__________ Itapema, suas histórias... __________

quarta-feira, 8 de março de 2017

ANA PARTEIRA DOS ITAPEMENSES

À ESQUERDA ANA FERNANDES DE FREITAS EM FAMÍLIA [ITAPEMA/SP] 1981.

Ana Fernandes de Freitas, escrito assim remete a um simples nome de mulher, porém Ana Parteira como passou a ser conhecida trouxe ao mundo pelas suas mãos, uns tantos itapemenses de nascimento. Residiu na Rua Itapema Nº 6, imediações da Estação das Barcas. Um chalé estilizado em alvenaria, com frontãozinho (à esquerda), de recorte arredondado ao estilo colonial, enfeitado ao centro por um azulejo amarelo de motivo caledoscópico, numa posição losangular, e eira em arco com cumeeiras plisadas, ostentando pequenos pináculos retorcidos no vértice das águas do telhado. Na parede frontal da área de entrada (à direita), pintura campestre em azulejos tendo moldura de gesso no maneirismo neo-clássico.
ANTIGA CASA DE D. ANA PARTEIRA NA RUA ITAPEMA Nº 6 IMEDIAÇÕES DA ESTAÇÃO DAS BARCAS [ITAPEMA/SP].

Ana Fernandes de Freitas foi a mais emblemática e querida das parteiras itapemenses, pois ganhou a dimensão mítica do lugar, como a figura contemplada por trazer à vida um outro seu ilhéu. Portuguesa, nascida na cidade do Porto, em 1900. Chegou ao Brasil, no ano de 1913. Fez curso de Farmácia e Enfermagem, pela Santa Casa da Misericórdia de Santos.
ANA FERNANDES DE FREITAS (A PRIMEIRA SENTADA À ESQUERDA), FORMANDA DO CURSO DE FARMÁCIA E ENFERMAGEM.

"Mãe Ana", chamavam carinhosamente a parteira itapemense. Ela que fez o parto de conhecidos moradores do antigo ITAPEMA/SP: Eliana Marques, Xaxá Lopes, Gentil da Silva Nunes, José Alfredo Simões de Souza, Carlos Roberto Moura de Lima, Irene Porto, Rita de Cássia, Jorge da Cruz, Wilma Porto, Sueli Simões de Souza, Pedro Paulo, Maria Cristina Moura de Lima dentre outros.
Recebeu como uma missão enviada pelos céus, veio-lhe num sonho, conhecia tudo do parto. Apanhava o rosário, punha o xale se preciso, saía mesmo chovendo, de madrugada. Não tinha dia, tão pouco hora. Bastava dar a dor de parir... A parturiente não se podia sentar à porta de casa, nem das comadres, de jeito maneira, pois poderia ter um parto difícil.
Nenê atravessado, sentado, era virar a criança de bunda na posição correta de nascer... A quem dissesse que era tomada de uma "coisa", que a transformava.
XILOGRAVURA REPRESENTA O MOMENTO ESPECIAL DA MULHER GRÁVIDA.

Quando a sogra de Osório Simões Souza, gritou da varandinha do chalé:
- Chega, Osório que Olga tá cum dor de menino!... - Morador do Bairro Pae-Cará pegou sua bicicleta e saiu pra buscar a parteira. As ruas eram de terra, desniveladas, buracos, o guidão trepidava muito, enquanto ele pedala ansioso. Pegou um trecho da Av. Santos Dumont, o leito um pouco melhor. Adiante uma voz vinda do lado da calçada lhe chamou a atenção:
- Onde vai nas carreras, homê?
- ...Olga vai dar à luz! - Logo pedalava pela Avenida Thiago Ferreira. Tivera dificuldade com a tabuada na escola, mas aprendera multiplicar, somar ao seu coração o afeto de sua prole. E que pudessem crescer felizes.
Chega então à casa de D. Ana Parteira na Rua Itapema, alvoroçado:
- Vai nascer, Dona Ana!... - Um breve instante e lá vinha ela já reclamando baixo das primeiras dores naqueles joelhos, a resmungar das coisas cotidianas. Meio que de sobreaviso.
- Se acalme, fiu...
- As dores aumentaram agora. Deixei Olga em casa com as muié.
- E como é que a gente vai?
- De bicicleta. Tô sem dinheiro pra pagar um carro, Mãe Ana.
- Nem carroça... Ai, minha Nossa Senhora das Graças!
- O pae cará não é longe..." - Ela entra para apanhar apetrechos, retornado logo.
- Espero que a cria não teja com pressa de chegar a esse mundo. - Ana Parteira se senta na garupa da Monark e simbora pro Pae-Cará.
- Toma cuidado, hein... - E toca a pedalar depressa, pois Olga espera sem muito puder.
ILUSTRAÇÃO EM AQUARELA DA HORA DO PARTO.

