__________ Itapema, suas histórias... __________

domingo, 28 de março de 2021

O Dragão Alado da ILHA DE SANTO AMARO

O DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO [ITAPEMA/SP EM SUA ASA] - BAIXADA PAULISTA.

Enquanto formação de áreas geológicas pode-se distinguir no Estado de São Paulo, um embasamento cristalino de idade pré-Devoniana, constituído superficialmente, em parte menor por gravitos e, em parte maior, por duras rochas metamórficas. Estas se dispõem em camadas, via de regra intensamente dobradas. As charneiras das dobras têm, em geral, direção de NE para SO, isto é, paralela à costa. Por ordem decrescente de abundância em nosso Estado, assim se dispõe:
a) Gnaisses, xistos e filitos aflorando em extensões entre si comparáveis.
b) Quartzitos.
c) Calcários.
d) Outras rochas.
ROCHAS COMPONENTES DO EMBASSAMENTO CRISTALINO DA SERRA DO MAR E ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA.
 
No Estado de São Paulo os quartzitos são comuns, embora mais escassos quando comparados com as rochas do primeiro grupo. Os calcários, por sua vez, são abundantes apenas na Bacia do Ribeira e adjacências. Alhures seus afloramentos são insignificantes, pelo menos se comparados com as demais rochas dos grupos anteriores. - Conforme descreve José Carlos Rodrigues, em "As Bases Geológicas", A Baixada Santista, Aspectos Geográficos, Volume I (1965).
Durante o Triássico, a deposição sedimentar sofreu invasão de magma basáltico, que se esparramou à superfície, gerando derrames de basalto, ou intrometeu-se entre os sedimentos profundos, neles criando "Sills", diques ou outras massas de diabásio.
ROCHAS METAMÓRFICAS COMPONENTES DO EMBASAMENTO CRISTALINO DA SERRA DO MAR E ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA. 

Composta de cobertura sedimentar litorânea, de idade cenozóica, também constituída por sedimentos não-litificados, com grãos soltos ou frouxamente ligados entre si (areias, siltes, argilas e suas misturas, principalmente). O trecho da Baixada Paulista (de Mongaguá à Bertioga) apresenta uma base geológica muito simples:
a) O embasamento cristalino, com duras rochas, relevo quase sempre muito acidentado, e coberto por um manto residual devido ao intemperismo (regolito). Suas rochas são as já citadas, com aparente predomínio dos Gnaisses. Além delas ocorre migmatitos, rochas metamórficas invadidas por emanações de magmas graníticos. São intermediárias entre aquelas e estas.
b) A cobertura sedimentar cenozóica, que por comparação, podemos classificar os solos da Baixada Litorânea Paulista da seguinte forma:
1) sedimentação marinha: praias e restingas.
2) sedimentação intermediária: manguezais, bancos de lodo e areia (recentes e antigos), mangrovitos.
3) sedimentação terrígena: aluviões terrestres, dunas eólicas.
As restingas proviriam de cordões litorâneos ou de restingas propriamente ditas ("Beach Ridges"). Mangrovitos seriam manguezais hoje acima do nível do mar.
A REGIÃO CENTRAL DA BAIXADA PAULISTA E PARTE DO SEU RELEVO [DEBRET].

Daí a dualidade do relevo da Baixada Paulista, acidentado nos trechos correspondentes ao embasamento, plano nas áreas de sedimentação. Afloramentos do embasamento, além da linha de Costa, geram numerosas ilhas.
As rochas e os desdobramentos de suas camadas são muito antigos. A excessiva inclinação das escarpas do relevo e a ausência de capturas sugerem todavia falhas recentes (RUELLAN, 1944), que teriam movimentado verticalmente blocos ou maciços, erigindo uma base sobre a qual se esculpiu o presente relevo.
Decorrente dessa atividade geológica colossal, através de eras, o Dragão Alado da Ilha de Santo Amaro ergueu-se sobre o mar atlântico, no Litoral Paulista, seus contornos facilmente definíveis: a grande asa, a tortuosa cauda, a cabeça poderosa.
A história geológica da Ilha Santoamarense, berço de ITAPEMA/SP, com seus 138 Km quadrados insulares, cerca de 73 Km à leste da Capital de São Paulo, remonta ao período Quaternário, durante a transgressão flandriana.
MAPA ANTIGO DA REGIÃO LITORÂNEA PAULISTA ESBOÇA O CONTORNO INSULAR EM FORMA DE DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO - 1631 [JOÃO T. ALBERNAZ].

