__________ Itapema, suas histórias... __________

domingo, 27 de junho de 2010

E.F. ITAPEMA-Gjá (SP-2066)

ESTAÇÃO DE ITAPEMA - ESTRADA DE FERRO SP-2066 PLATAFORMA DE EMBARQUE - ANOS DE  1920.

Ao tornar-se rota de acesso à Vila Balneária de Guarujá para o veraneio da Alta Sociedade paulista, é implantado em 4 de Setembro de 1893, o Serviço de Transporte por locomotivas a vapor e tramway (bondes). Interligado à época também por Barcas na travessia do canal do porto, desde a Estação santista em frente a Alfândega (Pça. República) até ITAPEMA/SP.
Na margem itapemense constroem uma Estação com píer telhado ao longo do acesso e prédio em estilo maneirista neoclássico com uma grande arcada de acesso ornada com gradil decorativo em ferro e pilares à vista decorados de arabescos. Sua fachada estampava o nome 'Itapema', abaixo do brasão em relevo duma concha Vieira-rainha à guarda de dois peixes quiméricos. Possuía mastro para hasteamento de bandeira a encimar o ornato neoclássico do frontão e grandes janelas coloniais de cada lado.
PRÉDIO DA ESTAÇÃO DAS BARCAS NA MARGEM ESQUERDA [ITAPEMA-SP].
BARCA ITAPEMENSE APROXIMA-SE DA ESTAÇÃO EM ITAPEMA/SP.

Aqui ficava o ponto inicial da Estrada de Ferro (SP-2066), com extensão de 9 Km até o balneário guarujaense. Faziam o percurso duas locomotivas (Marias-Fumaças). Sua primeira composição era dotada de uma locomotiva a vapor, adquirida na Inglaterra, e dois vagões: um de 1ª classe e outro de 2ª classe. A outra modelo Baldwin Locomotive Works nº 2, de procedência americana, fabricada (12346) em Novembro de 1891, pela  Burnhab Williams & Co., Philadelphia - USA.
LOCOMOTIVA A VAPOR UTILIZADA NA ESTRADA DE FERRO ITAPEMA/GJÁ [SP-2066].

A inauguração contou com 60 convidados e as presenças de Bernardino de Campos (Presidente do Estado), Vicente de Carvalho (poeta), Joaquim Arcoverde (Bispo coadjutor), deputados estaduais, dentre outras autoridades.
Waldemar Stiel, relata no seu livro 'História dos Transportes Coletivos de São Paulo':
"(...)O trem da SPR, com várias autoridades chegou a Santos [Sábado] às 13:30, e em bondes especiais dirigiam-se à Alfândega, onde tomaram o vaporzinho 'Cidade de São Paulo' a fim de atravessar o estuário... (...)Em Itapema tomaram o trem inaugural, que em pouco tempo passava em frente ao Grande Hotel..."
ESTRADA DE FERRO ITAPEMA/GJÁ [SP-2066] - TRECHO ENTRE O MORRO SANTO AMARO E O GLÓRIA.

Eduardo Etzel em sua publicação 'Guarujá e Eu', também faz seu registro do itinerário:
"(...)do outro lado o estuário, a estação e outro trem... (...)com máquina de bitola estreita e dois vagões, o de carga e o de passageiros. Nova partida, e a viagem através do imenso mangue..."
Diz matéria do 'Correio Paulistano', sobre o trajeto da viagem inaugural, transcrita do livro 'Pérola ao Sol', de Mônica de Barros Damasceno e Paulo Mota:
"(...)Uma pequena linha férrea pertencente à empresa (Companhia Prado Chaves) fazia o percurso, transportando os convidados. Numa extensão de cerca de 6 Km, sendo que seu trajeto era feito em 10 minutos, a locomotiva com três vagões de primeira classe faziam parte do comboio..." - E seria exatamente este o único caminho até 1918.
"MARIAS-FUMAÇAS" E FUNCIONÁRIOS DA (CIA. PRADO, CHAVES) E.F. ITAPEMA/GJÁ [SP-2066]  EM FRENTE HOTEL LA PLAGE - DÉCADA DE 1900.

Para instalação desse Serviço de  Transporte Ferroviário foi necessária a compra dos direitos de concessão, então pertencentes a Valêncio Teixeira Leomil, sob condição de ser nomeado Diretor Fiscal, sendo a Estrada de Ferro (SP-2066) e seu sistema de interligação (Barcas) mantido pela Cia. Balneária da Ilha de Santo Amaro (1893 à 1910). 
As Marias-Fumaças movidas a carvão, durante anos transportaram turistas, trabalhadores locais e personagens da História do Brasil em suas galeras com assentos de palhinha. Eis alguns: Campos Sales, Epitácio Pessoa e Santos Dumont.
Havia ainda um ramal de aproximadamente 3 Km, entre Guarujá e o Ferry-boat. O Serviço de Transporte da Ferrovia SP-2066 dispunha de uma equipe de reparos da Empresa Prado, Chaves & Cia. Era preciso logo cedo vistoriar os trilhos e verificar se não havia nenhum problema na linha para evitar acidentes, além da manutenção rotineira dos equipamentos (trens, vagões etc).
EQUIPE DE REPAROS FERROVIÁRIOS (CIA. PRADO, CHAVES) E.F. ITAPEMA/GJÁ [SP-2066] ANOS DE 1900.
 
Em 1910, o grupo econômico representado por Percival Farquhar (o mesmo empresário que levou avante a Ferrovia MadeiraMamoré) adquire o controle do transporte. A nova Empresa passou a denominar-se Companhia Guarujá. É desativado o ramal até o Ferry-boat.
A eletrificação do trajeto ferroviário (de bitola métrica) foi anunciada em 4 de Maio de 1923, sendo a responsabilidade pela execução a cargo do Engº Ettore Bertacin (Casa Siemens de São Paulo). A Siemens faria o fornecimento de materiais e o equipamento rodante ficou de responsabilidade das empresas Siemens-Schuckert e MAN - Maschinenfabrik Augsburg Nurnberg. O sistema foi executado em 8 meses e inaugurado em 11/01/1925.
ESTAÇÃO DE ITAPEMA PLATAFORMA DE EMBARQUE ESTRADA DE FERRO SP-2066.

A Subestação Elétrica principal, que também abastecia Itapema, estava localizada próximo da Torre Grande (na margem esquerda), recebendo corrente da Usina de Itatinga em 40.000 volts e transformando-a a 6.600 volts. Já a Subestação Convertedora ficava na Estrada do Itapema (Km 4), trecho de Conceiçãozinha. Tinha por função reduzir e retificar a Corrente Alternada de 6,6 Kv para 750 volts.
 ESTRADA DE FERRO SP-2066 - SUBESTAÇÃO CONVERTEDORA TRECHO CONCEIÇÃOZINHA- ITAPEMA [DÉCADA DE 1920].
ESTRADA DE FERRO SP-2066 TRECHO CONCEIÇÃOZINHA - ITAPEMA.
E.F. ITAPEMA/GJÁ [SP-2066] TRECHO CONCEIÇÃOZINHA.

Inicialmente foram adquiridos em 1924, dois bondes (nº 3 e nº 9) de 106 hp e uma locomotiva elétrica modelo Siemens E69, steeple-cab, (nº 1), de 104 hp para os serviços de carga. Esta máquina com 18 toneladas de peso tinha capacidade de tracionar trens de 47 toneladas de carga à uma velocidade de 45 Km/h. As melhorias contemplaram os usuários com carros de passageiros modernos, fechados e mais confortáveis.
LOCOMOTIVA ELÉTRICA SIEMENS E69 nº 1 - ESTRADA DE FERRO SP- 2066 [ANOS DE 1920].
BONDE nº 3 - ITINERÁRIO ITAPEMA - ESTRADA DE FERRO SP-2066 - ESTAÇÃO PRAIA DE PITANGUEIRAS [DÉCADA DE 1920].

Além das estações principais, nas proximidades do Grand Hotel La Plage (Praia de Pitangueiras) e na Estação em Itapema plataforma de embarque, a linha contava com mais pontos de parada: a Estação Alfaya (Km 3), imediações do Bairro Monteiro da Cruz. Estação Bento Pedro (Km 5) trecho de Conceiçãozinha. Estação 24 de Outubro (Km 6), próxima ao Rio Santo Amaro.
Foto em cartão postal (década de 20) do pesquisador Allen Morrison registra a Estação Bento Pedro, consistia numa pequena plataforma em madeira com telheiro de duas águas, mais dois bancos geminados (um de costas para o outro). Nota-se o denso bananal logo atrás.
Eduardo Etzel nos fala desse itinerário, no seu livro 'Guarujá e Eu':
"(...)Nova partida e a viagem através do imenso mangue com uma Estação no meio", próximo à Conceiçãozinha.
BONDE nº 3 - ESTRADA DE FERRO SP-2066 - ESTAÇÃO BENTO PEDRO [CONCEIÇÃOZINHA/ITAPEMA].
E.F. ITAPEMA/GJÁ [SP-2066] MAPA DO PERCURSO.
BONDE nº 9 - ITINERÁRIO ITAPEMA - ESTRADA DE FERRO SP-2066 [ESTAÇÃO PRAIA DE PITANGUEIRAS].

Em meados da década de 1920, o empreendedor Percival Farquhar passa por graves problemas financeiros e desfaz-se do negócio na Ilha de Santo Amaro. A Lei Estadual nº 2140 (1 de Outubro de 1926) permitiu a encampação pelo Estado da Companhia Guarujá, sendo seus bens incorporados ao Estado através do Decreto Estadual nº 4192, de 12 de Fevereiro de 1927, ganha nova denominação: Serviços Públicos do Guarujá/Repart. (autarquia municipal). São assentados novos trilhos para um ramal de aproximadamente 2,5 Km até o Sítio Cachoeira, destinado a vagões de carga visando o escoamento da produção bananeira.
Eduardo Etzel acrescenta sobre a viagem de trem por Itapema, no fim dos anos 40:
"(...)No mangue, a leste da ferrovia existiam inúmeras linhas de "decauville", ou seja, linhas com locomotivas pequenas muitas vezes movidas à gasolina e com bitola de 60 cm para o transporte de bananas, principalmente na região de Itapema... (ainda existentes no final dos anos 60) - Equipamento semelhante foi utilizado pela Base Aérea na retirada de aterro do Morro de Itapema para obras de suas instalações.
E.F. ITAPEMA/GJÁ [SP-2066] MAPA MALHA FERROVIÁRIA DECAUVILLE REGIÃO DE ITAPEMA.

Também foram adquiridos mais dois bondes da MAN (nº 5 e nº 7). Durante algum tempo as Marias-Fumaças continuaram a funcionar associadas aos bondes-elétricos, utilizadas no transporte de carga. Não rara as vezes, devido ao colapso do sistema de energia elétrica, os bondes eram rebocados pela Maria-Fumaças até a Estação de destino.
Por volta de 1930, um grave acidente inutiliza o bonde nº 3. No começo de 1935 são construídas nova Estação e oficinas na Av. Leomil.
 BONDE nº 5 - ITINERÁRIO ITAPEMA - ESTRADA DE FERRO SP-2066..

Silvio Cruz relata que muitos acontecimentos passaram-se sobre os trilhos da Estrada de Ferro: casamentos, batizados, primeira comunhão e até enterros. Havia mesmo um vagão funerário. Inclusive por ocasião da morte do ex-Presidente Campos Sales (que visitava Guarujá, em 28 de Junho de 1913), seu corpo foi transladado nele.
Um fato curioso é que nesta época algumas pessoas de famílias importantes eram enterradas nos cemitérios da vizinha Santos. Os caixões também eram vendidos lá, quando necessitava-se de algum este era encomendado e ao chegar ficava pendurado na Estação de Itapema, até a família do falecido ir buscar.
Em tempos de eleição os candidatos que realizavam comícios por aqui alugavam trens para transportar os partidários. O mesmo ocorria quando havia campeonatos de futebol.
As primeiras feiras-livres foram praticamente trazidas em vagões-plataformas para consumo dos moradores.
BONDE nº 7 - ITINERÁRIO ITAPEMA - ESTRADA DE FERRO SP-2066 [ESTAÇÃO AV. LEOMIL].
FUNCIONÁRIOS DA ESTRADA DE FERRO SP-2066 - ESTAÇÃO DE ITAPEMA [DÉCADA DE 1940].

Eduardo Etzel, em suas crônicas nos conta como funcionava a cobrança da passagem no final dos anos 40:
"(...)Naquela época se comprava um bilhete ainda na Estação de Barcas de Santos. Esse bilhete poderia ser simples (apenas a viagem de barca e o passageiro ficava em Vicente de Carvalho) ou duplo, metade verde, metade vermelho (ou rosa), sendo que os funcionários da empresa picotavam o verde para o embarque na barca (ainda em Santos) e o vermelho antes de se embarcar no Tramway, já no acesso às plataformas. Os bilhetes também valiam para a volta, e as partes vermelha e verde eram recolhidas durante as respectivas viagens..."
BONDE nº 9 - ESTRADA DE FERRO SP-2066 [PONTÃO DAS BARCAS] ESTAÇÃO DE ITAPEMA.

No ano de 1952, novas melhorias foram realizadas na linha de bondes, mas a concorrência com os ônibus logo se faria presente. Sucumbiria ao monopólio do transporte automotivo.
Decorridos 63 anos de atividades, em 13 de Julho de 1956, numa última viagem de tramway conduzida pelo motorneiro Sr. João Procópio, foi interrompido o serviço da E.F. ITAPEMA-Gjá [SP-2066]. No ano seguinte (1957) começou a retirada dos trilhos para dar lugar ao asfalto da Av. Thiago Ferreira e mais à frente (Praça 14 Bis) Av. Santos Dumont. O material rodante aproveitável passou a ser utilizado pela E.F. Campos de Jordão.
FOTO DA ÚLTIMA VIAGEM (1956) DO BONDE-ELÉTRICO PELA E.F. ITAPEMA-G [SP-2066].



No final dessa década (1959), por inciativa do IHGGB, foi inaugurada a Tenda Museu, na Av. Leomil, abrigando a Maria-Fumaça - Baldwin nº 2 (detalhe da foto ao lado), uma das locomotivas a vapor empregada na linha ferroviária Itapema-Gjá [SP-2066].


segunda-feira, 21 de junho de 2010

PERO LOPES - Donatário da Ilha do Sol

PRESUMIDA ESTAMPA DE PERO LOPES DE SOUZA - NAVEGADOR PORTUGUÊS [SÉCULO XVI].

