__________ Itapema, suas histórias... __________

segunda-feira, 12 de abril de 2010

RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ

RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ - DIVISA DO DISTRITO DE ITAPEMA/SP [2017].

Não é raro ao cruzar a Ponte ["Jorge Ferreira"] sobre o Rio Santo Amaro me vir à lembrança, vívidas recordações de um rio que alagava mangues à sua beira. Sombreado de avicênias, serutingas, canapongas, mas que agora jaz assoreado pela lama, lixo, um movediço tortuoso de água escura. Vala-comum de barcos e vidas naufragadas sob a ponte. Bravamente resistiam ao lodaçal, o barco 'Salmo 121' e a traineirinha 'WANDO 33'.
Alongava-se 9 Km Ilha adentro, estancado pelo crescimento urbano da cidade. Seu curso d'água sofreu estreitamento do leito, bifurcação, aterramento dos mangues em derredor para instalação de pátios de contêineres, tanto como poluição química e do esgoto despejado in natura. Se vê minguado devido a apropriação comercial, premido pela atividade industrial, portuária e retroportuária.
Registra reportagem de 'A TRIBUNA' (23/Julho/1984):
"(...)é um rio bastante peculiar, pode-se dizer que possui duas nascentes (ou possuía). Uma de água doce e outra de água salgada. A primeira está no sopé da Serra que lhe dá o nome e, sozinha não seria suficiente para manter o seu volume, que é complementado pelo estuário, razão de ser constantemente confundido com um braço de mar (gamboa)..." - O Rio Santo Amaro de Guaibê, "cerca do nosso terreiro", delimita o Distrito [ITAPEMA/SP], da Sede Balneária.
RIO SANTO AMARO NA DIREÇÃO DE SUA FOZ NO ESTUÁRIO DO PORTO [2005].

Mapas do século XVI já apontavam o curso do Rio Santo Amaro, num claro sinal de que os primeiros portugueses colonizadores exploraram seu meandro bastante navegável. É possível que nas suas estadas por aqui o Donatário da Ilha de Santo Amaro, Pero Lopes de Souza o tenha percorrido alguma vez.
O historiador Ignácio Rosas de Oliveira, do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, registra em seu artigo sobre a mudança da região do Porto de Sam Vicente, no 'Almanaque de Santos', de 1969, enquanto referência geográfica:
"Tendo-se tornado impraticável a barra de São Vicente (devido a fatores geográficos e dificuldades de navegação por causa de sedimentações trazidas pela correnteza), seu porto foi transferido (1541) para a foz do Rio Santo Amaro de Guaibê..."  - No canal do estuário, chamado pelos indígenas Gaurapiçumã ou Guarapissaúna.
DETALHE MAPA DA ILHA SANTO-AMARENSE ONDE INDICA O CURSO DO RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ [JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ] 1631.

Consta que na metade do século XVIII, a família dos Andrada e Silva possuía na Ilha santo-amarense extensão de terra nominada 'Porto de Santo Amaro', localidade também conhecida por "Casa Grande", englobando o Bairro Morrinhos e adjacências do rio. Lugar onde segundo o IHGGB, José Bonifácio (Patriarca da Independência Brasileira) teria passado parte de sua infância.
Esta mesma propriedade em 1817, medindo trezentas braças de testada e duzentas de fundo, parte de um lado com terras de D. Maria Rosa de Oliveira, de outro com terras da Glória, pertencia a D. Maria Barboza da Silva por título de compra. 
Este pequeno atracadouro fluvial às margens do Rio Santo Amaro era usado para o acesso de pessoas à região central da Ilha e transporte da colheita de produtos agrícolas plantados nestas terras.
DETALHE CARTOGRAFIA DA ILHA SANTO-AMARENSE ASSINALA O ANTIGO CURSO DO RIO SANTO AMARO INTERLIGADO AO RIO "DA POUCA SAÚDE" [1936].

Outra propriedade (1817) que dispunha da navegabilidade do Rio Santo Amaro, mantendo um atracadouro, chamava-se 'Porto de Guaibê' - medindo quarenta braças de testada e trezentas de fundo até o pico do morro, parte de um lado com terras da Olaria, e de outro com terras de Theodoro Menezes Forjaz. Pertencente a D. Rosa Maria Leite, por título de compra. 
O Poeta Vicente de Carvalho, cuja família possuía terras circunscritas às imediações do Morro do Botelho, costumava pescar (camarões) no Rio Santo Amaro. Numa ocasião o Poeta fora confundido com um modesto ilhéu caiçara, por dois estrangeiros, bem vestidos, "os quais desejavam atravessar o rio. Como Vicente de Carvalho estivesse descalço, com as pernas da calça arregaçadas até os joelhos e usando chapéu-de-palha, igual dos pescadores, tomaram-no como tal. Os homens então pediram-lhe a passagem em sua canoa, ali fundeada na margem. Compreendendo a situação dos estrangeiros fez a travessia. Ao desembarcarem perguntaram-lhe quanto seria o serviço prestado, o Poeta respondeu que nada tinham a pagar. Insistiram em saber quanto deviam, porém este disse que não era balseiro, mas um simples pescador, portanto nada deveria cobrar..."
"CHATÃO" TRANSPORTA AREIA PELO RIO SANTO AMARO [DÉCADA DE 1980]. 