Foi há cinco mil e duzentos anos, que a Ilha de Guaimbê (para os nativos originários) começou a ter a conformação atual, semelhante a um Dragão Alado. Antes existia apenas um arquipélago formado por uma grande ilha alongada - com uma bifurcação em uma das extremidades - e várias ilhotas, observando-a de sua face leste. A imaginação sempre nos leva a identificar um réptil, no corpo da Ilha, estirado ao sol.
O processo iniciado há cinco milênios, por intermédio do qual o mar, em seu movimento incessante, uniu várias ilhas rochosas da região, acabou por transformar-se em um enorme Dragão Alado.
Cinco mil e duzentos anos atrás não existiam as praias atuais. O Morro da Península estava desgarrado. A deposição de areia do mar entre eles formou não só as praias, como também, constituiu o elo de ligação entre os inúmeros fragmentos geográficos. Então, a grande asa do dragão estendeu-se do Morro da Península às fraldas da Serra de Santo Amaro. Do seu extenso ventre nasceu a união das Ilhas do Mar Casado e as terras firmes onde se depositaram as areias da Praia de Pernambuco.
A EVOLUÇÃO GEOLÓGICA DA ILHA DE SANTO AMARO - GÊNESE DO SEU DRAGÃO ALADO [LITORAL PAULISTA].

Os diversos processos dessa metamorfose tornaram-se possíveis pela docilidade do Atlântico nessas paragens. Um hidrodinamismo de menor energia, que faz com que a mesma água que deposita o material sólido, não tenha forças para retirá-lo, um capricho da natureza, voltado para a conformação da Ilha do Sol. De sua orla atlântica surgiriam as praias: Prainha Branca, Preta, Camburi, Pinheiros, Iporanga, Praia Grande, Perequê-mirim, Pernambuco, Tucuruçutuba, da Enseada de Santo Amaro, das Tartarugas, Pitangueiras, Astúrias, do Tombo, do Bueno, Monduba ou Munduba, de Guaiúba, do Côncavo, de Santa Cruz dos Navegantes, do Góes, Quarta-Dura, Cheia Lima e Sangava. 
Maciços rochosos, sob a ação das intempéries, se transformam em terra, que fica a cobri-los formando o manto residual, também chamado regolito. Em regiões íngrimes, sob a ação da gravidade o manto desce lentamente, é o chamado rastejo. A morraria do embasamento criatalino, sempre muito acidentada. Os gnaisses, mais resistentes à erosão, ficaram em relevo, formando as saliências do terreno. Formado por uma planície sedimentar, originalmente cenozóide, portanto de origem recente, onde predominam as areias e as argilas. Essa cobertura sedimentar assenta-se sobre o embasamento cristalino, que aflora sob a forma de elevações que apresentam altitude média de 130 a 160 metros, chegando ao seu máximo no Morro do Pitiú. Além desse, podemos citar os seguintes morros: Serra de Santo Amaro, do Guararu, Morro do Itapema, do Leme (ou do Careca), Morro Magdatá, do Camburi, da Glória, do Macaco, Piavu, do Botelho, Piquiu, Icanhema, da Barra, Limões, Outeiro, Costão das Tartarugas, do Vigia, do Maluf, da Campina, do Pernambuco, Munduba e Morro do Pinto.
O SINGULAR DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA [DÉCADA DE 1920].

A hidrografia composta por gamboas (braços de mar de água salobra, com fluxo e refluxo decorrente das marés, mais a água das chuvas) e diversos cursos d'água que surgem em elevações dirigindo-se para o Estuário do Porto, Canal de Bertioga, ou para o Oceano Atlântico: Rio Santo Amaro de Guaibê, Rio Acaraú, Rio da Pouca Saúde (Gamboa do Juca), Icanhema, Rio do Meio, Crumaú, Marataná, Rio dos Patos, Volta Grande, Emboava, Perequê do Peixe, São José, Rio Caipira, Boca do Rio, Tanto como algumas quedas d'água: Cachoeira do Iporanga, do Perequê, do Funil e Cachoeirinha.
A geomorfologia  da Ilha de Santo Amaro propiciou a formação de outras características geográficas, como as chamadas Pontas (porções do relevo que avançam para o mar): Ponta da Armação, do Perequê, do Porto, Ponta das Andorinhas, de Santo Amaro, das Astúrias, das Galhetas, do Munduba ou Batalhão, Ponta Rosa, Ponta Grossa, da Barra, do Piraquara, da Fortaleza. Ou ainda, Sacos (pequenos golfos): Saco da Embira, do Funil, do Major, do Canavieira, Saco do Piraquara, do Batalhão, das Baleias, das Galhetinhas e do Pinto.
IMAGEM DIGITALIZADA VIA SATÉLITE DO DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA. 

Sendo a terceira maior ilha do Estado de São Paulo, com 14 mil hectares. Somente superada pela Ilha de Cananéia, de 22.500 hectares, e a Ilha do Cardoso, que tem 20 mil hectares. - Segundo informações publicadas no livro 'Pérola ao Sol', de Mônica B. Damasceno e Paulo Mota.
Quando do processo de transformação geológica, nem todos os afloramentos rochosos agregaram-se ao seu corpo para formar o grande Dragão, alguns continuaram desgarrados. As cercanias da Ilha de Santo Amaro possui a segunda maior concentração de Ilhas em todo o Estado de São Paulo. São 14 ilhas menores (Ilhotas): Ilha do Guará, da Prainha, Ilha da Prainha Branca, dos Arvoredos, Ilha do Mar Casado, das Cabras, do Pombeva,  da Moela (onde fica o farol), Ilha da Aleluia, do Mato, Ilha do Pau a Pino, do Iporanga, do Perequê, do Guaiúba, Ilha da Lage, das Palmas.
A BAIXADA PAULISTA VISTA DO ESPAÇO COM DESTAQUE PARA O DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO.