Pero Lopes de Souza, Senhor de Alcoentre (irmão mais novo de Martim Afonso), nasceu presumivelmente em Vila Viçosa, Portugal, no ano de 1497. Filho de D. Brites de Albuquerque. Seu pai D. Lopo de Souza era vassalo do Duque IV de Bragança e Alcaide-mor do Conselho de El-Rey. Desposou D. Isabel de Gambôa, com quem teve dois filhos. Pedro Lopes de Souza, o primogênito e Martim Afonso Sobrinho, nascido depois.
Nobre de alta linhagem viveu na corte e, ainda jovem tornou-se navegador. Serviu na Armada Guarda-Costa do Reino, entre os Açores e as Berlengas contra os corsários da Costa Marítima Lusitana, adquirindo algumas práticas de navegação. Logo chega ao cargo de Imediato da Esquadra Real Portuguesa. 
"(...)É mui provavel que na sua mocidade frequentasse na universidade, que então estava em Lisboa, os estudos de navegação. É sem dúvida que dedicando-se á vida maritima reunia o ser nella perito a muito desembaraço e afoiteza - qualidades indispensaveis em tal profissão..." - Comenta o historiador Varnhagen sobre Pero Lopes.  
Sendo possível que tenha participado da Expedição anterior à Costa Marítima Brasilis, feita por Cristovão Jacques no período de 1526/28. 
Jovem ainda e já muito honrado Fidalgo da Casa de El Rei D. João III, acompanhou comprovadamente a Expedição Colonizadora de Martim Afonso de Souza (1530) como Piloto e Imediato da Armada. Esta formada por cinco embarcações: nau "Capitaina", nau "Sam Miguel", galeão "Sam Vicente", caravela "Princeza", caravela "Rosa", mais tarde incorpora a nau "Nossa Senhora das Candeas", pesando em média 150 toneladas. Era composta de 400 homens, alguns de diferentes nacionalidades (italianos, alemães e mesmo franceses), fidalgos, colonos portugueses, gente do mar, tantos voluntariamente embarcados. Levavam muita artilharia dispostos a apresar navios inimigos (espanhóis, franceses), corsários e piratas. Perlongando o Litoral de brasil, a deixar gente em terra para experimentos, estabelecer ocupação, contato com os nativos indígenas, indo explorar o estuário do Rio da Prata e Uruguai (extremo Sul), colocando Padrões lusitanos, limites da Coroa Portuguesa pelo Tratado de Tordesilhas, entre os meses de Janeiro e Dezembro de 1531.

[Frontispício 'Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza' - publicação 1839]
 
Escreveu um roteiro desta sua viagem a terra de brasil, "Navegação que fez Pero Lopes de Souza no Descobrimento da Costa do Brasil militando na Capitania de Martim A. de Souza, seu irmão, na Era da Encravação de 1530", códice encontrado na Biblioteca Real do Paço da Ajuda. Editado pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen tendo em vista os originais (da letra de Pero Lopes) e publicado a posterior na cidade de Lisboa no ano de 1839, "Diário da Navegação de Pero Lopes de Souza" (1530 - 1532), com documentos importantes, a maior parte deles copiados dos autografos da Torre do Tombo. Contando sobre a Armada Colonizadora que foi a América Portuguesa (Lusitânia) pela costa marítima até o Rio Uruguay.
Elucida dentre outros episódios a fundação da Vila de São Vicente e povoamento do Planalto Piratininga, a pretensão de estabelecimento definitivo na Colônia, reconhecimento geográfico do território tomado, cravando chantões portugueses demarcatórios, a certificar-se das riquezas naturais e domínio dos povos indígenas. Seu Diário constitui um exemplar relato das primeiras viagens marítimas, tanto como importante sobre a Expedição Colonizadora Afonsina, no começo do século XVI.
GRAVURA REPRESENTANDO A EXPEDIÇÃO COLONIZADORA AFONSINA DE 1530, IMPRESSA NA GUARDA DO "DIÁRIO DA NAVEGAÇÃO DE PERO LOPES DE SOUZA".
  
Num Sábado, dia 3 de Dezembro de 1530, a Armada Colonizadora partiu de Lisboa, pegando o vento na direção Sudoeste.
Segunda-Feira, 5 de Dezembro, navegam alcançar o Cabo de Sam Vicente. Encontram dificuldades devido os ventos fortes, utilizam apenas o traquete (vela grande do mastro da proa) e a mezena (vela do mastro de ré), tendo trabalho para conduzir os navios com pouca vela naqueles dias, tanto mais que o mar encrespou-se.
"(...)a nao ia tam má de governo; corriamos muito risco de nos quebrar o masto..." - Ultrapassa o Cabo de Sam Vicente e passa ao largo da Ilha da Madeira.
Sexta-Feira, dia 9 de Dezembro de 1530, às 15:00 horas, avistam terra e reconhecem ser a Ilha de Tenerife, onde pernoitam recolhendo as monetas (pequenas velas baixas).
Sábado, dia 10, às quatro horas da tarde aportam na Ilha da Gomeira. Neste percurso toma a posição do sol, faz medidas com seus instrumentos e corrige a direção de leme.
Quarta-Feira, 14 de Dezembro, navega pelo Cabo do Bojador, toma o caminho Sul e a quarta do Sudoeste, soprando um vento brando.
"(...)andamos em calma sem ventar bafo de vento; senam grande vaga de mar, que vinha do sudoeste; e os ceos corriam mui tesos do mesmo rumo..."
Segunda-Feira, dia 19, passa pelo Cabo das Barbas, por causa do mar grosso as embarcações eram empurradas para a terra, sob risco de soçobrar.
Terça-Feira, 20 de Dezembro, singra o Cabo Branco, a uma hora da tarde enxergam duas velas à distância. Era uma caravela e um navio que vinham de pescaria em alto mar. Por estes enviam correspondências à Portugal. Com vento Nordeste à toda vela seguem a rota Sudoeste.
Sábado, dia 24 (véspera de Natal) ao pôr-do-sol percebem terra adiante, à noite chegam à Ilha do Sal.
Domingo, 25 de Dezembro (Natal) de 1530, desde à manhã fazem o caminho Sul, pela noite dão com a Ilha de Boa Vista. A mando de Martim Afonso, Baltazar Gonçalves (Capitão da caravela "Princeza") segue à frente levando o farol a romper a escuridão até o raiar do dia.
Segunda-Feira, 26 do dito mês, demandam próximo à Ilha de Maio. A caravela "Princeza" desgarrou-se da Armada Afonsina. No percurso para o porto da Ilha de Santiago baixa densa cerração, cuja névoa não permitia enxergar uma nau às outras. Obrigando-os a recolher o velame e fundear a noite toda. Aparta-se a nau "Sam Miguel", capitaneada por Heitor de Sousa, madrugada afora.
AS PRIMEIRAS VIAGENS MARÍTIMAS DESPERTAVAM TEMORES AOS NAVEGADORES REPRESENTADO NESTE DESENHO [SÉCULO XV].

Terça-Feira, dia 27 de Dezembro de 1530, nas águas da Ilha de Santiago a ventania dissipa o nevoeiro naquelas paragens. Sobe a bordo um passageiro inaudito. Em direção ao porto da Ribeira Grande, o vento intenso porém mudando subitamente de direção, não ajuda à navegação das naus e dificulta avançar as léguas marinhas.
Quarta-Feira, 28 de Dezembro, a calmaria dos ventos, combinado ao mar agitado por pouco os levaria para a terra, cujo fundo era de pedra. Surgem ao meio-dia numa praia, onde acham uma nau de duzentos tonéis e uma chalupa de castelhanos (espanhóis). Os quais perguntados disseram se ir para o Rio de Maranham. Ao que Martim Afonso de Souza (Capitam I) determinou que lá não fossem, porquanto era de El Rei D. João III e dentro de sua demarcação.
Quinta-Feira, 29 de Dezembro de 1530, pela manhã levantam vela para logo alcançar e ancorar na Ilha Ribeira Grande, ali encontram a caravela "Princeza" e a nau "Sam Miguel". Pero Lopes toma mais uma vez a posição do sol. Neste ponto da rota organizam preparativos, arranjam os navios a fim de prosseguir viagem na Terça-Feira, 3 de Janeiro de 1531. Desfraldam o velame com o cair da noite enluarada. Forte vento Nordeste faz o galeão "Sam Vicente" perder duas âncoras pelo rompante. A caravela "Princeza" perdeu somente uma âncora, devido ao fundo daquelas águas ser pedregoso. Ventou com tanta intensidade que era dificultoso controlar as velas das embarcações, segurar o leme à grande velocidade.
"(...)Indo assi correndo com gram mar deu a nao hûa guinada, e em preparando de ló nos arrebentou o masto do traquete pelos tamboretes, de que sentimos muita fortuna; e amainamos a vela; e fomos correndo ao som do mar até que foi de dia..."
Quarta-feira, 4 de Janeiro, breve bonança. Ao meio-dia abaixam o mastro quebrado e puseram umas emendas e corrigem da melhor forma que é possível. O vento forte novamente os impulsiona pela direção Sul. Feito depois mar calmo e a brisa a soprar facilita a navegação. Os reparos no mastro são refeitos querendo melhor corrigí-lo.
GRAVURA RETRATANDO CONVÉS DE NAVIO LUSITANO [ALFREDO ROQUE GAMEIRO].

Sábado, 7 de Janeiro, do mesmo ano, pelo meio-dia navega a Armada Afonsina ao largo do Cabo Verde, tomam o caminho Sulsueste noite adentro.
Segunda-Feira, 9 do dito mês, ultrapassa à distância o Cabo Roxo e a Sierra Leoa, direção Sulsueste. Neste dia morreu um homem antes embarcado na Ilha de Santiago.
Por cerca de sete dias no percurso ocorreram tantas trovoadas trazendo muito vento, chuva e relâmpagos, obrigando-os a amainar as velas. Outras ocasiões cessava o vento e os céus despejava o aguaceiro. Variando com momentos de alguma estiagem.
Demora-se a chegar ao Cabo de Santo Agostinho, seguindo à Sudoeste. Por vezes, o vento escasso retarda a navegação, a corrente marítima daquelas águas corre com força sendo trabalhosa a navegagem.
Terça-Feira, 24 de Janeiro de 1531, a Armada Colonizadora Afonsina passa próximo à Ilha de Fernão de Loronha, enfrenta a força da corrente marítima a singrar o oceano percorrendo muitas léguas marinhas. Pelos céus avistam aves do mar, entre estas alcatrazes, espécie comum naquelas paragens.
"(...)Segundafeira trinta dias do mes de janeiro tomei o sol: e estava na altura do cabo de santo Agostinho; e iamo-lo a demandar pelo rumo d'aloeste. Este dia nam correo pescado nenhum comnosco, que he sinal nesta costa d'estar perto de terra; e outro nenhum nam tem senam este..."
PELO TRATADO DE TORDESILHAS PORTUGAL TINHA POSSE SOBRE A TERRA DE BRASIL, O QUE LEVOU D. JOÃO III A ENVIAR A ARMADA COLONIZADORA AFONSINA EM 1530.
            
Terça-Feira, 31 de Janeiro de 1531, avistam terra. Defronte do Cabo de Percaauri deparam-se com uma nau francesa. Investem contra a mesma à toda vela. Martim Afonso ordena a dois navios que cerquem de um lado a nau contrabandista, mais dois de outra banda. Durante à perseguição a nau francesa dirigiu-se para próximo das margens e lançou o batel fora. Os marujos se meteram todos no pequeno barco e fugiram para a terra. Mandou Martim Afonso (Capitam I), que Diogo leite (Capitão da caravela "Princeza") fosse num batel atrás dos fugitivos. Quando este chegou em chão já haviam os homens corrido pela mata adentro e tinham arrebentado seu batel. Vão à nau apresada e nela acham apenas um prisioneiro, mas havia muita artilharia, pólvora e estava toda abarrotada de pau-brasil (Ibirapitanga). Ao meio-dia rumam intentando dobrar o Cabo de Santo Agostinho. Da banda do Sul deste Cabo dão com outra nau francesa, que foi tomada e confiscado seu carregamento de pau-brasil. Naquela noite, o Capitam I manda que Pero Lopes de Souza vá com duas caravelas à Ilha de Santo Aleixo, porque tinham informação de estar ali mais duas outras naus de franceses. Segue no encalço sondando o fundo d'água afim de evitar encalhar num banco de areia ou ter o casco avariado por um recife submerso, até o alvorecer da manhã à borda da Ilha de Santo Aleixo.
Quarta-Feira, 1 de Fevereiro de 1531, enxergam no mar uma das naus francesas com os traquetes (velas grandes do mastro da proa) velejando logo adiante. Pero Lopes determina enfunar o velame e empreende perseguição buscando cercar a nau francesa para capturá-la. Esta percebendo a presença dos navios lusitanos veleja em fuga. Um pouco atrás do navio de Pero Lopes vem a outra caravela portuguesa. Ao meio-dia seguem na esteira do navio francês. Tendo dificuldades para dobrar o Cabo de Santo Agostinho vinha também Martim Afonso de Souza na nau "Sam Miguel" e o galeão "Sam Vicente", mais as duas naus apresadas dos franceses, então retardatários.
"(...)Este dia, hûa hora de sol, cheguei á nao, e primeiro que lhe tirasse, me tirou dous tiros: antes que fosse noite lhe tirei tres tiros de camelo, e tres vezes toda a outra artelheria: e de noite carregou tanto o vento lessueste, que nam pude jogar senam artelheria meuda; e com ella pellejamos toda a noite..." - Seria um combate duradouro, tanto como renhido na Costa Marítima de brasil, versejado séculos depois pelo frei José de Santa Rita Durão (1781) em um seu poema épico entitulado "Caramuru":
"(...)Franceza Gente, que o Brasil tentava
 Pedro Lopes de Souza em furiosa
 Naval batalha o mar lhe contestava:..." - Canto 8º, estrofe XXVII.
GRAVURA REPRESENTA COMBATE ENTRE NAUS INIMIGAS NA COSTA MARÍTIMA DE BRASIL - SÉCULO XVI [HANS STADEN].

"(...)Quinta-feira 2 de febreiro em rompendo a alva mandei hum marinheiro ao masto grande ver se via o capitam I, ou os outros navios, e me disse que via hûa vela, que nam divisava se era latina, se redonda. E desde as sete horas do dia até o sol posto, que rendemos a nao, pellejamos sempre. A nao me deo dentro na caravela trinta e dous tiros, quebrou-me muitos aparelhos, e rompeo-me as velas todas. Estando assi com a nao tomada chegou o capitam I, com os outros navios; logo abalroei com a nao e entrei dentro; e o capitam I abalroou com o seu navio: e os mais dos francezes se passaram ao navio. A  nao vinha carregada de brasil; trazia muita artelheria, e outra muita muniçam de guerra: por lhes faltar polvora se deram. Na nao nam demos mais que hûa bombardada, com um pedreiro ao lume d'água: com a artelheria meuda lhe ferimos seis homês: na caravela me nam mataram, nem feriram nenhum homem..."
ILUSTRAÇÃO COMBATE NAVAL ENTRE NAVIOS PORTUGUESES E NAU FRANCESA NA COSTA MARÍTIMA DE BRASIL - SÉCULO XVI [THEODOR DE BRY].
       
