__________ Itapema, suas histórias... __________

domingo, 21 de agosto de 2011

A MARGEM ESQUERDA TEM NOME

A DITA MARGEM ESQUERDA NO ESTUÁRIO DO PORTO [ANOS 70] - ITAPEMA/SP.

Do ponto de vista sócio-econômico, Itapema durante muito tempo figurou geograficamente como "cidade-dormitório" (tese contestável), apêndice da cidade de Santos ainda que nos limites de Guaibê. Na metade dos anos 60 era considerada pelos geógrafos da USP, área urbana santista, extravasamento da grande Santos. Um pouco talvez, por estas terras da Ilha de Santo Amaro e adjacências estarem  ligadas administrativamente ao município vizinho.
Matéria publicada numa Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 1914, em 'A Tribuna' ilustra bem tal condição. O jornal santista notificou as melhorias no bairro da Bocaina, após visita do Prefeito. Estavam previstos reparos em pontilhões, fornecimento de água, iluminação, transporte. Como era de se esperar, muitas das tais promessas não foram levadas a termo.

Blaise Cendrars escreve num poema de viagem, por volta dos anos 20, [a da esquerda] "desolada pantanosa repleta de palmeiras espinhosas..."

A verdade é que crescemos e o cenário modificou-se, a margem esquerda possui identidade própria, tem nome. Itapema não constitui mais área marginal à administração santense, como preconizavam os estudiosos. Mas, há aqui inúmeras referências ligadas à história santista e os lugares deste chão.
VISTA PANORÂMICA DE ITAPEMA/SP [AO FUNDO] ÀS MARGENS DA ILHA DE SANTO AMARO, NO ESTUÁRIO [MEADOS DA DÉCADA DE 1910].

Uma delas é o bairro Enguaguassú, banhado pelo lagamar homônimo, que compreende a Av. Presidente Castelo Branco à Rua Bartolomeu de Gusmão (santista conhecido como "Padre-voador"). Região remanescente do antigo bairro da Bocaina.
RUA BARTOLOMEU DE GUSMÃO - JARDIM ENGUAGUASSÚ - ITAPEMA/SP [2011].




O pintor Benedito Calixto retrata em um dos seus quadros o lagamar de Enguaguaçu [década de 1920], ao fundo ITAPEMA/SP.

Enguaguaçu é a antiga denominação do povoado embrionário da Vila de Santos. Nome dado pelos indígenas Guaianazes, composto pelo substantivo ENGUÁ e adjetivo GUASSÚ que quer dizer, pilão grande. Ainda alguns historiadores, buscando noutras interpretações do tupi-guarani, julgam tratar-se de corruptela de HE-N-GUAÃ-GUAÇU ("enseada maior", "grande").
Francisco Nunes Cubas, Capitão-mor do Forte de Itapema e sobrinho de Brás Cubas (fundador da Vila de Santos), possuía terras aqui compradas da família de Jorge Ferreira. [ao lado brasão dos Cubas]
Vejamos outras mais: Jardim Santense, originário do loteamento promovido pela City of Santos, Inprovements Co. (Companhia Santense) dos terrenos anexos às suas instalações no início do século XX.
RUA VEREADOR WALTER GONÇALVES - JARDIM SANTENSE [NA REGIÃO DO ANTIGO LOTEAMENTO DA CITY OF SANTOS, INPROVEMENTS Co.].

Há uma menção ao Clube Internacional de Regatas, "O Gigante do Itapema" (que manteve dependências por aqui até 1937), como clube do Pai Cará, no 'Almanaque da Baixada Santista', de 1973, pág 172. Em função de uma outra gleba, desta feita por intermédio da Família Backheuser que chamava-se Vila Pai Cará. Outra agremiação santense, o Clube de Regatas Santista (fundado em 1893) com sede por estas bandas, promovendo atividades esportivas e sociais, somente deixou a Bocaina em 1943.
DEPENDÊNCIAS DO CLUBE INTERNACIONAL DE REGATAS EM ITAPEMA/SP [MEADOS DA DÉCADA DE 1910].
 NESTA PANORÂMICA DE ITAPEMA/SP, NOTAMOS À ESQUERDA DO FORTE AS INSTALAÇÕES DO CLUBE DE REGATAS SANTISTA.
R. HENCHI MATSUMOTO - ITAPEMA/SP [ANTIGA REGIÃO DA VILA PAI CARÁ, LOTEAMENTO PROMOVIDO PELA FAMÍLIA BACKHEUSER].