Neste contexto geomorfológico em que formou-se a Ilha de Santo Amaro tanto como o relevo da Baixada Paulista, exerceu função primordial as estruturas geológicas da Serra do Mar.
Constituída, na região, por gigantesca muralha gnássica, com grande encaixe de xistos, dentro dos xistos encaixam-se, por sua vez, delgadas camadas de quartzito e calcário. A direção das camadas é paralela à costa. No alto da Serra, tais camadas mergulham para o mar (SE). Mais para baixo, mergulham para o continente (SW).
O relevo da Serra do Mar apresenta, na região, duas singularidades: a excessiva inclinação das escarpas e a curiosa forma em "pinças de caranguejo".
Pode-se explicá-la pela erosão diferencial (ALMEIDA, 1958). A erosão destruiu facilmente os xistos, neles se encaixando os vales dos dois rios - Mogi e Cubatão - paralelos entre si, mas de sentidos opostos. São rios "gêmeos". Devido os gnaisses serem resistentes à erosão, permaneceram em relevo, formando as elevações do terreno.
Pela ação das intempéries cobriu-lhes o manto residual. Se a escarpa da Serra do mar fosse plana e lisa como uma tábua, talvez todo o regolito já estivesse chegado à Baixada. A escarpa seria então constituída por rocha limpa como, em parte o é, nas escarpas dos morros da Praia de Itararé, em Santos. Irregularidades na superfície do maciço rochoso, entretanto, provocam acumulação em vários pontos das escarpas de grandes massas desse material de fraca consitência, em tráfego descendente, chamado coluvião. Ora são anfiteatros de boca estreita, ora mudanças no declive da escarpa.
ESQUEMA DA GEOLOGIA DA BAIXADA PAULISTA - LITORAL DE SÃO PAULO.

Nos morros da Baixada Paulista, sob um clima tão chuvoso (cerca de 2.200 mm/ano), como o da região do Litoral, as rochas do embasamento se decompõe intensamente. A terra resultante é levada para baixo pelas enxurradas ou pelo rastejo. Por isso, na Baixada Paulista, escarpas de rocha nua, isto é, com escasso ou nenhum manto residual, são muito comuns. Amplas áreas da morraria apresentam, todavia, cobertura terrosa espessa devida: à acumulação de coluviões ou à construção de várzeas por córrregos de suave declividade, que não conseguem cortar as duras rochas do seu leito. Como exemplo: a várzea do bairro Nova Sintra, no alto da morraria, tem área de muitos hectares.
Dentre as comunicações naturais com o planalto pela Serra do Mar, a curiosa forma em "pinças de caranguejo" oferece quatro passagens naturais entre São Paulo e o Litoral Paulista: vertente direita do Rio Cubatão, vertente esquerda do Rio Cubatão (chamada Serra do Cubatão), vertente esquerda do Rio Mogi (chamada Serra do Morrão), vertente direita do Rio Mogi (chamada Serra do Mogi).
CORTE ESQUEMÁTICO PERPENDICULAR À ESCARPA DA SERRA DO MAR REPRESENTA SEU PROCESSO GEOLÓGICO.
     
Especificando ainda mais a evolução geomorfológica, conforme Aziz Nacib Ab'Sáber analisa, os falhamentos modernos na região do Litoral Paulista. Muito embora ainda sejam precárias as provas geológicas da história tectônica moderna que deu origem à fachada atlântica costeira paulista, pode-se aventar a título de hipótese de trabalho, uma seriação provisória dos acontecimentos tectônicos e fisiográficos desenrolados na região da Baixada Paulista:
"(...)Há algum tempo, em poucas frases fizemos ver que a "vertente atlântica de São Paulo constitui uma espécie de província geomórfica e paleogeográfica sobremaneira à parte no conjunto do território paulista", representando um dos campos mais complexos de interferências de progressos geológicos (tectônicos, eustáticos e erosivos) na história do relêvo do Brasil Sudeste. Dizíamos ainda, que aquela foi, certamente, a última área de relêvo e drenagem a se definir no edifício topográfico e tectônico do Estado, possuindo uma evolução geomorfológica inteiramente posterior ao cretáceo, e estando relacionada fundamentalmente ao tectonismo que fragmentou a porção sul-oriental do Escudo Brasileiro..."
ILUSTRAÇÃO DO CENÁRIO GEOLÓGICO DO PLANALTO PIRATININGA, SEUS MEANDROS FLUVIAIS E A ESCARPA DA SERRA DO MAR - LITORAL PAULISTA.
VIA SATÉLITE DISTINGUI-SE O RELEVO DA SERRA DO MAR E AS CIDADES ASSENTADAS NAS FORMAÇÕES GEOLÓGICAS DA BAIXADA PAULISTA. 