Sexta-Feira, 3 de Fevereiro de 1531, pela manhã seguinte estão à borda do Litoral de brasil.
"(...)Ao longo do mar eram tudo barreiras vermelhas: a terra he toda chãa, chea d'arvoredo. Como nos achegamos mais a terra se nos fez o vento sueste: e ao meo dia surgimos em fundo de onze braças, hûa legua de terra. Como estive surto, lancei o batel fóra, por nenhum dos outros navios trazer batel, que os haviam deixado no cabo de santo Agostinho. Este dia vieram de terra, a nado, ás naos indios a perguntar-nos se queriamos brasil..."
Sábado, dia 4 de Fevereiro pela manhã mandou Martim Afonso, que Heitor de Sousa (Capitão da nau "Sam Miguel") que fosse à terra num batel com mercadorias para ver se conseguia trazer água fresca, da qual tinham muita carência, mas o Capitão Heitor retornou de pipas vazias, pois o nativos indígenas não lhes queriam dar. Então, o Capitam I embarcando na caravela "Rosa", seguiu pelo Litoral adiante rumo ao porto de Pernambuco a fim de obter algumas coisas que servissem as necessidades da Armada.
"(...)Eu fiquei com os outros navios surto;  e ao meo dia tomei o sol em seis graos e hum terço. Em se pondo o sol me fiz á vela; e em levando a amarra me desandou o cabrestante, e me ferio dous homês; e tornei a virar com muita força, e arrebentei o cabre, e me fiz á vela: e mandei a Baltazar Gonçalves que levasse o farol; por quanto eu nam tinha piloto. E fomos no bordo do mar até o quarto da modorra rendido; e tornei a virar no bordo da terra..."
Domingo, 5 de Fevereiro de 1531, Pero Lopes navega o dia todo contra o vento sem percorrer meia-légua de Litoral, pondo-se o sol ancorou junto à terra. Por estar a favor do vento e a corrente marítima direcionando a Nornoroeste fez desgarrar-se a nau "Sam Miguel".
"(...)Segunda-feira 6 de febreiro pela menhãa, nem da gavia parecia o navio Sam Miguel; estive surto, esperando até quinta-feira nove dias do dito mes, que me fiz á vela com o vento lessueste..." - Faltava-lhes água fresca para beber, da qual se ressentiam os marinheiros. Entre Sexta-Feira, dia 10 e Quarta-Feira, 15 de Fevereiro, com muito trabalho singram uma légua, quando descobrem a foz de um rio para tomar água. A direção dos ventos nada lhes facilita a navegação.
MAPA COSTA MARÍTIMA DA TERRA BRASILIA.

Sexta-Feira, 17 do dito mês, vão surgir defronte do porto de Pernambuco.
"(...)Aqui achamos a nao Capitaina e o galeam Sam Vicente, e a nao de França que tomamos no arrecife do cabo de santo Agostinho, e me disseram como nam tinham novas do Capitam I; senam que o dia d'antes viram hûa vela ao mar, que ia no bordo do sul; e me disseram que foram ao Rio de Pernambuco; e como havia dous meses que ao dito rio chegara hum galeam de França; e que saqueara a feitoria; e que roubara toda a fazenda que nelle estava delRei nosso senhor: e que o feitor do dito rio [Diogo Dias] era ido ao Rio de Janeiro, n'hûa caravela, que ia para Çofala. E achei sete homês da nao Capitaina mortos, que se affogaram na barra do arrecife..."
bado, 18 de Fevereiro de 1531, à tarde avistam ao longe a caravela em que vinha Martim Afonso. Pelo chegar da noite, Pero Lopes instrui que as naus fizessem fogos nas gáveas dos mastros para que o navio do Capitam I visse a sinalização de onde se encontravam. 
No Domingo com a mudança dos ventos enfim encontram a caravela que trazia o Capitam I, Martim Afonso. Dão conta como a nau de Heitor de Sousa havia se apartado deles a oito dias atrás. Então, Martim Afonso foi ao Rio de Pernambuco e mandou levar todos os doentes a uma casa de feitoria daquele lugar. Designou à duas caravelas que explorassem as águas do Rio do Maranham e ordenou ainda que João de Sousa retornasse à Portugal em uma das naus tomada dos franceses, levando seu valioso carregamento e a outra nau fez queimar. Após estocar provisões (água, alimento e coisas para a necessidade da viagem) desfraldaram as velas e rumaram pelo caminho Sul.
ILUSTRAÇÃO ARMADA COLONIZADORA AFONSINA NAS ÁGUAS DO PORTO DE PERNAMBUCO [SÉCULO XVI] VALLANDRO KEATING.

Seguem agora compondo a Armada Colonizadora Afonsina três navios: a nau "Capitaina", o galeão "Sam Vicente", capitaneada por Pero Lobo Pinheiro e uma outra nau (apresada dos franceses), a qual Pero Lopes de Souza deu o nome "Nossa Senhora das Candeas".
No percurso o Capitam I indicou que o galeão "Sam vicente" se achegasse mais à terra afim de verificar se no Arrecife de Sam Miguel havia alguma nau. Tempos depois, volta o Capitão Pero Lobo Pinheiro informando não haver nenhum navio do dito arrecife.
Seguindo à borda da Costa Marítima enfrentam trovoadas com ventania, chuva, granizo, relâmpagos e grandes ondas. O mal tempo perdura dias até que alcance as Serras de Santo Antônio. As constantes intempéries quebram em três pedaços a verga do traquete da nau de Pero Lopes ("Nossa Senhora das Candeas") e por pouco naufraga de fato toda a Armada. O cenário continua o mesmo naqueles dias.
"(...)Domingo 10 do mes de março se fez o vento sueste, e tomava do sul; e com todalas velas faziamos o caminho do sudoeste. De noite, no quarto da prima, nos deu hûa trovoada com tanta força de vento, que amainados, metia a nao o portaló por debaxo do mar: eram tantos os relampados que a todos nos punha terror: e rendido o quarto da prima me deu hum raio no masto do traquete da gavia, que mo fez em dous pedaços: quiz Nossa Senhora que nos nam fez mais nojo: trouxe tam gram  fedor de enxofre, que nam havia homem que o suportasse. Choveu-nos tanto agua esta noite, que com duas bombas a nam podiamos esgotar..." - À tarde do dia seguinte dão numa desembocadura do Rio Sam Francisco. Prosseguem navegando dias no destino Sul.
MAPA DA COSTA MARÍTIMA DA TERRA DE BRASIL ASSINALA LOCALIDADES E ILUSTRA OS NATIVOS INDÍGENAS.

[a partir daqui as datas do Diário de Pero Lopes de Souza constam equivocadas quanto a marcação correta dos dias, coisa qual não invalida a narrativa pois os fatos são mais precisos]

Domingo, 13 de Março de 1531, ao meio-dia chegam a Bahia de Todos os Santos, onde fundeiam. Ali aproveitam para estocar água fresca, lenha e consertam as naus tão desaparelhadas em função dos temporais. Na Bahia de Todos os Santos encontrava-se um portugês, Diogo Alvares, o "Caramuru", coabitando com os nativos brasílicos, já havia vinte anos. Contou-lhes das riquezas que a terra de brasil poderia proporcionar. Os indígenas vieram prestigiar Martim Afonso e trouxeram mantimentos, também fizeram grande festa e dançaram, ao que o Capitam I agradeceu a acolhida.
Pero Lopes tira suas primeiras impressões em contato com o desconhecido povo indígena.
"(...)A gente desta terra he toda alva; os homês mui bem dispostos, e as mulheres mui fermosas, que nam ham nenhûa inveja as da Rua Nova de Lixboa. Nam tem os homês outras armas senam arcos e frechas; a cada duas leguas tem guerra hûs com os outros. Estando nesta bahia no meio do rio pellejaram cincoenta almadias de hûa banda, e cincoenta da outra; que cada almadia traz secenta homês, todas apavezadas de pavezes pintados como os nossos: e pellejaram desd'o meo dia até o sol posto: as cincoenta almadias, da banda de que estavamos surtos foram vencedores; e trouxeram muitos dos outros captivos, e os matavam com grandes cerimonias, presos por cordas, e depois de mortos os assavam e comiam: nam tem nenhum modo de fisica: como se acham mal nam comem, e poem-se ao fumo; e assi pelo conseguinte os que são feridos..."
ILUSTRAÇÃO REPRESENTANDO O SACRIFÍCIO CANIBAL DE UM PRISIONEIRO POR INDÍGENAS TUPIS - SÉCULO XVI [THEODOR DE BRY].
GRAVURA INDÍGENAS TUPIS ESQUARTEJAM E TRATAM VÍTIMA PARA A COMILANÇA ANTROPOFÁGICA - SÉCULO XVI [HANS STADEN].

Na Bahia de Todos os Santos, Martim Afonso deixou dois homens para fazerem experiência de plantio da terra, deixando com eles muitas sementes. A Armada Colonizadora toma a direção Sul. Todavia os ventos adversos dificultam a navegagem, o mar agitava-se e retarda a viagem, os fazendo mudar de direção.
Quinta-Feira, 24 de Março de 1531, chegam a foz do Rio Tynhaaréa, pela noite desaba intensa trovoada e ventos fortes, as vagas ameaçavam lançar os navios contra os rochedos. No dia seguinte, surgem a entrada da Bahia de Todos os Santos novamente. É preciso observar que o percurso não era feito exatamente em linha reta, mas aproveitando-se da direção favorável e intensidade dos ventos, as correntes marítimas, as condições do mar, variantes que os obrigavam à manobras de navegagem, corrigindo-se a rota a medida da movimentação.
"(...)Sabado 26 de março pela menhãa vimos dentro na bahia hum navio surto; e por ser longe nam divisavamos se era latino, se redondo: e logo vimos saír um batel da bahia, que vinha ás naos; e como chegou á nao capitaina, a salvou; e vinha nelle o capitam da caravela que arribara a Pernambuco, que ia para Çofala; e vinha no batel o feitor da feitoria de Pernambuco, que se chamava Diogo Dias; e o capitam I mandou fazer as naos á vela para dentro da bahia; e mandou chamar a gente da caravela; e mandou soltar o piloto, que o capitam trazia preso preso; e mandou despejar a caravela dos escravos, e lançal-os em terra; e determinou de levar a caravela comsigo, por lhe ser necessaria para a viagem..."
"(...)Domingo 27 de março partimos daquesta bahia, com o vento leste, contra opiniam de todolos pilotos: a qual era que nam podiamos dobras os baxos d'abrolho; e que a monçam dos ventos suestes começava desd'o meado febreiro até agosto; e que em nenhûa maneira podiamos passar; e que era por de mais andar lavrando o mar..." - Ainda assim conseguem tomar o rumo Sul perlongando o Litoral da Terra Brasílica. Velejam mais de semana observando as Serras da costa, suas grandes montanhas, cuidando-se dos rochedos pontiagudos da orla marítima, acometidos de algum temporal.
"(...)Domingo 10 dias d'abril se fez o vento sueste, e amainamos as vela, e lançamos as naos de mar em travez: e ao meo dia tomei o sol em 15 graos e 1 terço. Fazia-me de terra 20 leguas.
Segunda-feira começou o vento sueste a ventar com muita força e com mui gram mar: de noite cresceu o temporal tanto e tam forte, que quizeramos arribar e nam nos estrevemos, por ser o mar mui grosso: até pela menhãa estivemos com muita fortuna, que se fez o tempo mais bonança. Assi estivemos pairando até sesta-feira 15 d'abril, que se fez o vento leste; e demos todalas velas no bordo do sul; e ao meo dia tomei o sol em 15 graos e 1 terço. Fazia-me de terra 17 leguas..." - As trovoadas carregadas de muitos ventos e chuvas persistem quando em vez.
ILUSTRAÇÃO DE NAVIOS PORTUGUESES SINGRANDO O MAR [SÉCULO XVI].

"(...)Quarta-feira 20 dias do mes d'abril pela menhãa me acheguei á nao capitaina; e me disse o capitam I que com o grande vento, que de noite ventara, lhe quebrara o mastro do traquete, abaxo da gavia hûa braça; e que queria arribar á Bahia de Todolos Santos; e a todos nos pareceo mui bem, por nam ser ja tempo para dobrar os baxos d'abrolho. Estando nisto, nos deu hûa trovoada de lesnordeste; e como passou, ficou o vento em leste e tomava do nordeste; e o capitam I tornou a mandar que virassemos no bordo do sul; e assi fomos até á noite, que no quarto da prima que se nos fez o vento lesnordeste: e faziamos o caminho sulsueste..." - Pelo dia seguinte continuavam singrando o Litoral.
"(...)O vento se nos fez leste, e com elle faziamos o caminho do sul com todalas velas. De noite se fez o vento lesnordeste, e com as bolinas largas faziamos o dito caminho, levando resguardo, que cada relogio sondavamos; porque todolos pilotos se faziam ir por riba dos baxos d'abrolho, que lançam ao mar 30 leguas, e o começo delles está em altura de 19 graos. E assi fomos toda esta noite com mui bom tempo, sem podermos tomar fundo com 60 braças..." - Prosseguem com destino ao Sul.
"(...)Sabado, no quarto d'alva se fez o vento sudoeste; e veo tam supito e furioso, que quasi nam deu lugar a amainar as velas; e ventou com tanta força (o qual ainda nesta viagem o nam tinhamos assi visto ventar) que as naos sem velas metiam no bordo por debaxo do mar: era tamanha a escuridam e relampados, que era meo dia e parecia noite: á tarde se fez o vento sul. Andava o mar tam grosso e tam feo que nos entrava por todalas partes. No quarto da prima ao sair da lua abonançou mais o vento; ficou o mar tam grande que nos nam podiamos ter na nao. Da banda de bombordo me arrebentaram os apparelhos, com o jogar da nao..."
Por aqueles dias, o mar ondulante de grandes vagas e ondas arrebentando-se com os navios torna a viagem trabalhosa, até que se amenize o vento. A noite acendem fogos para iluminar. Vão perlongando a costa numa distância segura, a tirar medidas de profundidade (calado) evitavam arrecifes submersos, bancos de areia. Donde observam a vegetação de Restinga junto a orla marítima, montanhas, Serras, a conformação geográfica litorânea da terra de brasil.
"(...)Sesta-feira pela menhãa nos fizemos á vela com o vento nordeste, indo sempre ao longo da costa tres leguas della, per fundo de 50 braças d'area limpa. O cabo do parcel, que jaz ao mar, se corre da banda do nordeste ao sueste, e da banda do sudoeste aloeste, e ás partes a loessudoeste. Quando fui fóra do parcel descobriram-se serras mui altas ao sudoeste. Ao meo dia tomei o sol em 22 graos e 3 quartos: ao sol posto fui com o cabo Frio: como foi noite amainamos as velas, e fomos com os traquetes toda a noite. O cabo Frio se corre com o Rio de Janeiro leste oeste: ha de caminho 17 leguas..."
DETALHE MAPA BAÍA DA GUANABARA [JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ] 1624.

