__________ Itapema, suas histórias... __________

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A MORTA-VIVA DO CEMITÉRIO DISTRITAL

ENTRADA DO CEMITÉRIO DISTRITAL DE VICENTE DE CARVALHO [ITAPEMA/SP].

Para não parecer deselegante comparecera ao velório de um conhecido no trabalho. Neste dia o escritório esteve fechado em consideração à família enlutada, não poderia fazer daquilo um feriado.
A demora do defunto em chegar beirava o atraso nupcial... Fim de tarde trazem o morto e colocam-no ao centro da capela, hirto, espiado pela beatitude das imagens sacras. Dá-se início à inconsolável carpição dos parentes.
Todo aquele teatro o exaspera e resolve sair para apanhar o ar de fora, livre da essência nauseante da parafina derretida. Parou além dos anjos apiedados do umbral de entrada, onde a vida parecia resistir à travessia do Aqueronte na correnteza da Av. Presidente Vargas rumo ao desaguadouro. Dirigiu-se até um bar nas proximidades. Percebeu que para suportar aquela noite não seria sóbrio.
"Hodie mihi, cras tibi..." - Veio-lhe a frase em latim. Alguns cemitérios mais antigos encimavam no frontispício está lúgubre inscrição, num certo tom de ironia macabra.
- "Hoje a mim, amanhã a ti..." - Murmurou bebendo o último gole do Cinzano.
Há alguns anos enterrara a mãe ali também. Depois da recolha dos ossos, nunca mais retornara. Algo dentro dele o impeliu a visitá-la...
POR ENTRE OS TÚMULOS A CAPELA DO CEMITÉRIO DISTRITAL DE VICENTE. CARVALHO [ITAPEMA/SP].

Sobre o cemitério distrital de Itapema a noite enevoada, oceano de luto, recorta fantasmagóricas silhuetas das cruzes. Na consolação dos jazigos ornados, envolto no mistério das campas humildes e na paz suspensa dos columbários caminhava. Carrega o ar o odor hostil de flores murchas. Pesa-lhe o olhar silente das estátuas de encardido mármore. Cada rosto que mira nas fotografias parece ganhar vida em imagens nos seus pensamentos. Desvia o olhar inutilmente, pois dali alguns passos foca noutro semblante. Percorre nomes, elogiosos epitáfios, datas a sentenciar términos... Sem saber bem como, se depara com o repositório das ossadas. E da luz que vaza ante a névoa destaca o Nº 274.
TÚMULOS E JAZIGOS DO CEMITÉRIO DISTRITAL [ITAPEMA/SP].

Ali permanece, as recordações a transporem o tempo passado. Pois a arestas que ficaram e a impotência de não tê-las resolvido levam-no a crer mais ainda, que as pessoas morrem sem se conhecer... Despertou daquela nostalgia tendo percebido um movimento na penumbra, entre as sepulturas. A medida que a claridade se derrama sobre a figura saída das sombras distinguiu ser uma jovem mulher, a mão cruzada junto ao colo ostentava um cravo vermelho.
Parou dali alguns passos e o silêncio fez notar sua presença. Talvez, ela fosse uma visitante de outro velório ao lado da capela.
- Você vem sempre aqui? - Brincou ela.
- Eu... Não! Estou num velório.
- De passagem...
- É... Então aproveitei e vim até aqui. Você certamente... - Sentia-se um tanto perturbado.
- Também estive lá.
Não conseguia deixar de reparar na sua beleza incomum, naquela lascívia das formas coladas ao vestido. O profundo decote em que se abismavam seus olhos. Ela volteava em torno dele. Uma força estranha atraía-os.
- Essa sua roupa não é um pouco inadequada para a ocasião? - Disse sem dissimular o atrevimento.
- É que eu fui pega de surpresa... Você gosta?
 ENCONTRO COM A MORTA-VIVA NO CEMITÉRIO DISTRITAL ITAPEMENSE.

Sem que se desse conta, os longos braços desnudos dela entrelaçaram-no pela nuca à procura de um beijo. Pareceu entrar numa atmosfera de sonho. Alucinada ela roçava seu corpo contra o dele... De repente despertou, os braços a vencilhar o vazio. Ergueu a vista, e assustou-se...!? A beldade permanecia imóvel a metros dali. Quis sair desapercebido.
- Por que da pressa? Caso de vida... Ou morte?
Ele estancou ao seu lado... De fato, sua pele rescendia suave perfume floral, seus ombros projetavam-se sob os cabelos derramados que se entreabriam. Num ímpeto puxou-a para perto. Desta vez mais real do que nunca. Ela atirou-o por terra lançando-se sobre ele...
CEMITÉRIO DISTRITAL DA CONSOLAÇÃO DE VICENTE. DE CARVALHO [ITAPEMA/SP]


Pela manhã, o coveiro retornando com os restos duma exumação num carrinho, o encontrara desacordado sobre um túmulo. Atônito, ele cai em si... Ajeita as vestes desgrenhadas. Ao caminhar alguns passos depara-se terrificado com o retrato numa lápide daquela de amara na madrugada.