Tudo leva a crer que, por volta do cretáceo e no decorrer do paleogeno, processaram-se falhamentos importantes pari passu com o surgimento epirogênico relativamente homogêneo, do núcleo sul-oriental do Escudo Brasileiro. Tais falhamentos aplicados à metade oriental de uma vasta abóbada de Escudo, copiaram as direções estruturais antigas dos gnaisses regionais (direção brasileira - NE-SW), tendo realizado um verdadeiro estilhaçamento tectônico dos blocos orientais, abatidos em rede complexa de falhamentos. No alinhamento principal de tais falhas restou o embrião da grande escarpa tectônica da chamada Serra do Mar, enquanto alguns blocos semi-isolados da área continental, mais ao Sul e mais ao Norte, teriam ficado em posição de horts engastados (área da futura Ilha de São Sebastião e bloco da Serra dos Itatins).
CARTOGRAFIA ANTIGA ASSINALA LOCALIDADES DO LITORAL PAULISTA. DESDE A ILHA DE SANTO AMARO À CANANÉIA - 1640 [JOÃO T. ALBERNAZ].

Os falhamentos atlânticos teriam se iniciado após, no mínimo, ao período de formação da  superfície dos altos campos e das superfícies das cristas médias. Não está ainda, fora de cogitação a hipótese de que os primeiros efeitos da tectônica quebrável, a leste do alinhamento atual da Serra do Mar, tenham se processado durante e após o soerguimento da superfície de Itapecerica-Cotia. De qualquer maneira, não é necessário que se conceba um conjunto de falhamentos rápidos e realizados em uma só fase tectônica, já que a existência de relevos poligênicos na porção continental do Estado, os quais certamente implicaram em falhas complexas no domínio oriental atlântico da velha abóbada regional do Escudo Brasileiro.
MAPA ILUSTRA LIMITES DA CAPITANIA DE SANTO AMARO E ASSINALA LOCALIDADES AO NORTE DO LITORAL PAULISTA. DESDE A ILHA SANTOAMARENSE ATÉ SÃO SEBASTIÃO.  

A partir da segunda metade do paleogeno, ou mesmo após o início do neogeno, quando as águas do Atlântico ainda deveriam estar bem longe da área atual da região do Litoral Paulista e quando a escarpa original da Serra do Mar era um alinhamento de escarpas que não poderia merecer o epiteto de Serra do mar, iniciaram-se aplainações que tenderam a reduzir irregularidades dos blocos abatidos, ali existentes. Acredita-se que a paisagem que antecedeu aos aplainamentos pioneiros da fachada atlântica, fosse de uma sucessão de blocos tectônicos baixos, que se iniciavam sob a forma de falhas geomorfológicamente contrárias, passando gradualmente a uma escadaria de blocos geomorfológicamente conformes. Somente tal arranjo complexo, porém, perfeitamente adequando à situação de um setor de abóboda de Escudo, poderia nos explicar a aparente oposição entre a grandiosidade da escarpa da Serra do Mar e a declividade suave da plataforma continental que lhe é contígua.
O RELEVO DIGITALIZADO DA ESCARPA DA SERRA DO MAR, SEUS MEANDROS FLUVIAIS, O VALE DE CUBATÃO E A PLANÍCIE DA BAIXADA PAULISTA.

As aplainações parciais que reduziram a energia do relevo tectônico inicial, situado a leste da Serra do Mar, devem ter se guiado pelos níveis de base atlânticos neogênicos, e por processos morforclimáticos certamente aparentados com a pediplanação. Isto nos explica porque o recuo das escarpas de falhas originais da Serra do Mar foi, por muito tempo homogêneo e paralelo as vertentes assimétricas iniciais dos falhamentos. Efeitos de pediplanação remotos, combinados com as direções estruturais arcaicas dos gnaisses resistentes e pouco diaclasados da frente da Serra do Mar, responderam pela disssecação relativamente pequena das escarpas de falhas e pelo recuo homogêneo das mesmas.
SEGMENTO ESCARPA DA SERRA DO MAR - BAIXADA PAULISTA.  

Tais aplainamentos orientais posteriores às primeiras grandes falhas (fase Serra do Mar I), teriam constituído um intervalo denudacional situado entre uma primeira  e uma segunda fases de deformações tectônicas, dominantemente quebráveis (a primeira de idade cretácico-eocênica ou paleogênica, e, a segunda, de idade post-aplainações neogênicas). Teria sido, esta segunda fase de deformações tectônicas (fase Serra do Mar II), que respondeu mais diretamente pela flexura continental derradeira, acompanhada de falhamentos complementares na plataforma. Com isto foi possível a aproximação relativa das águas atlânticas, na latitude da região da Baixada Paulista, em posição geográfica certamente aquém da zona atual dos sopés das escarpas de falhas principais.
Pode-se afiançar mesmo que, somente quando ia alto o Quaternário, é que o Atlântico pode estender lâminas de suas águas até os sopés das escarpas principais, e isto mesmo, através a ingressão em vales que foram talhados antes da última transgressão glácio-eustática.
TRECHO ESCARPA DA SERRA DO MAR VISTO DO ALTO. DISTINGUI-SE O TRAJETO DA ESTRADA VELHA DE SANTOS TANTO COMO TRILHA TURÍSTICA PELA ENCOSTA ATÉ CUBATÃO. 