Sábado, 30 de Abril de 1531, pelo meio-dia adentraram a Baía da Guanabara e aportam no Rio de Janeiro. Determinou Martim Afonso de Souza (Capitam I) fazer uma Casa-Forte provida de "Estacada" ao redor, numa ilhota de pedra rasa com o mar. Instrui que se colocasse a ferraria em ordem para os consertos dos navios, dentre outras precisões. Enviou homens terra adentro para explorar. Vieram dois meses depois, andaram pelo sertão 115 léguas, sendo que 65 delas foram por montanhas e vales. Têm contanto com um Cacique indígena que os recebeu com honras, tanto como os acompanhou para entregar a Martim Afonso muito "cristal" e comentou haver no Rio de Peraguay muito ouro e prata.
Ficam no Rio de Janeiro por três meses guardando mantimentos e água para a viagem, fazendo reparos nas embarcações, constroem ainda dois bergantins de 15 bancos.
Terça-Feira, dia 1º de Agosto de 1531, deixam a Baía da Guanabara.
"(...)Domingo 6 do dito mes tornei no bordo da terra com todalas velas: a cerraçam era tamanha que des que partimos do Rio de Janeiro, nunca podemos vêr a terra nem o sol: quasi noite fomos tam perto da terra, que viamos arrebentar o mar, e nam na viamos..." - O percurso que faziam inicialmente os levava rumo ao Rio de Sam Vicente.
"(...)Quarta-feira 9 dias d'agosto no quarto d'alva faziamos o caminho ao noroeste e a quarta do norte; e ás 9 horas do dia surgimos bem pegados com terra em fundo de 8 braças d'area grossa. Estando surtos mandou o capitam I hum bargantim a terra, e nelle hûa lingua para ver se achavam gente, e para saber onde eramos; porque a cerraçam era tamanha, que estavamos hum tiro d'abombarda de terra e nam na viamos. De noite veo o bargantim, e nos disse como nam pudera ver gente..." - Pela manhã seguinte desfraldaram o velame e se afastam um pouco da orla. Ao meio-dia dão com a Ilha de Alcatrazes (águas de São Sebastião, no Litoral Paulista), quando perceberam estavam tão junto da Ilha que quase são jogados contra as pedras da encosta.
MAPA DA ILHA DE SÃO SEBASTIÃO INDICANDO TAMBÉM A ILHOTA DE ALCATRAZES AO LARGO - LITORAL PAULISTA [JACQUES NICOLAS BELLIN] 1764.

"(...)Era a cerraçam tamanha que fazia pouca diferença da noite ao dia: e surgimos da banda d'aloeste da ilha, em fundo de 25 braças d'area tesa: e mandei lançar o batel fóra para ir á ilha matar rabiforcados e alcatrazes, que eram tantos que cobriam na ilha. E fui á nao Capitaina; e levei o capitam I á ilha; e matamos tantos rabiforcados e alcatrazes, que carregamos o batel delles. Indo nós para as naos, nos deu por riba da ilha hum pé de vento tam quente, que nam parecia senam fogo; ventando na bandeiras das naos o vento noroeste, que era contraste deste: disto ficamos todos  mui espantados, que daquelle vento fomos todos com febre. Como puz o capitam I na sua nao, tornei a ilha a por lhe fogo. No quarto da modorra nos deu hûa trovoada seca de essudoeste, com mui grande vento que nam havia homem, que lhe tivesse o rosto: a nao Capitaina foi de todo perdida, que lhe quebrou o cabre; e ía dar sobe-la ilha, se o vento de supito nam saltara ao sul, que se fez á vela no rolo do mar. Como nos deu o vento mandei logo largar outra anchora, que me teve até pela menhãa com mui gram mar. A nao Capitaina nam aparecia, e me fiz á vela; e fiz sinal ao galeam Sam Vicente e á caravela; e fomos todos surgir, da banda do norte da ilha, em fundo de 18 braças d'area limpa; determinamos de estar ali até passar o temporal. Á tarde se fez o vento sueste, e vimos mea legua ao norte de nós a nao Capitaina, que vinha no bordo do sudoeste, e nos fizemos á vela, e a fomos demandar..."
ILUSTRAÇÃO ARMADA COLONIZADORA AFONSINA SURGE JUNTO À ILHA DE ALCATRAZES [1531] LITORAL PAULISTA - VALLANDRO KEATING.

Continuam a viagem pelo dia seguinte. Devido à névoa densa afastam-se um pouco do Litoral a fim de reconhecer a terra dissipado o nevoeiro. Embora Pero Lopes tenha indicado ser a rota rumo ao Rio de Sam Vicente (dito pelos indígenas, Guarapissumã), a Armada Colonizadora passa ao largo da região. Resolveu Martim Afonso de Souza, assim navegando sob a cerração, arribar em direção ao Rio de Santa Maria (Rio da Prata) pras bandas do extremo Sul.
No trajeto dão com a Ilha da Cananea, em cujas águas ancoram. O Capitam I mandou que um bergantim adentrasse o Rio de Iguape, e a Pedro Annes, piloto, que era língua-da-terra fosse parlamentar com os indígenas. Providencia também que se colocasse Padrões lusitanos naquele lugar.  
"(...)Quinta-feira 17 dias do mes de agosto veo Pedre Annes Piloto no bargantim, e com elle veo Francisco de Chaves e o bacharel, e 5 ou 6 castelhanos. Este bacharel havia 30 annos que estava degradado nesta terra, e o Francisco de Chaves era mui grande lingua desta terra. Pela informaçam que della deu ao capitam I, mandou Pero Lobo com 80 homês, que fossem descobrir pela terra adentro; porque o dito Francisco de Chaves se obrigava que em 10 meses tornara ao dito porto com 400 escravos carregados de prata e ouro..." - Partem os 40 bésteiros e 40 espingardeiros comandados por Pero Lobo, no dia 1º de Setembro de 1531. As notícias que se soube destes homens mais tarde, é que teriam sido trucidados pelos indígenas Carijós.
MAPA DO LITORAL DA TERRA DE BRASIL DESDE A ILHA DE SANTO AMARO (GUAIMBÊ) À ILHA DA CANANEA [1640].
  
"(...)Aqui nesta ilha estivemos 44 dias: nelles nunca vimos o sol; e de dia e de noite nos choveo sempre com muitas trovoadas e relampados: nestes dias nos nam ventaram outros ventos, senam desd'o sudoeste até o sul. Deram-nos tam grandes tormentas destes ventos, e tam rijos, como eu em outra nenhûa parte os vi ventar. Aqui perdemos muitas anchoras, e nos quebraram muitos cabres..." - Na Terça-Feira do dia 26 de Setembro seguem rumo ao Sul. O mal tempo assola o percurso. Muita chuva e relâmpagos caiam do céu, o vento inclemente os fez reduzir o velame e navegar com pouca vela. O mar agitara, a ventania os empurrava a soçobrar nas encostas da terra dando trabalho a condução do leme. Apartam-se os begantins que acompanhavam a Armada Afonsina.
GRAVURA NAVEGANTES EUROPEUS COSTA MARÍTIMA SUL DE BRESIL - BAÍA DE PARANAGUÁ [SÉCULO XVI] HANS STADEN.

"(...)Sesta-feira pela menhãa houvemos vista de terra 3 leguas de nós, que se corria nornordeste sulsudoeste. Como nos achegamos mais a terra reconhecemos ser ao sul do porto dos Patos 4 leguas, e tornamos de ló, ver se podiamos cobrar o dito porto: o vento era tanto ao nordeste que se virando no bordo do mar, me levou o traquete d'avante..." - No dia seguinte à tarde encontram seus marinheiros embarcados nos bergantins. Assim intentam viagem com ventos fortes e mar agitado.
"(...)Domingo 1º dia de outubro pela menhãa, hum dos bargantins nam aparecia; a outro dei um calabrete por popa, porque nam podia com a vela..." - A rota aponta para o Sul, ainda muitos ventos e mar revolto.
GRAVURA NAVEGANTES EUROPEUS LITORAL DE SANTA CATARINA [SÉCULO XVI] HANS STADEN.

"(...)Quinta-feira no quarto d'alva me deu por d'avante o vento sudoeste, levando as velas cheas de vento nordeste que foi a mór afronta que nesta viagem nós tinhamos visto; e com o vento sudoeste lançamos as naos ao pairo. De noite cresceo tanto o vento e o mar que me nam quiz a nao arribar.
Sesta-feira até o meo dia sofremos o pairo com muito trabalho e arribei com a nao, e em arribando pela quadra meu deu hum tam gram mar, e veo ter ao convez, e meteu-me dous quarteis para dentro; entrou tanta agua, que antre ambas as cubertas  me nadou o batel; assi arribamos alagados: até o quarto da modorra com duas bombas acabamos d'esgotar a agua..." - Vão pela costa marítima da Região Sul de brasil, afastados da orla da terra.
"(...)Terça-feira no quarto d'alva com muito vento sudoeste lançamos as naos ao pairo: e ao meo dia se fez o vento bonança: vimos da gavia ao noroeste um fumo. Mandei lançar a sonda, e tomei fundo com 60 braças: e nos fizemos á vela no bordo do noroeste a demandar o fundo; e ao sol posto vi a terra da gavia, a qual era mui baxa sem conhecença algûa: e no quarto da prima me fiz no bordo do sueste com o vento sulsudoeste..." - Noutro dia chegada à noite têm farta pescaria de "pescadas". Neste trajeto dão entre três ilhas de pedras, onde matam muitos lobos-marinhos.
"(...)Sesta-feira 13 do dito mes pela menhãa se fez o vento sudoeste, que nos vinha por riba de hûa ponta, que nos demorava ao sulsudoeste e ventou com tanta força que a nao Capitaina perdeu o cabre, e lhe quebrou a amarra. Toda esta noite estivemos com muita tromenta.
Sabado no quarto d'alva acalmou o vento, e fui á terra firme por nos fazerem muitos fumos. A terra he mui fermosa, muitos ribeiros d'agua, e muitas ervas e frores, como as de Portugal. Achamos duas onças mui grandes, e nos tornamos para as naos sem vermos gente. E ao meo dia se fez o vento nordeste, e com elle nos fizemos á vela. Estas ilhas, a que puz nome - das Onças - tomei o sol nellas em 34 graos e 3 quartos, e no quarto da prima me acalmou o vento..." - Pela manhã seguinte corria o vento nordeste e prosseguiam ao longo do Litoral, sondando sempre o calado de profundidade. Ao sol se pôr chegam ao Cabo de Santa Maria (região do Rio da Prata).
MAPA PROVÍNCIA DO RIO DA PRATA E COSTA MARÍTIMA DE BRASIL.

"(...)Segunda-feira pela menhãa mandou o capitam I ao piloto mór que fosse ver hûa ilha, que estava pegada com o dito cabo, se antre ella e a terra havia bom surgidouro: e ao meo dia tornou Vicente Lourenço, e disse que o porto era bom; senam que com os ventos oessudoeste e sulsudoeste era desabrigado, e que do vento sulsueste tinha baxos ao mar: e á tarde fomos surgir antre a ilha e a terra em fundo de 6 braças e mea de preamar. Aqui nesta ilha tomamos agua e lenha e fomos com os bateis fazer pescaria: e em hum dia matamos desoito mil peixes antre corvinas e pescadas e enxovas: pescavamos em fundo de 8 braças: como lançavamos os anzolos na agua nam havia ahi vagar de recolher os peixes. Nesta ilha estivemos 8 dias esperando por hum bargantim, que de nossa companhia se perdera: como nam veo mandou o capitam I pôr hûa cruz na ilha e nella atada hûa carta emburilhada em cera, e nella dizia ao capitam do bargantim o que fizesse vindo ali ter..."
Domingo, dia 21 de Outubro de 1531, enfrentam trovoadas carregadas de chuvas, ventanias, continuam à borda do Litoral.
"(...)A nao Capitaina se fez á vela e nos fez sinal: por ser o vento e o mar mui grande me nam estrevi fazer á vela, nem cobrar hûa ponta, que se demorava a leste e a quarta do sueste; e mandei fazer um aúste de 120 braças, e com elle caçava como senam levara anchora pelo fundo ser de lama mui mole. A tromenta era tamanha de vento e mar que cada vez metia a nao todolos castellos. Mandei fazer outro aúste; e com anchora de forma, e a lançamos ao mar: estando com esta fortuna mandei cortar os castellos todos, e fazer tudo razo, e mandei cortar o cabo ao batel, que tinhamos por popa. Assi estivemos com esta tromenta de mar, que cada vez nos vinha quebrar no convez..." - São várias manobras para manter a posição segura.
ILUSTRAÇÃO NAVIOS PORTUGUESES ENFRENTAM TEMPESTADES NA COSTA MARÍTIMA DE BRESIL - SÉCULO XVI [VALLANDRO KEATING].