Sua chegada provocava um certo conforto. Indica alguns preparos, recomendações. Daí fazia suas preces. Evocava a memória de parteiras do passado para obter sucesso. Ela aí ajeitava a criança se necessário. E a encaixava no nascedouro...
- Faz força! Força... Vamos!! - Ana Parteira insistia.
- Ui, ui, ajuda sua mãe... Oh, virgem santaaa... - Aos gritos avexados da parturiente.
- Isso... Tá vindo, bora mulé... - A parteira mais suada que pano de cuscuz.
- Ai... Ai... Meu pai!... Eu não guento...
- Toma fôlego, criatura. Vai, empurra... Falta pouco. - Com leves sacudidas do corpo e massagens, Ana Parteira fazia despertar o bebê, num vagido encantador de alívio.
Assim nasceu Osório Simões Souza Filho como tantos mais, mulheres e homens desta cidade.
XILOGRAVURA RETRATA CENA DE PARTO [SALVATORE LOFREA].

Diziam que era um dom receber aquelas vidas nas mãos. Conhecia de ervas para o banho de assento. Orientava como dar de mamar à criança, cuidar do umbigo, que  o rato não levasse pra não virar ladrão. O conselho dado, de agora em diante não coma nem beba coisa amargosa pra não amargar o leite da criança e dar dor de barriga no nenê.
Sempre queriam dar-lhe uma prenda, tão agradecidos. Que fosse um bolo, uma comida, então prestar um favor. Ao modo dos costumes do interior do Brasil, que se ofertam as parteiras com tenras galinhas, gordos leitões etc, gratos pela boa-hora.
À ESQUERDA ANA PARTEIRA FERNANDES DE FREITAS E O MARIDO ANTONIO MIGUEL DOS SANTOS NO CASAMENTO DA FILHA NÉCIA COM JOÃO MIGUEL [ITAPEMA/SP].

Tal seu carisma, por vezes fazia batizados, as chamadas "crismas", cujo ritual é pular a fogueira pela mão da Madrinha, nos festejos juninos.
Ana Parteira foi muito solicitada. Depois veio a idade, os doutores médicos, e aposentou-se. Era proprietária da Farmácia "Nossa Senhora do Carmo", na Rua Itapema ("Pontão das Barcas"), que teria sido a primeira farmácia do Distrito itapemense.
Tendo falecido Ana Parteira Fernandes de Freitas, em 1988, muitos nascidos pelas suas  benditas mãos compareceram ao enterro, no Cemitério Distrital da Consolação, para homenageá-la.

[Entrada Hospital da Mulher e Maternidade 'Ana Parteira' - Bairro Pae Cará.]


Lamentavelmente, Ana Parteira teve o nome e memória vilipendiados pelos desmandos administrativos da madrasta Sede Balneária, cuja prepotência desativou a Maternidade em ITAPEMA/SP, batizada com seu nome, reconhecimento do seu trabalho no Distrito. Gestantes e seus bebês enxotados arrevelia do prédio, por um então Secretário de Saúde, que arroga ter diploma de Medicina e exercer sem riscos a profissão de Médico. Da Maternidade Ana Parteira os equipamentos parte sucateados, o material de trabalho disposto ao bel-prazer ou utilizado para as ações de governo demagógicas na própria Sede, no caso em especial comandado, acredite, por uma mulher. Obrigando as mulheres de ITAPEMA/SP a um deslocamento desnecessário de quilômetros para dar à luz aos seus filhos, do outro lado da Ilha de Santo Amaro.
Querendo subtrair e anular, como é seu vezo, a identidade primeva do Distrito, furtamente apropriando-se dos valores de ITAPEMA/SP.              

Um comentário:

  1. Bom dia ! com tristeza lamento desativarem o Hospital Ana Parteira.
    Com alegria e emoção, leio a historia de quando vim ao mundo(td bate como saudosa mamãe Olga contava.
    muito obrigado .
    Osório Simões de Souza Filho.

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