A existência comprovada de superfícies de aplainamento modernas, nos altos dos maciços costeiros paulistas, à altitude de 220-300 m, constitui um fato geomorfológico de grande significação, até agora não avaliado em toda a sua extensão científica. Em primeiro lugar, a presença de tais aplainações na estreita vertente atlântica atual da Baixada Litorânea Paulista, implica em uma história fisiográfica de duração muito maior do que costumeiramente se pensava até décadas atrás. Para que tenha havido tempo necessário a todo desenvolvimento de uma aplainação, mais ou menos completa, após os primeiros grandes falhamentos da Serra do Mar (fase I), foi necessário muito tempo dentro do Terciário, envolvendo um tempo que pode ter se arrastado desde o Oligoceno até o Plioceno.
DO ALTO A ESCARPA DA SERRA DO MAR, O RIO DAS PEDRAS E LOGO ABAIXO O VALE DE CUBATÃO - BAIXADA PAULISTA.

Fernando de Almeida (1953), através de outro raciocínio, bem orientado, já atinara, aliás, com o problema desta antiguidade relativa da Serra do mar, e, por consequência, da antiguidade daquilo que estamos designando sob o nome genérico de vertente atlântica:
"A grandeza da bacia do ribeira é uma justa medida da antiguidade do processo que originou a Serra do Mar e dá bem a idéia de como é cronológicamente aparente a juventude por ela exibida alhures. A existência de fauna de mamíferos (AMEGHINO, 1907) e de moluscos (MAURY, 1935) pleistocênicos, nas partes baixas dessa bacia, remonta ao Terciário. Aliás, a idade paleocena (COUTO, 1949) da bacia de ângulo de falha (RUELLAN, 1944) de Itaboraí, fala-nos bem da antiguidade das deformações que originaram a Serra do Mar."
A COLOSSAL CONFORMAÇÃO GEOMORFOLÓGICA DA SERRA DO MAR COBERTA PELA VEGETAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA - LITORAL PAULISTA.
ASPECTO GEOGRÁFICO DA SERRA DO MAR - LITORAL PAULISTA.
UMA CACHOEIRA ESCORRE SOBRE O EMBASAMENTO CRISTALINO ENTRE A VEGETAÇÃO PELA ESCARPA DA SERRA DO MAR - LIMITES DE SANTOS/SP.

Em 1956, escrevia AB'SÁBER:
"Foi sobre blocos de falhas, relativamente irregulares dissecados moderadamente pelos primeiros cursos d'água da vertente atlântica, que veio a se estabelecer o primeiro ciclo de peneplanização (sic) parcial mais generalizado da região. Tal superfície é balizada, hoje, a nosso ver, pelos testemunhos do nível costeiro de 200-300 metros, já aludido, e o qual deve ter sido criado em algum período do cenozóico, com certeza pré-pliocênico (sic). Esse nível serviu de assoalho para as retomadas de erosão posteriores e foi o ponto inicial para uma série de interferências de processos geológicos e fisiográficos, ao término dos quais restaria esboçada a porção inferior costeira da fachada atlântica de São Paulo." - Parecer depois revisto quanto ao ciclo de peneplanização, assim como o aplainamento no período pré-pliocênico.
Após melhor compreensão, fica entendido que tanto na região da Baixada Paulista, como na área pré-Serra do Mar, no Paraná e em Santa Catarina, assim como na área pré-Serra do Mar Geral no Sul de Santa Catarina, os principais aplainamentos da vertente atlântica, foram feitos dos meados para os fins do Terciário, tendo sido afeiçoados em seus últimos episódios evolutivos, por processos típicos de pediplanação.
A posição das marcas do aplainamento em morros santistas, nos esporões baixos da Serra do Mar, na região de Cubatão, percebe-se que ali também foi a pedimentação que penetrou nos vales obsequentes e subsequentes da primitiva área de festonamento da Serra do Mar, na região.
VISTA PARCIAL DA BAIXADA PAULISTA À PARTIR DA SERRA DO MAR [ITUTINGA-PILÕES].