Tempo faz... Seu antigo confluente, o Rio "Da Pouca Saúde" (Gamboa do Juca) cortando o Sítio Conceiçãozinha, a banhar outros manguezais tinha vitalidade pra dar e vender. Já não mais se interligam sendo interrompida devido a instalação de atividade portuária e industrial na vargem itapemense.
PERCURSO DO RIO SANTO AMARO RUMO A SUA FOZ NO ESTUÁRIO DO PORTO ASSODADO PELA URBANIDADE E ATIVIDADE INDUSTRIAL [ITAPEMA/SP].

Pela década de 1980, estava instalada em sua margem a maior fábrica de gelo da região. Tanto como Estaleiros Navais. Dentre estes: 'Estaleiro Santo Amaro', o primeiro da embocadura pertencente a Ramon Pastoriza Cones.
TRAINEIRA NAVEGA O RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ [DÉCADA DE 1980].
PINTURA DE JORGE ARAÚJO ("REI DO MAR") REPRESENTANDO A ATIVIDADE NAVAL NUM ESTALEIRO DO RIO SANTO AMARO.
 
Por ter a embocadura junto ao estuário do Porto na margem esquerda, a foz do Rio Santo Amaro serve como abrigo natural e seguro para embarcações de médio porte. Estão ali o Iate Clube [de Guarujá] e a garagem náutica do Corpo de Bombeiros.
IATE CLUBE DE (GUARUJÁ) NA FOZ DO RIO SANTO AMARO - MARGEM ESQUERDA DO PORTO.
ATRACADOUROS DO IATE CLUBE DE (GUARUJÁ) NA EMBOCADURA DO RIO SANTO AMARO - MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO.

Hoje o velho rio santo-amarense perdeu seus amborés (peixes de toca), siris-candeia e robalos, mas seus mangues próximos já foram fonte de alimento (caranguejos uçá, berbigões, sururus) e mercancia para moradores. 
José dos Santos, pescador, que sustentava a família (ainda na  metade da década de 1980) com os recursos naturais do rio, seja comerciando ou subsistindo, declara a uma reportagem perguntado sobre quantos caranguejos pegara:
"Uma dúzia e meia, e dos grandes. Agora vou pra casa que tou danado de fome e frio..."
ANTIGO COLETOR DE VÍVERES DOS MANGUES ÀS MARGENS DO RIO SANTO AMARO [ANOS DE 1980].

Conta Jessé Rolim (Capitain's Shack), emérito Corsário da Ilha, que de noite na época da manjuba as águas do Rio Santo Amaro refletiam feito um espelho, pela manhã via-se claramente o  grande cardume nadando.
Naqueles remotos dias da infância, às margens plácidas e lodosas brincávamos admirados com a abundância das lígias nos pilares da ponte. Ao largo as minúsculas covas de "marias-mulatas" e "chama-marés" proliferavam. Ainda tenho na boca o gosto salino de sua água, na retina o translúcido verde-musgo daquela cor. Sobretudo, guardo a sensação de frescor pelo corpo. Divertimento garantido dos intrépidos moleques que lá acorriam às escondidas para desespero de suas mães. Aliás, foi desse modo que aprendi a nadar nas águas do estuário, desafiando o medo de D. Ivanete. Éramos guerreiros-meninos da "Vargem Grande", coletores da Restinga e nômades fortuitos do Distrito itapemense. Pegar ticum, brejaúva, goiaba, banana, bambu, apanhar siri, caranguejo, caçar preá, teiú, saruê, fazia parte do nosso cardápio de aventuras.
RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ E SEU MEANDRO EM DIREÇÃO AO INTERIOR DA ILHA SANTO-AMARENSE [DÉCADA DE 1990].
RIO SANTO AMARO TRAJETO PARA O ESTUÁRIO DO PORTO NA MARGEM ESQUERDA - DIVISA DO DISTRITO DE ITAPEMA/SP [2017].
  
Embora o Rio Santo Amaro de Guaibê sofra, agredido por fatores de urbanização, quando em vez avistam-se nas suas margens a fauna própria: garças brancas e pretas, quero-queros, frangos d'água, jaçanãs e mergulhando no rio, biguás, irerês. A vegetação do mangue remanescente visitada por gaviões, lagartos, gambás à procura de alimento.
VEGETAÇÃO AO LONGO DO CURSO DO RIO SANTO AMARO [ITAPEMA/SP] 2017.
GARÇA-BRANCA NA VEGETAÇÃO DO RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ [2017].
VEGETAÇÃO DE MANGUE NAS MARGENS DO RIO SANTO AMARO [2017]. 

Entretanto, vaza o Rio Santo Amaro seu lodo, memória do menosprezo. Sem interesse ecológico para a Sede Administrativa, senão publicamente afetar as enchentes em dias de chuva e maré alta, das áreas ocupadas por moradias de forma desordenada. Segue esvaziado das grandes pautas e causas da emblemática Secretaria de Meio Ambiente do município, ou ações de preservação dos ditos ambientalistas da Ilha santo-amarense.
 RIO SANTO AMARO DE GUAIBÊ RUMO AO INTERIOR DA ILHA SANTO-AMARENSE - DIVISA DO DISTRITO DE ITAPEMA/SP [2005].

Certa feita ao atravessar a ponte, avistei lá embaixo uma máquina de escrever imersa no lodaçal,  a água turva a espelhar o céu azul sobre o Morro Santo Amaro... Bem nos alerta o poeta ao dizer que lembrar de que adianta. Pois o passado é coisa sacrossanta e reviver as vezes nos dá tristeza, que é melhor deixar inumado na sua glória... Porém, é preciso preservar.

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