Não pára por aí... Havia um projeto do urbanista Prestes Maia (Plano Regional de Santos, 1950) que indicava a construção de novas instalações portuárias na ILha de Santo Amaro. E também, a edificação da cidade 'Nova Santos', onde hoje é Itapema. Seria um conglomerado urbano para acomodar os trabalhadores do porto e algumas indústrias que seriam instaladas aqui. Desta idéia restou apenas uma panificadora com este nome no cruzamento da Via Santos Dumont e a Rua Joana de Menezes Faro.
PLANTA DE PRESTES MAIA [1950] COM AS INSTALAÇÕES DA NOVA CIDADE NA MARGEM ESQUERDA [ITAPEMA/SP].






Daí em fins de 1953, coincidentemente batizarem o novo distrito com o nome do "Poeta do Mar", Vicente de Carvalho.
A mais célebre, eu diria, o bairro Pae Cará, área de bananal pertinente ao condomínio 'Pai Cará, Sociedade Civil', que já vinha sendo invadida gradativamente pelo operariado santense. Ganhou proporção com o deslizamento dos morros santistas no ano de 56 em razão da estação chuvosa.
VISTA AÉREA DO BAIRRO PAE CARÁ, NO DISTRITO DE VICENTE DE CARVALHO [ITAPEMA/SP].

Bairro Monteiro da Cruz, loteamento pertencente à família de Antonio Monteiro da Cruz, sócio do Clube Internacional de Regatas. Sendo sua principal rua a Júlio Pedro Pontes, que era sócio da agremiação.
Os Backheuser (Rua Guilherme Backheuser), cujos membros da família participavam da Associação Comercial de Santos, desde Dezembro de 1870. Donos de firma com  negócios no Porto, 'Gustavo Backheuser, F. Silva & Cia.', no final do século XIX. Gustavo Backheuser participou em 22 de Dezembro de 1870 da Diretoria Provisória que fundou a ACS e Luiz G. Backheuser, membro. Tendo um ancestral deles, Júlio Backheuser empreendido esforços na região para a campanha abolicionista.
RUA GUILHERME BACKHEUSER - PAE CARÁ - ITAPEMA/SP [2011].

Ou ainda, logradouros com nomes de santistas ilustres: R. José Bonifácio, R. Martins Fontes, Rua Esmeraldo Tarquínio e Rua Engº Silvio Fernandes Lopes, ex-prefeitos de Santos.
RUA JOSÉ BONIFÁCIO - JD. ENGUAGUASSÚ - ITAPEMA/SP. 
R. SILVIO FERNANDES LOPES - PAE CARÁ - ITAPEMA/SP [2011].
À ESQUERDA ITAPEMA/SP.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

GERALDO FERRAZ na Ilhaverde

TRECHO EM ITAPEMA-SP DA ROD. CÔNEGO DOMENICO RANGONI/SP-55[ANTIGA PIAÇAGUERA].