O fato de a área paulista de tais aplainações neogênicas ter sido muito reduzida e estreitada na região da Baixada Litorânea Paulista, ao contrário do que acontece em regiões situadas mais para o Sul, se deve a combinação de três grupos de fatores:
1) à maior resistência litológica da primitiva frente da escarpa de falha da Serra do Mar, a qual foi festonada (vincada/dobrada) de espaço a espaço, e teve seus esporões baixos seccionados pela pedimentação, mas não recuou muito em relação às linhas de falhas originais.
2) deformações tectônicas acentuadas por flexuras e reativação de falhas antigas, em conjunto responsáveis por uma incisiva flexura continental da vertente atlântica paulista após a formação da superfície de morros da Baixada Paulista.
3) dissecação fluvial alternada com fases rápidas de pedimentação pós-pliocênicas, e culminando com um notável e profundo encaixamento dos vales durante a regressão pré-flandriana.
POR SATÉLITE EXTENSÃO LITORAL SUL DE SÃO PAULO ÀS FRALDAS DA SERRA DO MAR.

Neste aspecto o entalhamento fluvial anterior à transgressão flandriana, a existência de vales na região do Litoral Paulista, como de resto em inumeráveis outros pontos da costa brasileira, foi uma das constatações já antigas de JOHN CASPER BRANNER (1915), em época muito anterior ao desenvolvimento dos estudos geomorfológicos, entre nós. Há quase meio século passado, dizia Branner:
"As baías do Rio de Janeiro, Bahia e Santos foram produzidas pela depressão abaixo do oceano de vales próximos à costa. Em Santos as extremidades superiores de muitos braços originais daquela baía foram aterrados pelos sedimentos provenientes da terra, lançados nêles." - Tais observações pioneiras, muito embora desligadas de considerações sobre acontecimentos geológicos e fisiográficos anteriores, são bastante aceitáveis no que diz respeito ao entalhamento dos vales e posterior afogamento dos mesmos pela ingressão do mar. Concluiu que os vales afogados que vislumbrou, fossem o resultado de uma depressão epirogênica da costa antiga.
VISTA DO ESPAÇO EXTENSÃO DO LITORAL NORTE PAULISTA EM QUE ACOMPANHA A SERRA DO MAR.

Todavia, os recursos introduzidos pela teoria gláucio-estática das variações do nível do mar no Quaternário demonstra consideráveis variações. Existem sérias evidências para demonstrar que a fachada atlântica do Litoral Paulista esteve sujeita dominantemente à epirogênese positiva por grandes espaços de tempo durante o Quaternário, o que favoreceu o entalhamento fluvial profundo da zona pré-Serra do Mar. A regressão pré flandriana teria acentuado a incisão ou re-incisão de tais vales pretéritos, preparando o esquema para a desarticulação e o insulamento dos baixos esporões outrora parcialmente vinculados à base da Serra do Mar.
Considera-se que os vales fluviais da zona pré-Serra do Mar, na região da Baixada Paulista, foram elaborados durante algumas fases úmidas do Quaternário regional, através de estímulos epirogênicos, e, reforçados em seu encaixamento por um novo e derradeiro estímulo de outra ordem, ou seja, pela interferência de um movimento eustático negativo, no caso, representado pela chamada regressão flandriana.
MAPA DIGITALIZADO REGIÃO CENTRAL DA BAIXADA PAULISTA. DESTACA-SE O DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO - LlITORAL DE SÃO PAULO.

Os intervalos secos do Quaternário na região, foram responsáveis por ligeiras fases de processos de pedimentação que favoreceram plainações laterais restritas, as quais contribuíram para estreitar e caracterizar os maciços de rochas mais resistentes, os quais, pouco depois, iriam ser insulados e transformados no páleo arquipélago de Santos-Santo Amaro (Ilha), durante a transgressão flandriana. Assim, se é que fases úmidas favoreciam as retomadas de erosão fluvial, de tipo marcadamente linear, bitolada pelos talvegues, as fases secas respondiam por alargamento dos vales e colos, através de processos de plainação laterais, que só se retinham ao encontrar os núcleos de migmatitos e rochas granitizadas mais resistentes e menos diaclasados dos maciços cristalinos dissecados da região. Foram alguns desses velhos pedimentos rochosos, dos flancos do maciço de Monte Serrate-Santa Terezinha e do maciço do Itaipú, que foram tomados erroneamente como sendo testemunhos de terraços de abrasão, por diversos autores. As sérias críticas feitas pelos geomorfologistas europeus aos seus colegas brasileiros, por ocasião do Congresso Internacional de Geografia (Rio/1956), a respeito de níveis marinhos, serviram para uma revisão completa das idéias até então imperantes a respeito desses falsos terraços de abrasão. Com os estudos de BIGARELLA, MARQUES e AB'SÁBER, na zona pré-Serra do Mar, no Paraná e em Santa Catarina, evidenciou-se de uma vez por todas que os antigos niveis costeiros, tomados como sendo resultantes de ações marinhas, nada mais eram do que pedimentos sucessivos embutidos e dissecados.
A  AÇÃO GEOMORFOLÓGICA PROMOVEU A CONFORMAÇÃO DA BAIXADA PAULISTA. À DIREITA ITAPEMA E DEMAIS CIDADES DA REGIÃO. AO FUNDO NOTA-SE A SERRA DO MAR.

