Descia o manto da noite sobre Itapema, ouvia-se os atabaques dos terreiros ritmar a gira. As encruzilhadas iluminadas de velas. Perambulava nas madrugadas pelos bares. Conseguia algumas doses e por vezes apagava. Era como se tivesse pesadelos, cujas imagens sobrevinham pela manhã repercutindo em sua mente... Sirene, latidos, disparos. Perseguiam-no, saltava telhados de chalés, barracos, derrubando cercas de ripa... Embrenhava-se num matagal qualquer, parecido com os charcos da Vila Áurea... Uivos!? Talvez ele... Inquiria a superfície enegrecida do espelho acima da pia.
A inquilina do cubículo encetava conversa, enquanto estendia as roupas no varal. Seu rádio naquele instante passou a tocar os Sucessos da Parada.
- Eu me pelo de medo de assombração!...
- Lobisomem é criatura das trevas, Dona.
- Não assombra do mesmo jeito? - Tinha a imaginação excitada. Quem na redondeza seria o filho caçula de uma prole de seis mulheres? Que família teria herdado semelhante maldição da lua cheia? Podia ser até invenção do povo, mas a verdade é que o cachorro de Dona Rosário danou-se a querer dormir ao anoitecer dentro de casa, choramingando à soleira da porta.
- Valei-me, meu São Jorge Guerreiro!... Sangue de Jesus tem poder! - Esconjurava ela, o pregador no canto da boca. Notando o cenho franzido de Seo Vilela. Proteção nunca era demais.
Perturbou-se o moço com as próprias impressões tiradas. Em algum lugar dentro dele, o demônio atocaiava silencioso sua alma. Prestes a encher-lhe o corpo de pêlo, afiar-lhe as presas medonhas até transformá-lo naquela criatura infernal.
Vencido o aluguel, Seleno vendeu o pouco de tralhas que possuía e fez as malas. Estranhamente, nunca mais ouviu-se falar no Lobisomem. Pelo menos ali...