Geraldo Ferraz cruzava a Rodovia Piaçaguera (Km 2 - Leste), viu de relance a margem direita além. O sol a banhar a face noroeste da Ilha de Santo Amaro, pros lados da Bocaina... Emergiu-lhe um pensamento.
"(...)Certo arranjo fantasista indetermina tudo, e é esse mesmo concerto a relacionar homens e acidentes, possibilidades suspeitas remansosas..." [ao lado Geraldo Ferraz numa caricatura de Dino]
Eis ali na profusão de barracos, tomando os restos da Restinga itapemense, outra "Cordilheira" a abrigar Doramundos... De gente pobre. Seus limites nos levam a pobreza no fim da rua, o cemitério. Em que um passo é também o despenhadeiro.
Atravessa os estreitos daquela Guaru-ya caiçara. Agrada-lhe a fresca salsugem sobre a Enseada, ao longo da Miguel Stéfano... Por fim chega à Rua dos Coqueiros 396, na Praia do Pernambuco. A casa de tijolos à vista refulge na luz da tarde guarujaína. Acontecia ao apresentar a residência às visitas reconstituir os detalhes que fizeram a construção. 
"- Gostamos demais do projeto. Gregori Warchavchik foi muito generoso permitindo o gosto pessoal de Wega, utilizando material de demolição. Por isso seu estilo não está num estado puro, sendo ele o percursor dos cubos e ângulos retos de concreto. Contrário aos supérfluos ornamentais na construção." - Foi com comentários similares que ele inaugura na imprensa a crítica de Arquitetura. Assim como fazia criteriosamente para as Artes Plásticas e Literatura... Como esquecer a entrevista com o mestre arquiteto Le Corbusier, naquele distante ano de 1929 para o jornal 'Diário da Noite'?
Adentrou a casa imersa na música de Dolores Duran, enquanto Wega no mezanino imprimia "vermelhos oníricos às suas paisagens imaginárias".
"COM UM TOQUE TODO PESSOAL, GERALDO FERRAZ EXPLORA ATÉ OS LIMITES MÁXIMOS AS POSSIBILIDADES DAS PALAVRAS, NO PLANO FORMAL E NO CONTEÚDO."

Revistas, publicações diversas, livros, perfilados nas estantes, empilhados em armários davam a dimensão de sua trajetória. Familiarizado conseguia distinguir a lombada do seu romance mais notável, 'Doramundo', de 1957 e espremido entre outros tomos o primeiro livro 'A Famosa Revista', depois veio 'Guernica' sua incursão pela poesia...
Lá se iam muitos anos desde 1905, na infância em Campos Novos do Parapanema, interior de São Paulo. Não era mais o menino Benedito Geraldo Ferraz Gonçalves ávido pela leitura, mas canibal de idéias. Jornalista combativo. Ainda na década de 1920 fizera parte do Movimento Modernista junto com Oswald de Andrade, Raul Bopp, como Secretário da 'Revista  de Antropofagia'. Acompanhando de perto o desenrolar da Semana de 22 e a ação dos Modernistas. Em 1933 fundaria o jornal 'O Homem Livre', juntamente com Mário Pedrosa, Patrícia Galvão, Hilcar Leite e Edmond Moniz, voz opositora a Ação Integralista brasileira, ao nazismo e o fascismo.
Já entre os anos 40 participa do jornal 'A Vanguarda Socialista' e dirige a Agence France-Press. Exerce mais tarde jornalismo nos periódicos 'Folha da Noite', 'O Estado de São Paulo', 'A Tribuna de Santos', fundou e foi Secretário do 'Correio da Tarde'. [ao lado capa de outra publicação do autor sobre Arte Contemporânea]
O tec, tec, tec da Royal 10 faz contraponto rítmico com a música vinda do estéreo, dali a pouco batem levemente à porta do escritório. Deixaria para mais tarde o término do mais novo projeto, um livro de contos, 'Km 63'... Wega anuncia imodestamente seu talento culinário.
Após o jantar irrompia pela casa a voz expressiva de Geraldo Ferraz, além das escotilhas do mezanino. A gente da casa atenta ao derredor. Dum falar enigmático, qual a noite revelada aos poucos sob a luz das luminárias no jardim... Surpreendente e Maravilhosa!
"Tão abstrata é a idéia do teu ser
 Que me vem de te olhar, que, ao entreter
 Os meus olhos nos teus, perco-os de vista..." - O enteado Tão Gomes Pinto adorava o ressoar das palavras pelo alto "pé direito" da Ilhaverde. Ao amanhecer seria o típico domingo com o rebuliço dos artistas, escritores e suas conversas acaloradas sobre Arte. Como se existisse o ato contínuo da felicidade... Até que tudo aquilo estivesse somente então na memória de sua presença em 1979.




Depois da união das águas na praia, junto a Ilhota do Mar Casado, Geraldo adormeceu largando os óculos de sol num móvel da sala. [à esquerda GERALDO FERRAZ em bico de pena por Wega Nery]