Na região da Baixada Paulista, os vales que sofreram notável incisão durante a época da regressão pré-flandriana, já tinham sido esboçados em fases úmidas nos intervalos entre a formação dos níveis de pedimentação situados em torno das cotas de 60 e 25 m, o traçado primitivo da rede de vales regionais, por seu turno, era das mais complexas, devido tais flutuações climáticas, que ora favoreciam a erosão fluvial ora estimulavam o retorno de processos de pedimentação. Na realidade, os vales da zona pré-Serra do Mar, na região da Baixada Paulista, se guiavam então, por três ou quatro rumos estruturais, ligados a fatores inteiramente diferentes entre si. Alguns trechos dessa drenagem pré-flandriana da região, seguiam as direções estruturais antigas das rochas gnaissicas regionais (NE-SW), outros braços dos rios da área pré-Serra do Mar seccionavam os esporões baixos por epigênese e adaptação às diaclases ou feixes de diaclases transversais às direções estruturais antigas, enquanto outros setores de vales acompanhavam as linhas de falhas mais antigas da fase Serra do Mar I. Isto concedia à paleo-hidrografia regional, hoje afogada por depósitos marinhos, flúvio-marinhos e fluviais, um caráter de treliça apalachiana complexa, a qual como veremos, muito favoreceu a ingressão das águas flandrianas e a formação do paleo-arquipélago santista-vicentino.
A PLANÍCIE SEDIMENTAR DA BAIXADA PAULISTA TOMADA POR SEUS HABITANTES E ATIVIDADES. À ESQUERDA ITAPEMA NA ASA DO DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO.

A transgressão flandriana, fator geológico para a formação do páleo-arquipélago da Baixada Paulista, seria primordial na escala de eventos. Foi somente por ocasião do dito fenômeno que foi decretada a desarticulação e o insulamento dos núcleos extremos  dos baixos esporões cristalinos da área pré-Serra do Mar, na região de Santos-Santo Amaro (Ilha). Por esta razão mesma, a primeira e mais notável consequência fisiográfica da submersão dos vales e depressões da zona que precede a Serra do Mar, na região da Baixada Paulista, foi a criação imediata do páleo-arquipélago da região e de uma baía profunda, limitada por altos e irregulares esporões curtos da grande escarpa marginal. É de se lembrar que durante a regressão pré-flandriana o nível do mar deve ter estado de 80 a 100 metros abaixo do seu nível atual, enquanto que durante o máximo desta última grande fase de submersão gláucio-eustática, ele alcançou uma cota altimétrica de 5 a 6 metros, fato válido para grandes trechos do Litoral Paulista, onde localmente não houve interferências da tectônica quebrável residual.
Trata-se da ascenção glácio-eustática denominada transgressão flandriana. Fase máxima da ingressão marinha na costa do Brasil Sudeste, a qual foi a principal responsável pela criação de uma costa extremamente identada e irregular na zona da pré-Serra do Mar, constituída por inumeráveis e acidentadas páleo-baías e páleos arquipélagos, período designado sob o título de "período dos golfões" (AB'SÁBER, 1955). Sua cronologia dentro dos quadros do Quaternário e da temática glácio-eustática, tratando-se de um nível marinho tipicamente eustático, e portanto de caráter universal, aos diferentes níveis relacionados com o controle glacial.
ASPECTO DA BAIXADA PAULISTA. NOTA-SE OS EMBASAMENTOS CRISTALINOS (MORROS) NA PLANÍCIE SEDIMENTAR HABITADA. 

O páleo-arquipélago e a páleo-baía de Santos constituíam um tipo de morfologia costeira que com arranjos e dimensões diferentes se repetia por quase toda a fachada atlântica do Brasil Sudeste e Sul do Brasil. Ao sul da Baixada Paulista existia a páleo-baía de Itanhaém dotada de apenas um pequenino arquipélago que posteriormente iria servir para a amarração das restingas que formariam as grandes praias regionais. Bem mais ao sul, formando um vasto recôncavo irregular, destacava-se a páleo-baía de Iguape-Cananéia, dotada de um arquipélago de ilhas, muito mais espaçadas do que as da região de Santos-Santo Amaro (Ilha). Aí, por outro lado, o fundo desse recôncavo sul paulista era constituído por uma bacia sedimentar colinosa, de tipo intermontana costeira, aparentada pelos seus depósitos e pela sua gênese páleo-climática à série Barreiras. Identicamente no Paraná e no setor centro-norte do Estado de Santa Catarina, repetiam-se páleo-arquipélagos de ilhas cristalinas, assim como páleo-baías, notáveis rios e canais interligados que refletiam sempre as influências das direções estruturais arcaicas, o estilhaçamento da tectônica quebrável paleogênica, os fenômenos de pediplanação e pedimentação neogênicos e pleistocênicos, e, os efeitos espetaculares da desarticulação e do insulamento provocados pela ingressão funda do mar durante o flandriano.
OS MEANDROS ESTUARINOS DA BAIXADA PAULISTA INTERLIGADOS AO MAR ATLÂNTICO. À ESQUERDA ITAPEMA NA ASA DO DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO.