"(...)Segunda-feira 22 d'outubro e no quarto d'alva me quebrou o aúste da anchora de forma que tornei outra vez a caçar, como dantes. Como amanheceo me achei de terra hûa legua e tinha caçado tres; e o galeam Sam Vicente estava a terra de mim: pela sua popa arrebentavam huns baxos, que cada vez parecia o mar mais alto que a gavia. Por caçar tanto determinei de me fazer á vela, e contra rezam de marinheiraria levamos a amarra com muito trabalho e me fiz á vela no bordo d'aloeste; e como vi que nam cobrava os baxos, que arrebentavam ao mar, virei no bordo de leste, para irmos varar em hûa praia, que nos demorava nordeste, quarta de leste, por ali nos parecer que ao mar nam havia baxos. Indo assi punhamo-la proa na ponta, que me demorava a lessueste. Por me parecer que a podia cobrar mandei dar o traquete da gavia, metendo a nao [Nossa Senhora das Candeas] até o meo do convez, por debaxo do mar: em dando o traquete me quebrou em dous pedaços: ia ja tam perto da ponta que a huns parecia que a podiamos cobrar, e outros bradavam que arribassemos: era tam grande revolta na nao que nos nam entendiamos: mandei meter toda gente debaxo da coberta; e mandei ao piloto tomar o leme, e eu me fui á proa, e determinei de fazer experiencia da fortuna, e me pôr a ver se podia dobrar a ponta; porque se a nam dobrava nam havia onde varar, senam em rocha viva, onde nam havia salvaçam: assi fomos, e prouve a nossa senhora e ao seu bento filho, que a dobramos; e fui tam perto della que o mar, que arrebentava na costa, nos tornava com a ressaca a dar na nao, e nos lançou fóra. Como dobrei a ponta arribamos a nordeste e a quarta de leste; e á tarde fui surgir na ilha do cabo. Entrou-nos tanta agua ao dobrar da ponta, que quando a esta ilha achegamos, traziamos seis palmos d'agua debaxo da coberta. Como aqui estive surto, se fez o vento sudoeste. No quarto da prima veo o galeam Sam Vicente dar comigo, e logo lhe perguntei se trazia batel: e me disse que o perdera, e que nam trazia mais que hûa anchora; e que perdera tres; e passara por riba do arrecife, que estava á terra donde estavamos surtos; e ali se sustivera com o temporal até á noite, que ventou o vento sudoeste. E me disse o piloto como vira a nao Capitaina sem mastos muito perto da terra, que da gavia nam pudera divisar se estavam em seco, se sobre anchora..."
Na Terça-Feira, 23 de Outubro de 1531, ao amanhecer surgiu a caravela sem cabres, nem âncoras e com o batel perdido. Contou o piloto como passaram com sorte por detrás da ponta onde foram dar milagrosamente. Sobre a nau "Capitaina" não a vira mais.
DETALHE MAPA INDICA O RIO DA PRATA E COSTA MARÍTIMA DA TERRA DE BRASIL [1589] BAPTISTA BOAZIO.

"(...)Nam podia determinar o que fizesse: para me fazer á vela nam tinha cabres, nem batel, nem anchora. Determinei de mandar por terra trinta homês; e para isto mandei dous a nado com um cabo, e que o dessem á caravela, que se virasse por minha popa..." - Estando ruim o mar, não conseguiam os marujos puxar para perto a caravela avariada. Pero Lopes de Souza instrui que se faça um batel de aduelas (tábuas de barris), dentro da nau "Nossa Senhora das Candeas". Intenta ainda encontrar Martim Afonso de Souza.
"(...)Quinta-feira 25 do dito mes pela menhãa meti na caravela 30 homês, - os que melhor sabiam nadar; e as armas metidas em hûa pipa funda, por se nam molharem; e dous barris de mantimento para 8 dias: e mandei á caravela que se fosse á terra, e que surgisse quanto nam desse em seco: e que dali se fosse a terra nas jangadas, que levavam dos quarteis da nao francesa. E ao meo dia todos foram em terra com assaz trabalho; e da mesma terra acudiram muita gente [indígenas brasílicos], e punham-se de longe, sem quererem chegar; até que dous homês dos nossos foram a elles; e logo chegaram e abraçaram a todos com grandes choros e cantigas mui tristes, e como se despediram delles, fizeram seu caminho pela praia. Tendo andado mea legua, me fizeram hum fumo, e vi hûa soma, que me parecia ser o batel dos que perdido tinhamos..." - Pero Lopes manda construir mais uma outra jangada e transporta a forja e ferro para a Ilha, a fim de fazer pregos para o batel d'aduelas, que dentro da nau preparavam. Mandou ainda ao Mestre com 5 homens à orla para verificar se era mesmo um batel mostrado pelos outros marinheiros. Tornam o Mestre e seus ajudantes com o batel da caravela, que estava muito avariado. Informou haver na terra muita água e boa. Às margens da Ilha consertam o batel.
ILUSTRAÇÃO PERLONGANDO A COSTA MARÍTIMA DE BRESIL A EXPEDIÇÃO COLONIZADORA AFONSINA POR VEZES DESEMBARCA EM TERRA [SÉCULO XVI] - VALLANDRO KEATING.

No Domingo, dia 28 de Outubro de 1531, vieram muitos nativos indígenas à praia. Chegado o batel dos portugueses, lhes deram muito pescado e taçalhos de veado.
"(...)Sesta-feira 2 dias de novembro veo gente que tinha mandado em busca de Martim Afonso, e me disseram como a nao Capitaina dera á costa, por falta d'amarras; que Martim Afonso, com toda a gente, se salvaram todos a nado; somente morreram 7 pessoas; 6 afogados e 1, que morreo de pasmo: e que o bargantim dera tambem á costa; e porem que lhe nam fizera nojo: e o batel do galeam e da Capitaina tinham sãos; e que na praia acharam hum bargantim de tavoada de cedro mui bem feito, o qual Martim Afonso tinha para levar em companhia do batel grande e do outro bargantim para entrar pelo [rio] adentro; e que Martim Afonso me mandava dizer que com a gente, que as naos podessem escusar, me fosse onde elle estava com a caravela..." - Pero Lopes foi ter com Martim Afonso, onde havia naufragado a nau "Capitaina" na costa. Envia um batel à terra avisando ao Capitam I da sua chegada. Porém a intensidade de um vento contrário, mais águas revoltas por força os fizeram se afastar. Com vento melhor volta ao local onde soçobrara a nau de Martim Afonso. Tiveram muito trabalho resgatando peças de artilharia e ferro. O Capitam I manda mensagem que fosse à uma Ilha próxima e ali esperasse seu recado.
DETALHE MAPA ESTUÁRIO RIO DA PRATA [1640] JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ.

Fica decidido consultando Pilotos e Mestres dentre outros tripulantes experientes, que Martim Afonso de Souza não deveria ir pelo Rio de Santa Maria (Rio da Prata) adentro por muitas razões: falta de mantimentos suficientes, perdidos no naufrágio da "Capitaina". As duas naus restantes estavam em péssimas condições de navegação. Parecia o rio difícil de navegar por uma grande nau, tanto mais pelos temporais repentinos. Resolvem enviar Pero Lopes de Souza em um bergantim com 30 homens para colocar chantões lusitanos, bem como tomar posse do dito rio em nome de El-Rei e que dentro de 20 dias tornasse, porque o porto onde as naus estavam fundeadas era muito desabrigado.
"(...)Sabado 23 dias do mes de novembro de 1531 estando o sol em 11 graos e 35 meudos de sagitario, e a lua em 27 graos de tauro, parti do Rio dos Begoais, que jaz aloeste do cabo de Santa Maria 11 leguas, e levava hum bargantim com 30 homês; tudo bem em ordem de guerra: e fiz meu caminho ao longo da costa, que se corre aloeste..." - Depara-se com uma ilha pequena toda de pedras (Ilha de Lobos). Pegado com o bordo da costa avista uma outra ilha ao mar, cuja restinga estende-se numa área comprida à Nordeste (Ilha das Flores). Passando diante desta Ilha reparou num alto monte que se destaca e pôs o nome Monte de Sam Pedro (Cerro de Montevideo), onde pernoitou ao sopé naquele dia. Pela manhã do Domingo fez à vela com o bergantim singrando uma grande enseada (foz do Rio de Santa Luzia), formada junto à Ilha das Flores. Despenca então uma trovoada vinda do Sul agitada pelos ventos, o que retarda o percurso.
"(...)Bem pegado com a terra me tornou a ventar o vento nordeste, e fui ao longo da costa, a qual se corre a loesnoroeste, per fundo de 4, 5 braças d'area limpa. Indo sempre hum tiro de bésta de terra tornou-me a acalmar o vento bem tarde, e os sinaes do temporal cresciam; determinei de varar o bargantim em terra até passar a noite; e mandei varar em hûa area, e tirar o fato todo em terra; e fazer hum repairo de terra; e puzemos a artelheria em ordem. E fui com 10 homês pela terra ver se achava rasto de gente: nam achei nada; senam rasto de muitas alimarias, e muitas perdizes e codornizes, e outra muita caça. A terra he mais fermosa r aprasivel que eu já mais cuidei de ver: nam havia homem que se fartasse d'olhar os campos e a fermosura delles. Aqui achei hum rio grande; ao longo delle tudo arboredo o mais fermoso que nunca vi: e antes que chegasse ao mar hum tiro de bésta se sumia. E tomamos muita caça e tornamos nos ao bargantim. Ao pôr do sol veo hûa trovoada do noroeste, com tanta força de vento e pedra, que nam havia homem, que se tivesse em pé: e de supito saltou ao sudoeste com muita chuva, relampados, e sempre cuidei de perder o bargantim, segundo o mar era grande. Toda esta noite corremos tanta fortuna, quanta homês nunca passaram. A agua que choveo me molhou o mantimento todo, que mais nam prestou..." - Veio o sol pela manhã seguinte, 25 de Novembro, os enxugou roupas e coisas. Pero Lopes pensou em retornar devido a perda de mantimentos, mas avaliou que ele e seus comandados podiam se manter com o que havia na natureza da terra.
"(...)e com o pescado o mais fermoso e saboroso, que nunca vi. A agua ja aqui era toda doce; mas o mar era tam grande que me nam podia parecer que era rio: na terra havia muitos veados e caça, que tomavamos, e ovos de ema, e emas pequeninas, que eram muito saborosas; na terra ha muito mel, e muito bom: e achavamos tanto que o nam queriamos: e ha cardos, que he mui bom mantimento, e que a gente folgava de comer..." - Certos de poderem se sustentar seguem o curso levados pelo vento Sueste. Tempo bom e de noite havia lua. Intencionava navegar madrugada adentro o estuário do Rio da Prata.
MAPA DA BACIA FLUVIAL DO RIO DA PRATA EXPLORADO POR PERO LOPES DE SOUZA.

"(...)Sendo 2 leguas donde partira, saíram da terra a mim 4 almadias, com muita gente: como as vi puz-me á corda com o bargantim para esperar por ellas: remavam-se tanto, que parecia que voavam. Foram logo comigo todos; traziam arcos e frechas e azagaias de pao tostado, e elles com muitos penachos todos pintados de mil cores, e chegaram logo sem mostrarem que haviam medo; senam com muito prazer abraçando-nos a todos: a fala sua não entendiamos; e nem era como a do Brasil; falavam do papo como mouros: as suas almadias eram de 10, 12 braças de comprido e mea braça de largo: o pao dellas era cedro, mui bem lavradas: remavam-nas com hûas pás mui compridas; no cabo das pás penachos e borlas de penas; e remavam cada almadia 40 homês todos em pé: e por se vir a noite nam fui ás suas tendas, que pareciam em hûa praia defronte donde estava; e pareciam outras muitas almadias varadas em terra: e elles acenavam que fosse lá, que me dariam muita caça; e quando viram que nam queria ir, mandaram hûa almadia por pescado: e foi e veo em tamanha brevidade que todos ficamos espantados: e deram nos muito pescado: e eu mandei lhes dar muitos cascaveis e christallinas e contas: ficaram tão contentes e mostravam tamanho prazer, que parecia que queriam saír fora do seu siso: e assi me despedi delles..." -  Continuou à borda do mar no dia seguinte, surge próximo a uma Ponta [de Santo Antônio]. Ventava tanto que poderiam naufragar. Amainou a vela e contornou o istmo abrigando-se dos ventos. Desembarca em terra com o intuito de apanhar alguma caça. Trepa numas árvores a fim de divisar o entorno do estuário do Rio da Prata. Avista diversas Ilhas [de S. Gabriel] com densa vegetação. Tornou a praia com muita caça e mel. Remando o bergantim circundam todas as sete ilhas, nestas paragens pescam a noite toda.
"(...)Quarta-feira 27 de novembro mandei concertar a padesada do bargantim, e pôr a artelharia em ordem, e írmos concertados para pellejar; porque na terra viamos muitos fumos, que he sinal de ajuntamento de gente..." - O curso é o Rio da Prata efetivamente. Passa ao largo da desembocadura do Rio [de S. Juan], mais adiante depara-se com uma grande Ilha [de Martim Garcia] redonda, a qual chamou Ilha de Santa Anna onde pernoitou. As águas são abundantes em peixes, dos céus arribam muitos pássaros e aves de rapina.
"(...)Sesta-feira 29 de novembro pela menhãa abonançou o tempo, e fui á ilha: mandei pôr fogo em tres partes della; para ver se nos acudia gente: e nam vimos senam fumos, que me demoravam a oessudoeste e nam viamos terra: mandei subir dous homês sobre hûas arbores grandes, que estavam na ilha, para ver se viam terra onde nos faziam fumos, e viram arboredo, cousa que parecia terra alagadiça..." - Pelo dia seguinte à tarde dirige-se à umas ilhas, 2 léguas dali. À duas delas chamou chamou Ilhas de Sant'André [Dos Hermanas]. Passa aí aquela noite.
ILUSTRAÇÃO EMBARCAÇÃO SIMILAR A UTILIZADA POR PERO LOPES DE SOUZA PARA EXPLORAR OS AFLUENTES DO RIO DA PRATA. 
   
