ESTAÇÃO DAS BARCAS EM ITAPEMA/SP.
Itapema, já tarde em Maio de 1932.
Em teu singelo brasão incrustado
À guarda de dois peixes quiméricos,
Marinho esplendor da Vieira-rainha
Transpõe o ser os umbrais do duo tempo:
Eis a gare de incertos destinos vãos!
Visagem remota prosopopéica,
Episódio por nós desconhecido...
BUSTO DE SANTOS=DUMONT NA BASE AÉREA [ITAPEMA/SP].
Tendo singrado no vapor Paquetá
A falsa quietude das águas turvas
Desembarca aqui na vila humilde,
Onde lamacento espraia o Guaibê,
Um abatido inventor visionário
Que nos desvendara os mistérios do céu
Pondo na moderna realidade
A imaginação de Julio Verne.
Fantasia que o Homem só sonhara
Mas, sem querer dera asas a vilania.
VISTA AÉREA DO FORTE DE ITAPEMA/SP, AO FUNDO O DISTRITO.
Urge seu sinal a Maria-Fumaça
Chamando ao metálico Aqueronte.
Ladram famélicos os cães inquietos,
Um vozerio matuto sobre o largo -
Adiante rumo à travessia!
Sob o ocaso constitucionalista
A lancetar sangrenta os ares rubros
Ergue-se a torre do Forte do Pinhão,
Triste glória de breves armistícios
Cessos às ruínas dum monumento...
Assim consulta pois tua consciência,
O breu da noite paulista se anuncia.
A BALDWIN CRUZA O CHÃO ITAPEMENSE.
Logo rangeu a locomotiva seus vagões
Neste caminho sem volta do Itapema...
Repentinamente pétrea teve a face,
O coração opresso ao busto escrínio
Em uma tão gélida e imóvel efígie,
Quando deparou com a velha mangueira
Ali impassível à beira da jornada.
Cuja lenda assim relatavam sombrios
Uns pasmos molecotes carregadores -
Nela pendera um amoroso enforcado!
AV. SANTOS DUMONT, NO DISTRITO DE VICENTE DE CARVALHO [ITAPEMA/SP].
Via Santos=Dumont aquela que lhe seria
Póstuma via revestida pelo asfalto,
"Na vargem grande cobiçada" estirar-se.
Ficam chalés, meandros entre os bambuzais,
Pátrios bananais suas folhas desfraldadas,
Voa dali fugidio o Tié encarnado
E a Suinã floresce antecipando o inverno.
Tudo passa além disperso no olhar baço
Por mais que procure beleza distinta,
Pouco há à margem esquerda da vida.
PANORÂMICA DE ITAPEMA/SP.
Sábio foi o poeta viajor ao deslindar:
"(...)desolada pantanosa repleta
de palmeiras espinhosas..." - Vê Cendrars?
Porquanto, ela caiba nesses olhares
Com estranha agudez melancólica.
A MARIA-FUMAÇA CORTA O ESTREITO ENTRE O MORRO DA GLÓRIA E SANTO AMARO.
Porém, sem muita demora por ironia
Pois nosso fadário sempre nos alcança,
A Baldwin penetra a garganta da Glória.
Estonteante paraíso vislumbrava:
Hélas, Guaru-ya! Indefinível Tupi.
Mimosa maquete, joguete de armar...
Paralipse que da régua transmutou-te
Geórgicas hipotenusas ianques,
Vértices borcos à sombra dos jerivás.
Balneário de tolos extravagantes,
Reino soberbo da excelsa profundura
Onde o belo se confunde com lindeza.
A ESTÂNCIA BALNEÁRIA NA ILHA DE SANTO AMARO, POR BENEDITO CALIXTO.
Benvindo aqui jaz belle époque caiçara!
Ouve, harpejam inconsoláveis sereias.
Como a ti querem um tanto só consolar
Na fátua ardentia salina do Atlântico...
A leste do Éden podes enfim descansar.
ÍCARO DE SAINT-CLOUD HOMENAGEM DOS FRANCESES AOS FEITOS DE SANTOS=DUMONT.
Inspira a brisa morna vinda da orla
Em pélagos tormentosos se aprofunda,
Persegue-lhe renitente fedentina.
Nosso Ícaro demais bem sucedido
Porém, cuja alma pez desejava voar
"(...)no vácuo obscuro, em limbos de trevas..."
O céu, este zênite oceano do ar
E vencer o vazio do próprio abismo.
O 14-BIS ALÇA VÔO NO CAMPO DE BAGATELLE.
Por um Dédalo divinal inspirado
Que confia somente a Dumont outro feito,
Maquina ele alcançar distantes estrelas
Saído do baixo chão, da terra fria:
"- As coisas são mais belas vistas do alto
tendo à frente senão meu objetivo."
Qual se nisso lançasse os dados da vida
Sobre o pano bleu deste infinito.
O TRADICIONAL PASSEIO DE CHARRETE PELAS PRAIAS DO BALNEÁRIO.
Tristonhas meditações pelas alamedas
Nesta inglória luta a repelir vil fantasma
Daquele trágico sortilégio materno.
Ao sabor das vagas constantes nos rochedos,
Dos passos vacilantes que somem na praia,
Também as pitangas espargidas nos galhos
Sugerem-lhe ser púrpuras gotas de sangue.
Hiato lírico dum coração combalido
Em meio à trincheiras cavadas por sepulcros,
Feito seu invento anjo sinistro da guerra...
Naquele trajeto ermo do charreteiro
Tomou das rédeas o seu célere destino
A conduzir Pégaso num vôo celestial.
CARTA ABERTA DE SANTOS=DUMONT AOS PAULISTAS DURANTE A REVOLUÇÃO DE 1932.
Era um pássaro a arrastar suas asas no chão,
Só enxerga fealdade aos rés deste mundo
Mesmo que a natureza venha lhe colorir
Essas tão belas e generosas marinhas.
"Ilhaverde" de hipnotizante arrebol,
Cenário equívoco de ilusão absoluta!
Paisagem da experiência desumana
Somente ao nosso herói não cegava as chagas,
Quando o cego tem as retinas eclipsadas
Em ocultar a si particular mentira...
À DIREITA SANTOS=DUMONT E AMIGOS NA ESTÂNCIA BALNEÁRIA.
A eternidade, moribundos transeuntes
Ainda que prenuncie tal termo na véspera,
Numa longa noite insólita sem aurora
E repetição constante dum crepúsculo,
Póstera não dura mais que um breve dia.
JORNAIS NOTICIAM O PASSAMENTO DE SANTOS=DUMONT.
Então... Sábado, 23 de Julho
De 1932.
Enquanto as Portulacas desabrocham
Despertas pelo sol tépido invernal
Nesta fantástica Icária tropical,
Precipício deste vôo malogrado...
Com aquele tenso nó na garganta,
E duma gravata que lhe sufoca
Um travoso santo gosto amaro -
"Sois heureux, envole-toi dans les airs."
O CORPO DE SANTOS=DUMONT SEGUE DAQUI NO EMBLEMÁTICO CARRO FUNERÁRIO.
Linda Guarujá, mórbida guarida!
Estância de virtudes, belos vícios.
Pérola preciosa a embelezar suínos,
Cartão-postal deste último instante:
Foste propícia pousada ao suicídio.
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