__________ Itapema, suas histórias... __________

sábado, 16 de março de 2013

NEGÃO imortal ITAPEMENSE




Ninguém sabe ao certo donde "Negão" [figuraça ao lado] veio. Alguns mencionam  ter vindo como clandestino da África e sido largado no Porto, nos remotos anos 60 do Século XX. Que a aparente mudez dele se deve ao fato de pouco falar a nossa língua, apenas sons quase indistintos algumas vezes... Folclore urbano desfeito com o passar dos anos, já escutei dele um gutural "tudo bom", quando cumprimentado galhofescamente, a pedir um café com leite na Padaria Real Brasil. Quanto a origem fica valendo a versão popular, pois dá um caráter odisséico a esta figura itapemense de longa data.
Desde minha tenra infância me lembro de encontrá-lo nas imediações da Rua Joana de Menezes Faro (antiga Rua Oliveira) e adjacências. Seja nas noites dormindo ali no Ponto de Táxi, marginal à rotina das portas dos bares ou no trato da Feira de Domingo, e ainda na Barbearia do Hélio.
"NEGÃO" IMORTAL ITAPEMENSE FIGURAÇA DO DISTRITO [ITAPEMA/SP].

Depois de muito insistirem acostumou-se com chinelos, preferia andar descalço, as pernas da calça arregaçadas ao modo caiçara, uma simples camisa de botão, sem dar a mínima para as mudanças do Clima. Mantendo-se da bem-querência dos moradores amigos, aqui e acolá... Alvo das traquinagens dos moleques malinos, carregadas dum racismo histórico latente:
- Tira o cabelo da testa, Negão! - E danava ele a sacudir sem sucesso a carapinha.
Viveu um período em companhia dos "péla-porco" (merchant), tradicionais feirantes de carne suína como: Pedro Sucuri, Seo Cosme, Janjão, Briguineto e muitos outros dos quais falaremos noutro capitulo. Seus matadouros improvisados ficavam na área urbana, a Rua Timbiras no "fundão do Pae Cará" chegou a ter três desses. Quantas madrugadas de sexta, sábado, eu tanto ouvi quanto presenciei as pancadas secas com a parte de trás do machado, seguido do guinchar estridente do animal ferido mortalmente na testa e sua agonia pairar sobre a vizinhança.
Cabia a "Negão" e demais ajudantes auxiliar a despelar o porco com água fervente, limpar as tripas, preparar o sangue e as vísceras para o sarapatel. Quando em vez, correr atrás dos fujões pelos quintais precariamente cercados de ripas.

Não se sabe precisar a sua idade também. Agora bem mais de 55, eu presumo. Houve uma ocasião que caiu doente. Enfermidade difícil de curar. Temeu-se desgarrar-lhe a alma... O negro gemia que nem nós. Entretanto, "Negão" resiste ao tempo. Atravessa incólume os acontecimentos, numa abençoada alienação.

sábado, 2 de março de 2013

UM BARBEIRO DE ITAPEMA






Falavam demais nesta tal evolução do mercado, aumento da concorrência, especialização da mão-de-obra... Nunca negou as mudanças, todavia quem quisesse que envereda-se por este caminho. Com ele não, sempre foi barbeiro sem "nove horas".
Clientes dados a sabedores diziam ser um ofício em extinção. Por acaso, alguma epidemia ia deixar todos carecas! Há mais de trinta anos exercia em Vicente de Carvalho esta profissão como ensinaram-lhe.
 Tudo modesto e ordeiro: assentos de espera, o jornal popular do dia, um mancebo ao canto, bancada com grandes espelhos e gavetas, o rádio toda vida sintonizado na AM, tesoura afiadíssima e outros apetrechos simples para um bom corte.
Na velha cadeira sentara também muito afrescalhado, hoje metido a cabeleireiro. Não adianta cabelos repicados, fashion, geométricos, desenhos no cocoruto e tal e coisa... Modismo passageiro!
Houve um dia, num expediente, que chegou lá um jovem:
- Pô, tiozinho... Me corta aí estiloso, saca como é? - Pois foi, tosquiou a contra gosto. Depois de inúmeras indicações do rapazinho achou aquilo horrível, não era obra sua. Mesmo o "franjudo-espinhudo-topetudo" reclamou do corte.

Podem até inventar, mas chega uma certa idade que certas frescuras não ficam bem ao homem. Acabam cortando no estilo tradicional. Disso Ele gabava-se, conhecia as pessoas.