"(...)Domingo 1º de dezembro me fiz á vela pela menhãa, com o vento nordeste e mandei governar a loessudoeste: fazia mui gram nevoa, que nam viamos nada, e fui assi até o meo dia pelo dito rumo; e índo por 5 braças de fundo fui de supito dar em 2 braças; e mais ávante dei em seco: e mandei saltar a gente á agua; saímos de seco; e tornei-me por onde viera. Como alimpou a nevoa, me achei hûa legua de hûa terra mui baxa, chea d'arboredo e muitos baxos e vi estar hûa boca grande, que me demorava ao noroeste; e fui demandar por fundo de 2 braças, e ás vezes dando em seco, até que dei em hum canal de sete braças, que ía dar na dita boca [do Guazú]: e entrei para dentro: e achei um rio [Paraná] de mea legua de largo, e de hûa banda e d'outra tudo cheo de arboredo. A agua corria mui tesa para baxo: havia de fundo 10, 12 braças de lama molle..." -  Indo Rio Paraná acima, deparam-se com a Boca Brava, logo à frente o Braço Largo trazendo muita água.
"(...)Segunda-feira 2 dias de dezembro, como foi menhãa, mandei remar pelo rio arriba: eram tantas as bocas dos rios, que nam sabia por onde ía; senam ía pela agua arriba; e fez-se-me noite a par de 2 ilhas pequenas onde surgi. Estive a note toda com muito vento noroeste.
Terça-feira 3 de dezembro corria a agua aqui tanto, que nam podia ir ávante aos remos. Á tarde nos ventou muito vento sudoeste: com elle fomos pelo rio arriba: achava 1 braço, que ía ao norte; outro, que ía ao loeste; e nam sabia por onde fosse. ja aqui começava a achar ilhas, com muitos arboredos e frechos e outras mui fermosas arbores; muitas ervas e flores como as de Portugal, e outras diferentes; muitas aves e garças e abatardas, e eram tantas as aves que com páos as matavamos. Ja aqui as ilhas nam sam alagadiças: a terra dellas muito fermosa..." - Prosseguem à vela pelo rio adentro noite e dia, entram em seus meandros, encontrando ilhas [foz do Rio Negro], a vislumbrar a vegetação diversa e aves marinhas (mortas a tiros de bésta), que também lhes serviam de alimento.
"(...)Quinta-feira 5 de dezembro, índo pelo dito braço arriba, achei muitos sinaes de gente. Faziam muitos fumos pelas ilhas: a terra da banda do sueste me parecia, onde era firme, a mais fermosa que os homês viram: toda chea de froles, e o feno d'altura de hum homem..." - Trovoadas e ventos enchem e agitam as águas dos rios percorridos.
"(...)Sabado 7 de dezembro nos ventou o vento sudoeste com muita força. Fomos com pouca vela pelo dito braço arriba, que ao nordeste íam hûs fumos que faziam longe pelo rio arriba. E tendo andado 3 leguas me anoiteceu donde os faziam: e saí em terra; e nam achei rasto de gente; senam de muitas alimarias. De noite nos deu rebate hûa onça; cuidando que era gente, saí em terra com toda gente armada.
Domingo 8 de dezembro me tornei por onde viera, para ir pelos outros braços arriba, ver se achava gente: e vim pelo rio abaxo dormir ás duas ilhas dos corvos [foz do Rio Negro]..." - Assim Pero Lopes e seus homens exploravam os meandros dos afluentes que desaguavam no Rio da Prata. A enfrentar correntezas, águas rasas, caçando veados para o sustento.
MAPA RIO PARANÁ INDICA DESEMBOCADURA DE AFLUENTES E FORMAÇÕES INSULARES - 1866 [CONSELHEIRO OCTAVIANO].

"(...)Quarta-feira 11 de dezembro fui pelo rio [Uruguay] arriba com bom vento; e vi um braço pequeno; e metti-me por elle, o qual ía ao noroeste: neste rio ha hûas alimarias como raposas, que sempre andam n'agua, e matavamos muitas: tem sabor como cabritos. Indo pelo braço arriba, vi que se fazia mui estreito: e tornei-me ao braço grande; e indo no meo delle descobri outro braço... (...)E a terra da banda do sudoeste era alta, e parecia ser firme; e da mesma banda do sudoeste, achei hum esteiro, que na boca havia duas braças de largo e hûa de fundo. E segundo a informaçam dos indios era esta terra dos Carandins [Querandins]. Mandei fazer muitos fumos, para ver se me acudia gente, e no sartam me responderam com fumos mui longe..." - A terra dos indígenas Carandins é montanhosa ao longo do rio e o sertão todo chão, coberto de feno que cobre um homem. Com muitos animais da terra: veados, capivaras, pacas, emas, perdizes, codornizes e bastante peixes. Maravilhas que deixam os exploradores extasiados.
"(...)Quinta-feira 12 de dezembro á boca deste esteiro dos Carandins puz dous padrões das armas d'elrei nosso senhor, e tomei posse da terra para me tornar d'aqui; por que via que nam podia tomar pratica da gente da terra; e havia muito que era partido donde Martim Afonso estava: e fiquei de ir e vir em 20 dias: e deste esteiro ao rio dos Beguoais, donde parti, me fazia 105 leguas. Aqui tomei altura do sol em 33 graos e 3 quartos..." - No regresso toma o vento noroeste à sua popa e evolui em velocidade.
"(...)Sendo a par das ilhas dos corvos [foz do Rio Negro], d'antre hum arboredo ouvimos grandes brados, e fomos demandar onde bradavam: e saío a nós hum homem, á borda do rio, coberto de pelles, com arcos e frechas na mão; e fallou-nos 2 ou 3 palavras guaranís, e entenderam-as os linguas, que levava; tornaram-lhe a falar na mesma lingua, nam entendeu; senam disse-nos que era beguoaa [begoás] chanaa [chanás] e que se chamava Ynhandú. E chegámos com o bargantim a terra, e logo vieram mais 3 homês e hûa molher, todos cobertos com pelles: a molher era mui fermosa; trazia os cabellos compridos e castanhos: tinha hûs ferretes que lhe tomavam as olheiras: elles traziam na cabeça hûs barretes das pelles das cabeças das onças, com os dentes e com tudo. Por acenos lhe entendemos que estava hum homem com outra geraçam, que chamavam chanás, e que sabia falar muitas linguas; e que o queria ír a chamar, e estava la diante pelo rio arriba; e que elles íriam e viriam em 6 dias. Entam lhes dei muitas cristalinas e contas e cascaveis, de que foram mui contentes, e a cada hum delles seu barrete vermelho; e á molher hûa camisa: e como lhes isto dei, foram a hûs juncais, e tiraram duas almadias pequenas, e trouxeram-me ao bargantim pescado e taçalhos de veado, e hûa posperna d'ovelha [paca, anta ou capivara, provavelmente]; mas nam ousavam de entrar dentro no bargantim, nem seguravam comnosco. E assi se foram, dizendo que haviam de vir dahi a 5 dias, e os esperassem nas ditas ilhas dos corvos. Aqui estive 6 dias esperando, nos quaes tomei muita caça e muito pescado, e muitos veados, tamanhos como bois, os quaes faziamos em taçalhos, para levar ás naos. Como vi que nam vinham, ao cabo dos 6 dias me parti..."
ILUSTRAÇÃO RETRATA A EXPLORAÇÃO DA COSTA DE BRESIL E O CONTATO DOS COLONIZADORES PORTUGUESES COM OS NATIVOS INDÍGENAS [XVI].

Quarta-feira, 18 de Dezembro de 1531, com o vento noroeste intenso retorna pelo Rio Paraná, onde entrara, em cuja foz jantou aquela noite. Faz alguns disparos com as armas para ver se aparecia gente, ficando aí até à tarde do outro dia.
"(...)e passei pelas ilhas de Sant'André e pela ilha de Santa Anna; e fui em se pondo o sol ás 7 ilhas [S. Gabriel], no porto onde estivera, quando por ali passára, onde deixára enterrado barris e outras cousas, que nos nam eram necessarias..." - Pela manhã seguinte alcança o cabo de Sam Martinho [P. Espinillo?]. Devido à força dos ventos remam para uma enseada que abrigava da ventania. Com a mudança do vento, agora favorável, segue ao longo da borda da terra vencendo as leguas.
"(...)Corri todo o dia com mui bom vento. Desd'o cabo de Sam Martinho se fazem 3 pontas; afastada hûa legua hûa da outra, todas com arboredo, e lançam ao mar restingas de pedras; antre ellas ha arrecifes mui perigosos. Á cerrada da noite me acalmou o vento á boca de hum rio, que á entrada era mui baxo. Aqui estive surto até á mea noite, que me deu hûa trovoada do sulsudoeste; e com o vento encheu a agua; e me meti na boca do rio: e como ía enchendo assi ía metendo para dentro..." - A este rio chamaria Sam João e à 2 léguas dali encontraria novamente a aldeia indígena que vira na ida pelo Rio da Prata, numa enseada onde se juntam a água doce com a salgada. Aproveita e manda encher as vasilhas de água fresca.
"(...)e saíram-me 6 almadias, e todos sem armas, senam vinham com muito prazer abraçar-nos: e o vento era muito; e fazia gram mar; e elles acenavam-me que entrasse para um rio, que junto das suas tendas estava. Mandei la hum marinheiro a nado, para ver se tinha boa entrada: e veo e disse-me que era muito estreito, e que nam podiamos estar seguros da gente, que era muita: - que lhe parecia que eram 600 homês; e que aquillo, que pareciam tendas que eram 4 esteiras, que faziam hûa casa em quadra, e em riba eram descobertas; e fato lhe nam vira; senam reides da feição das nossas. Como vi isto me despedi delles; e lhes mandei muita mercadoria; e elles a nós muito pescado. E vinham apoz de nós, hûs a nado e outros em almadias, que nadam mais que golfinhos; e da mesma maneira nós com o vento á popa muito fresco: - nadavam tanto quanto nós andavamos. Estes homês sam todos grandes e nervados; e parece que tem muita força. As molheres parem todas mui bem. Cortam também os dedos como os do cabo de Santa Maria; mas nam sam tristes..." - Indo assim à toda vela avistam o Monte de Sam Pedro.
"(...)e anoiteceu-me hûa legua delle; e acalmou-se o vento. Aqui nam ha onde surgir, que o fundo he todo de pedra. Iamos remando ao longo da costa, e deu-nos hûa trovoada ao sul com muito vento e relampados; e cuidei de sermos todos perdidos; e íamos dar de todo á costa; mandei lançar a fatexa [âncora-gancho], bem pegados com a rocha, em fundo de 4 braças de pedra. Estando assi com esta fortuna, se lançaram 2 marinheiros a nado, e se foram a terra, ver se havia algum lugar bom, em que dessemos em seco. E de terra bem bradaram que acharam hum esteiro, onde o bargantim podia entrar. Mandei levar a amarra, que quasi estava quebrada das pedras, e metemos os remos; e pondo muita força cada hum para se salvar. Remando mais ávante hum tiro de bésta vi a boca do esteiro; e me meti nelle; e á entrada tem muitas pedras, onde me houvera perder. Como fui dentro carregou tanto o tempo, que se me achára fóra todos nos perdemos..." - Passada a tempestada entrou pela mata adentro. Caçam muitas emas e veados. Também escalam o Monte de Sam Pedro.
"(...) donde viamos campos, a estender d'olhos, tam chãos como a palma; e muitos rios: e ao longo delles arboredo. Nam se pode escrever a fermosura desta terra: os veados e gazelas sam tantos, e emas, e outras alimarias, tamanhas como potros novos e do parecer delles, que he o campo todo coberto desta caça..." - À tarde voltam para o bergantim.
DETALHE MAPA ILUSTRA ALGUMAS RIQUEZAS DA TERRA DE BRASIL QUE DESPERTARAM O INTERESSES DOS EUROPEUS.
                   
"(...)Terça-feira 24 de dezembro, dia de natal, parti deste porto com o vento norte mui rijo: e em querendo dobrar hûa ponta dei em hum baxo de pedra, que nos lançou o leme hûa lança d'alto: quiz Deus que nos nam quebrou. Indo assi ao longo da costa, no meo de hûa enseada, carregou tanto vento da terra, que nam podiamos levar vela, e aforçava por nam esgarrar. Entrou-nos tanta agua que nos arresou o bargantim. Mandei lançar anchora: como poz a proa ao mar deu-nos algum lugar a lançar a agua fóra, que estava até á coberta todo arresado. Como foi esgotado tornei a dar á vela, e cheguei-me bem á terra; defronte da ilha da restinga, indo ao longo da terra, demos n'hum pexe com o bargantim, que parecia que dava em seco, e virou o rabo, e quebrou a metade da postiça: foi tam gram pancada que ficámos todos como pasmados: nam lhe vimos mais que o rabo: mas á soma, que despois fez na agua, parecia mui gram pexe. Duas horas de sol me acalmou o vento, hûa legua da ilha das pedras [de las Gaivotas]; e meti os remos, e fui surgir antre ella e a terra, com tençam d'estar ali a noite. Sendo hûa hora da noite me deu hûa trovoada do nornordeste, que vinha por riba da terra com tanto vento, quanto eu nunca tinha visto, que nam havia homem que falasse, nem que pudesse abrir a boca. Em hum momento nos lançou sobre a ilha das pedras; e logo se foi o bargantim ao fundo antre duas pedras, donde foi dar. Saímos todos em riba de pedras, tam agudas que os pés eram todos cheos de cutiladas. Desta ilha á terra havia hûa legua. Ajuntamo-nos todos em hûa pedra; porque o vento saltou ao mar; e crescia muito a agua, que a ilha era quasi coberta; senam um penedo em que todos estavamos, confessando hûs aos outros, por nos parecer que era este o derradeiro trabalho. Assi passámos toda esta noite em se todos encomendarem a Deus: era tamanho o frio, que o mais dos homês estavam todo entanguidos, e meos mortos. Assi passámos esta noite com tamanha fortuna, quanta homês nunca passaram.
Quarta-feira 25 de dezembro pela menhãa, saltou o vento a nordeste, e vasou a agua muito; e descobriu o bargantim, e de riba estava ainda são; mas debaxo parecia-nos que era todo quebrado. Alguns homês que tinham forças, e que estavam em si faziam jangadas de remos e de pavezes, para se lançarem a nado á terra firme. Eu me fui com 3 homês ao bargantim, e começamos a esgotar a agua, que dentro tinha, para lhe tirar o masto para nelle irmos á terra. Estando assi me pareceu que tirava a artelharia e fato, que surderia arriba; assi chamei alguns homês: - os que nam sabiam nadar, que os que sabiam andavam em se salvar com remos e com páos. Des que tirámos a artelharia e fato fóra, quis nossa senhora que surdiu o bargantim; e demos grandes brados á gente que acudisse, e que se nam lançasse a nado: porque o bargantim estava são, e que eramos todos salvos. O bargantim nam tinha mais que hum  buraco na taboa do resbordo, que logo tapámos, e nos tornámos a meter o fato e recolher a gente nelle, para nos irmos ao rio dos Beguoais, que era dahi 2 leguas. Muitos homês estavam ja quasi mortos, que nam tinham forças para andar; e os mandei meter ás costas dentro no bargantim: e saltou o vento ao mar, e dei á vela, e fui quasi noite entrar no rio dos Beguoais. E nam tinhamos que comer, que havia 2 dias que a gente nam comia; e muitos homês ficaram tam desfigurados do medo, que os nam podia conhecer. Toda esta noite nos choveu e ventou com relampados e trovões; que parecia que se fundia o mundo..." - Pela manhã a bonança veio. Dada as dificuldades dos marujos e da embarcação, enviou um homem por terra à Ilhas das Palmas, onde Martim Afonso estava à espera deles, e lhe dizer que se o tempo durasse ruim, mandasse mantimentos que estavam em grande necessidade. Aquele dia não comeram senão ervas cozidas.
DETALHE ILUSTRAÇÃO ONDE FIGURA OS PERIGOS DE NAUFRÁGIO NO MAR [SÉCULO XV].
    
"(...)E andando pela terra em busca de lenha para nos aquentarmos fomos dar n'hum campo com muitos páos tachados e reides, que faziam um cerco, que me apareceu á primeira que era armadilha para caçar veados; e despois vi muitas covas fuscas, que estavam dentro do dito cerco de reides: então vi que eram sepulturas dos que morriam: e tudo quanto tinham lhe punham sobre a cova; porque as pelles, com que andavam cobertos, tinham ali sobre a cova; e outras maças de páo, e azagaias de páo tostado, e as reides de pescar e a de caçar veados: todos estavam em contorno da sepultura, e quizera mandar abrir as covas; despois houve medo que acudisse gente da terra, que o houvesse por mal. Aqui juntas estariam 30 covas. Por nam podermos achar outra lenha mandei tirar todolos páos das sepulturas: mandei-os trazer para fazermos fogo, para se fazer de comer com 2 veados, que matámos, de que a gente tomou muita consolaçam..." - Em contato com a cultura dos nativos da terra brasilis, por vezes Pero Lopes de Souza tira suas considerações.
"(...)A gente desta terra sam homês mui nervudos e grandes; de rosto sam mui feos: trazem o cabelo comprido; alguns delles furam os narizes, e nos buracos trazem metidos pedaços de cobre mui lucente: todos andam cobertos com pelles: dormem no campo onde lhes anoitece: não trazem outra cousa comsigo senam pelles e reides para caçar: trazem por armas hum pilouro de pedra do tamanho d'hum falcão, e delle sae hum cordel de hûa braça e mea de comprido, e no cabo hûa borla de penas d'ema grande; e tiram com elle como com funda: e trazem hûas azagaias feitas de páo, e huâs porras de páo do tamanho de um covado. Nam comem outra cousa senam carne e pescado: sam mui tristes; o mais do tempo choram. Quando morre algum delles segundo o parentesco, assi cortam os dedos. Por cada parente hûa junta; e vi muitos homês velhos, que nam tinham senam o dedo polegar. O falar delles he do papo como mouros. Quando nos vinham ver nam traziam nenhûa molher comsigo; nem vi mais que hûa velha, e como chegou a nós lançou-se no chão de bruços; e nunca alevantou o rosto: com nenhûa cousa nossa folgavam, nem amostravam contentamento com nada. Se traziam pescado ou carne davam-no-lo de graça, e se lhe davam algûa mercaderia nam folgavam; mostrámo-lhes quanto traziamos; nam se espantavam, nem havia medo a artelharia; senam suspiravam sempre; e nunca faziam modo senam de tristeza; nem me parece que folgavam com outra cousa..."
DETALHE ILUSTRAÇÃO REGISTRA O CONTATO DOS EUROPEUS COM OS NATIVOS INDÍGENAS E A ESTRANHEZA ENTRE AS DISTINTAS CULTURAS.
  
Sexta-feira, dia 27 de Dezembro de 1531, Pero Lopes e seus comandados partem do Rio dos Beguoais e ao pôr do sol chegam à Ilha das Palmas, onde Martim Afonso (Capitam I) estava. Ali permanecem 4 dias preparando-se para irem ao Rio de Sam Vicente.
"(...)Terça-feira 1º de janeiro [1532] partimos desta ilha com o vento lesnordeste; fizemos o caminho do sudoeste. Á noite se fez norte, e fizemos o caminho a leste toda noite, com bom vento..." - Rumava a Armada Colonizadora Afonsina. Por vezes o mar agitado das marés inundava as naus, fazendo esgotar com a bomba.
"(...)Quinta-feira 3 de janeiro pela menhãa nos deu muito vento sudoeste: faziamos o caminho do nordeste e a quarta de leste. E mandou Martim Afonso a caravela ao porto dos Patos, para ver se achava o bargantim ou a gente delle, que perderamos de companhia, quando íamos para o rio [da Prata]; e mandou-lhe que governasse ao nordeste e a quarta do norte. Este dia tomei a altura a altura em 29 graos e tres quartos: faziam-me de terra 15 leguas. Esta noite corremos á popa com mui bom vento.
Sesta-feira 4 de janeiro houve vista de terra, - hûas barreiras vermelhas, que estam des leguas ao sul do porto dos Patos. E ao sol posto fui com o porto dos Patos. Por me afastar de terra fiz o caminho a lesnordeste, com o vento sul, e com mui gram mar fizemos tanta agua toda esta noite, que não levamos a mão da bomba até pela menhãa, que tomámos parte della..." - Navegam dia e noite até avistar terra leguas à frente, as escarpas da Serra do Mar.
"(...)Terça-feira 8 de janeiro no quarto d'alva nos fizemos no bordo da terra; e ao meo dia fomos com ella; e conheci ser o rio da banda do nordeste da Cananea e como nam podiamos cobrar pela corrente e o vento ser grande. E o porto de Sam Vicente me demorava a nordeste: estava delle 15 leguas. Como vi que nam podiamos cobrar arribamos á ilha de Cananea: e ao pôr do sol surgimos a terra della..."
DETALHE MAPA REGIÃO DE CANANÉIA [LITORAL PAULISTA].
  
Quarta-feira 9 do dito mes se nos abriu hûa grande agua na nao, que nos dava muito trabalho. Aqui nesta ilha estivemos até quarta-feira 16 de janeiro, que partimos com o vento sudoeste, fazendo sempre muita agua, que nam se levava a mão a duas bombas..." - A Expedição Colonizadora, capitaneada por Martim Afonso levanta o velame e percorre 10 léguas ao longo do Litoral, próximo da orla marítima. Surgem próximo à Península de Itaipu [Praia Grande].
DESENHO REGIÃO DO LITORAL NA BAIXADA PAULISTA [JEAN BAPTISTE DEBRET].

"(...)Domingo 20 do dito mes pela menhãa 4 leguas de mim vi a abra do porto de Sam Vicente: demorava a nornordeste; e com o vento lesnordeste surgimos em fundo de 15 braças d'area, mea legua de terra; e ao meo dia tomei o sol em 24 graos e 17 meudos; e 2 horas antes que o sol se puzesse nos deu hûa trovoada do noroeste: pela corrente ser mui grande ao longo da costa atravessava a nao o vento que era mui grande; e metia a nao todo o portaló por debaxo do mar; se nos nam quebrára a anchora pela unha foramos soçobrados segundo o vento era desigual. Como se fez o vento oessudoeste demos á vela; e esta noite no quarto da modorra fomos surgir dentro n'abra em fundo de 6 braças d'area grossa..." - Segue o registro de Pero Lopes de Souza aportado com a nau "Nossa Senhora das Candeas", na atual região da Baixada Paulista. 
"(...)Segundafeira vinte hum de janeiro [1532] demos á vela, e fomos surgir n'hûa praia da ilha do Sol [Gauíbe para os indígenas]; pelo porto ser abrigado de todolos ventos. Ao meio dia veo e galeam Sam Vicente surgir junto comnosco, e nos disse como fóra nam se podia amostrar vela, com o vento sudoeste..." - Pelas anotações do navegador português a Ilha de Santo Amaro encontrava-se na altura de "vinte e quatro graos e hum quarto".
ARMADA COLONIZADORA AFONSINA FUNDEADA JUNTO À PRAIA DO GÓES (ILHA DE SANTO AMARO DE GUAÍBE) - 1532 [BENEDITO CALIXTO].

"(...)Terçafeira pela menhãa fui n'hum batel na banda d'aloeste da bahia e achei hum rio estreito, em que as naos se podiam correger, por ser mui abrigado de todolos: e á tarde metemos as naos dentro com o vento sul. Como fomos dentro mandou o capitam I. fazer hûa casa em terra para meter as velas e emxarcia. Aqui neste porto de Sam Vicente varámos hûa nao em terra..." - Martim Afonso de Souza funda ainda a Vila de São Vicente, nas terras da Ilha Guaiaó e inicia a ocupação do Planalto Piratininga, além da Serra do Mar. Repartindo os colonos nestes lugares.
Pero Lopes escrevera no Diário de Navegação consignadas admirações reveladoras do espanto dele e dos homens que o acompanhavam, pela formosura das mulheres indígenas. Teria ele instalado moradia em terras suas, no Japuí (Vila Vicentina) tornando-se verdadeiro Sultão de um harém de belas cunhantãs.
MAPA REGIÃO DE SAM VICENTE INDICA A ILHA DE SANTO AMARO DENTRE OUTROS ARRABALDES - LITORAL PAULISTA [1585].

"(...)Aos 5 dias do mes de febreiro entrou neste porto de Sam Vicente a caravela Santa Maria do Cabo, que o capitam I tinha mandado ao porto dos Patos buscar gente d'hum bargantim, que se ahi perdera; e achou que tinha feito outro bargantim, com ajuda de quinze homês castelhanos, que no dito porto havia muitos tempos, que estavam perdidos: e estes castelhanos deram novas ao capitam I de muito ouro e prata, que dentro do sartam havia; e traziam mostras do que diziam e afirmavam ser mui longe..." - Martim Afonso avalia com todos os Mestres e Pilotos a possibilidade de utilizar as embarcações, em situação precária pela difícil viagem. Entenderam não ser a ocasião para semelhante empreitada.
"(...)e a gente do mar vencia todo o soldo sem fazerem nenhum  serviço a elrei, e comiam os mantimentos da terra..."
Fica acertado que Pero Lopes e marinheiros retornariam à Portugal com 2 naus, a dar conta a El Rei D. João III do que tinham feito. Finda assim sua breve estadia nesta região. Quanto a Martim Afonso, permaneceria mais com a gente que desembarcou constituindo as Vilas que fundara, até receber recado dos homens que tinha enviado a explorar as terras adentro, desconhecedor do fim que sofreram.
MAPA COSTA MARÍTIMA SUDESTE REPRESENTA A ILHA GUAIAÓ LIMÍTROFE À ILHA DE SANTO AMARO DE GUAÍBE - LITORAL PAULISTA [1631] JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ.

"(...)Quarta-feira [21] dias do mes de maio da era de 1532... (...)estando o sol em 10 g. e 32 meudos de geminis e a lua em 19 g. de capricornio, party do Rio de Sam Vicente [dito pelos indígenas Guarapissumã ou Guarapisaúna] hûa ora antes que o sol se pusece com o vento noroeste. E como foi noite fiz o caminho a leste e a quarta de nordeste.
Quinta-feira polla manhãa era tanto avante com a ylha de Sam Sebastiam [Maembipe] e ao meo dia se fez o vento oeste e começou a ventar e que me foi necessario tirar as monetas e correr com os papafigos baxos fazendo o caminho a lesnordeste ate a mea noite que mandei tomar as velas por me fazer com ho Rio de Janeiro..." - Pela manhã seguinte avista à frente, as montanhas do Rio de Janeiro e com o vento sudoeste adentra a Baía da Guanabara, ao meo dia, na data de 23 de Maio de 1532.
"(...)Sesta-feira [13] dias do mes de Junho chegou a nao santa maria das candeas, que fiquara em sam vicente acabando-se de correger. Neste rio estive tomando mantimento para 3 meses e parti-me Terça-feira, 2 dias de julho [1532]: com o vento nordeste say fora, e achei o mar tam feo, que me foi necessario tornar a ribar e surgi na boca ao mar da ylha das pedras..." - Nesta rota de regresso, no dia 4 de Julho navega ao pôr do sol pelo Cabo Frio.
"(...)Domingo [7] do mes polla menhãa me fez o galeam sinal e como acheguei a elle me disse que faziam tanta aguoa que duas bombas a não podiam vencer e que queriam virar no outro bordo; ver se podiam tomar: e em virando 2 relogios no outro bordo a tomaram e tornamos a virar e fazer o caminho a nordeste e a quarta de leste..." - Dias depois alcançam a Ilha dos Baxos.
"(...)Com muito vento sudueste e mar corria com os papafigos baxos ao nornoroeste. Esta noite com o mar mui groso nam levamos a mão de 2 bombas: fazia a nao por tantas partes a aguoa que toda noite andava com ho calafate debaxo da cuberta tomando aguoas. Eram tantas as baleas nesta parajem e tamanhas e chegavam se tanto as naos que lhe auiamos mui grande medo..."
GRAVURA RETRATA CONVÉS NUM NAVIO LUSITANO DE VENTO EM POPA [ALFREDO ROQUE GAMEIRO].
  
Ao transcorrer do percurso com mar agitado avista a Serra da Bahia de Todos os Santos. Os ventos intensos, na tarde de 17 de Julho de 1532.
"(...)Era o mar tam grosso que a nao me nam queria góvernar asy fui correndo com hum bolso da vela davante com mui gram temporal: ao jugar da nao faziam tanta aguoa que não leuauamos mãos a 2 bombas. Este dia tomei o sol em 14 g. e o sol posto houve vista do Padrão: por fazer muito vento e o mar e a terra estar mui afumada nam entrei na bahia e fiz me no bordo do mar até 5 relogios do 4º da modorra que tornei no bordo da terra.
Quinta-feira 18 dias de Julho em rompendo a alua vi o padrão mea leguoa de mim e o marquey aloeste e a quarta do noroeste metendo as monetas pera entrar na bahia. Saltou o vento ao sudueste com tanta força que nam podiamos metter as naos de loo. Torney a mandar a tirar as monetas e com hos papafigos baxos cobrei a ponsa do padrão, com asaz trablaho. Era tam grande o mar que a entrada da bahia em 9 braças de fundo me deu o mar por riba do chapiteo e veo quebrar no conves.
Nesta bahia estive calafetando os altos das naos que os traziam esvaidos e tomando mantimentos e outras cousas que me eram necessarias. Aqui fiz alardo da gente que trazia pera poderem tomar armas e achey em ambas as naos. I e iij [102] homês e os xxx delles sem armas.
Aqui se lançaram com os indios 3 marinheiros da minha nao, e me detiveram 8 dias busquando e nam nos pude aver por os indios mos esconderem..." - Prosseguem viagem passando pelo Recyfe de Sam Miguel. Pela manhã, Sábado 3 de Agosto de 1532, reconhece ao longe as Serras de Sant'Antonio, na qual percebia-se muitos fumos de gente. Perlongando à borda do Litoral, adiante depara-se com a Ilha de Sant'Alexo.
"(...)como me acheguei mais a ella vi hûa nao que estava surta antre ella e a terra: parecia ser mui grande: logo me deçi da gavia, e mandei fazer prestes a artelharia e mandei fazer sinal ao galeam que vinha por minha popa e em chegando a mym lhe disse que pusesse a artelharia em ordem, e se fizesse a gente prestes porque se a nao que estava na ilha surta fosse de França avia de pellejar com ella..."
GRAVURA NAVIO PORTUGUÊS DISPARA SEUS CANHÕES CONTRA INIMIGOS LUSITANOS.

[Neste ponto há um hiato no registro do 'Diário de Navegação de Pero Lopes', sabe-se que saiu vitorioso sobre os franceses, quando da emissão duma Reclamação feita por Sant Blamcard aos Comissários em Jrun e Fuente rabia contra Pero Lopes, no ano de 1538. Tal documento esclarece o episódio da destruição da pretendida colônia francesa em Pernambuco, bem como o apresamento do navio de França (Agosto de 1532), e supre a interrupção do Diário a este respeito.]

"Nobilis Bertrandus dornessam miles Baro et dominus de Sant Blamcard ac preffectus classis Regis cristianissimi in marj mediterraneo Actor adversus Epm. vulgo dom martim nuncupatum, Antonium Correa et petrum loppes reos. Coram vobis prestantissimis viris dominis commissariis Reguúm cristianissimi, et serenissimi pro petitione sua et ad fines de quibus infra dicit ut sequitur..." - Aponta o impetrante da Causa os culpados.
A nau francesa capitaneada por Joanem Duperet carregava animais, aves, peles de onça, símios e metais preciosos.
"(...)It. Et in missit in dicta navi qs. plurimas merces Requesitas et in maximo pretio habitas in insulis Brisiliaribus in quibus subuehende erant pro eis communtandis cum aliis mercibus dictarum insularum summe in gallia requesitis, in missit que instrumenta necessaria pro constructione unius castri et Redatioe terre inculte ad culturam et suppellectilia etiam necessaria ad garniendum dictum castrum..." - Sobre o intuito de instalarem-se os franceses em terras de Bresil.
"(...)It. Dicte navi prefecit Joanem Duperet qui solviti amassilia et sulvacot maria per tres menses post quos aplicuit dictis insulis in loco fernãbourg nuncupato..." - Referindo-se a este Capitão, quando esteve aportado em Pernambuco com seu navio.
"(...)It. Et ibi compertis sex Lusitanis adorsi sunt ipsi galli ab eis cum maximo furore et magno commeatu silvestrorum sede Deo juvante incolmes evastunt galli et victoriam Reportarunt, Etandem pace inter eos inita galli unum fortalitium construxerunt juvantibus silvestribus et etiam distis sex Lusitanis sumptibus gallorum tamem et ab eisdem stipendiatis quod edeffitium fuit constructum ul in eo ne dum merces sed et eorum personas se tutarent adversus dictos silvestres..."
"(...)It. Et certifficatus dictus serenissimus de castri construtione in dictis insulis et de mercibus et machinis armis suppellectilibus et bominibus in dicto castro existentibus ad tutum tres naves armavit quibus dictum petrum loppes preffecit eis que in mandatis dedit ut cellerrime ad dictum castrum subvertendum merces et cetera que in eo erant capienda et homines proffligandos accederet..."
GRAVURA REPRESENTAÇÃO DE BATALHA ENTRE NAVIOS PORTUGUESES E FRANCESES NO LITORAL SUDESTE DE BRESIL [SÉCULO XVI].

"(...)It. Et circa mensem decembris dicti anni millesimi quigentessimi primi dictus loppes cum suis navibus dicto portu de fernambourg applicuit castrum dicti actoris obsedit et per decem et octo dies machinis impetui et tandem conquassavit.
It. Et ob qu. dominus della mothe qui in dicto castro capitaneus erat videns etiam de longo tempore non posse sucurri colloquium de deditione cum dicto loppes habuit et post maximas oltercationes inita fuit inter eos transactio qua tantum fuit qu. castrum dicto loppes prodicto Rege serenissimo traderetur et ydem loppes salvaret homines ac merces in dicto castro existentes quos homines et merces promissit in loco libero subuehere et dimitterre francos et liberos cum mercibus et hiis qui in dicto castro habebant.
It. Et dicta transactio fuit juramento dicti loppes velato solepnim et supra sanctum corpus christi presbiterum ibi tunc consecratum.
It. Et illo non obstante tradito castro dicto loppes ydem loppes suspendio dedit dictum dominum della mote capitanem et vigint alios ex suis sodalibus duosque vivos silvestribus delaniandos et mandendos tradidit aliosque cum mercibus et aliis rebus in dicto castro existentibus Regi serenissimo aduxit qui homines carcere dedit in villa de farom cum ceteris captis predictum correa et merces cetera quas sibi propria fecit.
It. Et in quo carcere multum fuerunt per lusitanos vexati per viginti quatuor menses in magna inedia fame et longa oppressione quatuor ex hiis animas effaverunt e post xx iij menses aliii liberati sunt demptis undecim proprius tamen lusitani coegerant dictos gallos captivatos falso deponere in inquesta per eos fata prope è factis depredationi inter emptibus cooperiendis.
It. Et quare ad huc detinentur dicti undecim et xx fuerunt suspensi duo vivi delaniati et comesti et quatuor in carcere qui omnes triginta septem ascendunt..."
"(...)It. Quia omnia et singula predicta sunt vera et notoria offerens actor ea probare ad sufficientiam tamem et non alias imo rejecto superfluo onere probationis de quo espresse protestatur..."
"(...)Petens literra vestras citatorias adversus dictos dom martim correa et loppes sibi decerni visuros dictam petitionem coram vobis fieri et aliter procedi ut juris et rationis juxta formam dictarum commissionum nostrarum." - Autenticada pelo Tabelião Jeham Pyrot, em 11 de Março de 1538.
Ou conforme escreveu o cronista Gabriel Soares, a respeito dos embates de Pero Lopes de Souza com os franceses:
"(...)se viu assim no mar pelejando com algumas naos francezas, de que os francezes nunca se saíram bem."
O DESTEMIDO NAVEGADOR PORTUGUÊS PERO LOPES [SÉCULO XVI].
    
Segunda-Feira, 4 de Novembro de 1532, parte do porto de Pernambuco. Ia corrigindo a rota e fazendo o caminho Norte. Ao meio-dia, 9 de Novembro passa ao largo da Ilha de Fernam de Loronha e ruma ao Cabo Verde por aqueles dias.
"(...)Domingo com o vento leste e o mar mui chão e os dias mui craros que nesta parajem se acham mui poucas vezes fazia o caminho do norte e ao meo dia tomei o sol em 2 g. e meo..." - Demora-se alcançar o Penedo de Sam Pedro.
"(...)Esta noite no quarto da modorra me deu hûa grande travoada de lesnordeste com muito vento e aguoa que fiquou em calma ate quarta-feira xx do mes que no quarto dalva me deu muito vento nordeste e com mui grande mar que esta noite estive em condição de aRibar por mo requerer o piloto da outra nao dizendo que se ia ao fundo com hûa aguoa que se lhes abrira asi fomos com este temporal com os papafigos mui baxos fazendo o caminho do noroeste ate sesta-feira que ao por do sol abonançou mais o tempo..." - Isso já se aproximando do Cabo Verde.
"(...)Sabado ao meo dia tornou o vento nordeste a ventar com muita força que o nam pude suportar as velas e as mandei tomar e estive este dia todo de mar em traves com mui grande mar e aguoajem que vinha do leste..." - Contudo, regressaria finalmente ao porto português de Lisboa, no início do ano de 1533.
MAPA CAPITANIA DE SANTO AMARO ILUSTRA A EXTENSÃO DA COSTA MARÍTIMA - LITORAL PAULISTA [SÉCULO XVII] JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ.
      
Como retribuição a seus serviços recebeu de El-Rei, terras na costa marítima de Bresil. Em carta do dia 28 de Setembro de 1532, D. João III escreve a Martim Afonso informando sobre a resolução de dividir o Brasil em Capitanias Hereditárias:
"(...)e antes de dar a nenhuma pessoa, mandei apartar para vós cem leguas, e para Pero Lopes, vosso irmão, cinquenta dos melhores limites desta costa..." - Acrescentou-lhe depois, por doação feita em Evora, na data de 1º de Setembro de 1534, outras terras somando oitenta léguas, mais tarde perfazendo cem léguas (21 de Janeiro de 1535), distribuídas em três diferentes lugares da costa por ele escolhidos. Duas destas doações constituíram as Capitanias de Sant'Ana (região Sul) e Itamaracá (região Nordeste). Uma outra parte passou a designar a Capitania de Santo Amaro (região Sudeste). Compreendia 10 léguas de costa marítima, encravada junto à Capitania Vicentina, entre a foz do Rio Curupacé (hoje Juquerepacé), limítrofe a São Sebastião (ao Norte) e à boca do Rio São Vicente (ao Sul). Em medidas atuais aproximados 130 Km de costa, os limites da Capitania Santo-amarense extendendo-se para o planalto, dentro da demarcação imposta pelo Tratado de Tordesilhas. Sendo a Ilha de Santo Amaro (Guaimbê), cabeça da Capitania, incluindo em sua costa marítima localidades como Buriquióca, Boissucanga, Maembipe (São Sebastião), Ilha (Pequena) Barnabé. A Capitania de Santo Amaro de Guaíbe foi doada efetivamente em 1534, a Pero Lopes de Souza pelo Rei português, com a finalidade de ser colonizada, cuidada e promovida. Assim, mandou construir instalações e designa administrador. Os irmãos Martim Afonso e Pero Lopes fizeram contrato com João Veist, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves para formação de um engenho para fabrico de açúcar, onde entraram com a autorização de uso das terras.
DETALHE MAPA MOSTRA A ILHA DE SANTO AMARO ("CABEÇA DA CAPITANIA") PERTENCENTE A PERO LOPES [1631] JOÃO TEIXEIRA ALBERNAZ.

Consta que o Donatário teria, a princípio, pessoalmente colonizado suas três Capitanias. Organizando viagens para o envio de colonos, implementos agrícolas, sementes, mudas de plantas, ferramentas, trabalhadores de ofício etc. Por vezes o próprio Pero Lopes capitaneando a frota, in loco a acompanhar o desenvolvimento das Capitanias, nas temporadas que passa pela costa marítima da terra de Bresil.
Gabriel Soares, afirma que conduzindo Armada às suas custas e em pessoa foi povoar a  Capitania de Itamaracá com moradores que levou do Porto de Lisboa, donde partiu. No que gastou alguns anos e muito dinheiro. Acrescenta que fizera um engenho em Santo Amaro [Capitania], que também fora povoar pessoalmente. Denotando o interesse de Pero Lopes pelas terras recebidas. Inclusive, tendo a participação de parentes na administração das ditas Capitanias. As quais contribuíram significativamente com a atividade açucareira pelo cultivo de canaviais, plantio agrícola de subsistência (mantimentos), criações de animais, pesca, extração de minérios e madeira. Estabelecendo sítios, fazendas, engenhos, estaleiros, moenda, curtume, destilaria, olaria. A figurarem com relativo sucesso na produção agrícola da colônia Brasilis, inseridas no modelo econômico da colonização portuguesa.
MAPA CAPITANIAS HEREDITÁRIAS NA COSTA MARÍTIMA DE BRESIL, SENDO PERO LOPES DE SOUZA DONATÁRIO DE TRÊS DELAS.
     
Entretanto, a Capitania de Santo Amaro padeceu envolvida em pendências entre D. Isabel de Gambôa (esposa e tutora dos dois filhos de Pero Lopes) e seus parentes a pleitear a posse, estendendo-se por gerações. Com o desaparecimento do Navegador português num naufrágio no ano de 1542, sucederam seus dois herdeiros, ambos sob tutela da mãe, então Donatária. Ocorre que devido ao precoce falecimento dos filhos, estes não deixaram descendentes, cabendo a D. Isabel de Gambôa toda herança, todavia perdeu-se a linha sucessória de herdeiros diretos.
Meramente engano e falta de conhecimento da situação, correta demarcação do território foram as causas que introduziram a Capitania de Santo Amaro num longo litígio familiar. Esta posse das terras esteve cercada de muitas dissensões por parte dos pleiteantes da Capitania Santo-amarense e os legatários de Pero Lopes de Souza. As informações geográficas obtidas seriam tão incertas e confusas, que originaram demoradas demandas judiciais opondo os beneficiários de Martim Afonso e Pero Lopes. O arrastar-se deste litígio, que divergia a respeito da linha sucessória de herança, sua abrangência em relação às Capitanias, as demarcações de limites, distintas nomeações, de certo modo dificultou a prosperidade da Capitania de Santo Amaro de Guaíbe.
DETALHE PINTURA RETRATA PERO LOPES DE SOUZA - NAVEGADOR PORTUGUÊS [SÉCULO XVI].
 
A serviço de Portugal, Pero Lopes (acompanhado do Infante D. Luiz) capitaneou uma das caravelas da Armada de D. Antonio de Saldanha, que participaram com as frotas da Espanha e do Almirante genovês André Dória, na vitoriosa Expedição contra os muçulmanos em 1535.
Conforme descreve Varnhagen, "era de gênio altivo, caprichoso no mando e independente, e por isso algumas vezes foi desatencioso e menos estimado. Tinha bastante amor-próprio, talvez provenientes da sua juventude..." - Enfrentava de tal modo os perigos que a sua audácia passou à temeridade, ao colocar em risco a própria vida e de outros.
Foi um marinheiro experiente que habilmente emprendia manobras e pilotagem à frota. Com uma folha de serviços repleta de aventuras e vitórias neste ofício do mar. Além de qualidades marinheiras tinha particulares aptidões como militar.
Nomeado Capitão-mor de uma Esquadra de seis navios, o navegador zarpou de Lisboa em Março de 1539, rumo a Índia (chega à Goa no mês de Setembro) em auxílio de Carlos V e sua Expedição punitiva à Tunis.
[Brasão de Pero Lopes de Souza - Navegador português]
 
Escreve o pesquisador José Virgílio Amaro Pissara, do site 'Navegações Portuguesas', sobre este acontecimento:
"(...)Foi implacável no aprestamento dos navios para a torna-viagem, como de resto era exigido (e raras vezes cumprido) a todos os capitães da Carreira, chegando a mandar borda fora fato, mercadorias e mesmo alguns escravos, atitude que lhe valeu o ódio dos portugueses da Índia. Gaspar Correia chamou-lhe tirano e foi ao ponto de afirmar que sua morte por naufrágio, pese embora tanto zelo, fora castigo de Deus, mesmo admitindo o preço da vida de seus companheiros..."
Na viagem de retorno, 1542, Pero Lopes de Souza naufragou com a nau "Esperança" (galega), perto da Ilha de São Lourenço (atual Madagáscar), no Oceano Índico, e seu corpo jamais seria encontrado.