Para os que tem dificuldades em obter uma imagem deste tipo complexo de costas altas e irregulares, criado pela transgressão flandriana, no trecho sul-oriental e meridional da fachada atlântica do Brasil, constata-se que ainda que existem feições preservadas, muito sugestivas, dos quadros paleogeográficos antigos, na área situada entre a Ilha de São Sebastião e a região da Guanabara. Na realidade, aí, onde a sedimentação e a colmatagem marinha, flúvio-marinha e fluvial, pós-flandrianas, foram tênues ou escassas, ainda se pode captar toda a grandiosidade e a complexidade das formas costeiras criadas pela profunda submersão, correspondente à transgressão flandriana. A despeito de ser um tipo de costa muito complexo, permanecem na paisagem os traços essenciais da grande fase de submersão que afogou os vales e as depressões situadas entre os baixos esporões da Serra do Mar e de seus maciços costeiros de origem tectônica. No Rio Grande do Sul, na faixa sublitorânea de Osório a Torres, os sinais da transgressão flandriana, do ponto de vista geomorfológico, repetem-se de espaço a espaço, ao fundo do sistema lagunar atual, através de sucessivas páleo-baías e páleo-enseadas, falésias mortas, cavernas de abrasão e cascalheiros marinhos típicos, num conjunto magnificamente preservado e visualizável.
A GEOMORFOLOGIA DA SERRA DO MAR E A CONFORMAÇÃO DO RELEVO NA BAIXADA PAULISTA. À DIREITA ITAPEMA NA ILHA DE SANTO AMARO.

Na região da Baixada Paulista, a ingressão do mar se fez em relação a uma área cujo relevo possuía uma amplitude altimétrica pequena (260-400 m), porém um alto grau de movimentação topográfica, devido à presença de cristas semi-paralelas de rochas granitizadas resistentes, seccionadas por uma drenagem em treliça, à qual se associavam vales de linha de falha e vales de ângulo de falha. Na realidade, a drenagem em treliça complexa, da zona pré-Serra do Mar, na região da Baixada Paulista, apresentava um mosaico e vales longitudinais (NE-SW) e transversais (NW-SE ou WNW-ESE), de tipo mais ou menos apalachiano, complicados pela interferência de tectônica quebrável paleogênica. Além disto, tudo leva a crer na presença de inúmeros colos, de diferentes graus de abertura, os quais quebravam a continuidade das cristas principais, favorecendo a multiplicação do número de passagens para a ingressão inicial do mar.
REGIÃO DO RABO DO DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO E ENTRADA DO CANAL DE BERTIOGA - LITORAL PAULISTA.

É fácil estabelecer os principais roteiros de penetração das águas do flandriano na região da Baixada Paulista. A penetração das águas se fez através de quatro vales ou colos acidentados principais, a saber:
1) largo desvão entre a ponta de Itaipú e o esporão terminal do Mongaguá.
2) corredor norte do atual canal de Bertioga.
3) desvão situado entre o espigão central da Ilha de Santo Amaro e o maciço de Monte Serrate-Santa Terezinha.
4) colo antigo que separava o maciço de Monte Serrate-Santa Terezinha, do maciço Itaipú-Xixová.
Tudo leva a crer que tais passagens foram os portais básicos da penetração das águas da transgressão flandriana. Originalmente, porém, elas poderiam ser ocupadas por duas ou até três pequenas bacias hidrográficas de rios curtos que desciam da Serra do Mar. Entretanto, enquanto não se tiver uma série de informações sobre a espessura dos depósitos Quaternários recentes que colimatam a páleo-baía de Santos, não se poderá intentar a reconstrução do eixo das pequenas redes de drenagem que foram afogadas pela ingressão do mar. Entende-se que a rede principal, a qual coletava as águas do Mogi, do Cubatão e do Quilombo, deveria sair para SW ou WSW, em algum ponto situado entre o esporão de Mongaguá e o morro do Itaipú. Outra drenagem pré-existente, deveria ter sua saída entre o alinhamento dos maciços de Monte Serrate-Santa Terezinha e Itaipú-Xixová e o alongamento do Espigão Central da Ilha de Santo Amaro. Entretanto, tudo leva a crer na existência de uma estreita saída de drenagem na área do setor norte do canal de Bertioga, em direção oposta à drenagem anteriormente referida.
PROCESSOS GEOMORFOLÓGICOS MOLDARAM A GEOGRAFIA DAS CIDADES DA BAIXADA PAULISTA. DESTAQUE PARA O CANAL ESTUARINO MARGEANDO A ILHA DE SANTO AMARO.

Dessas três saídas de drenagem, a única que por uma série de razões geológicas e hidrológicas, conseguiu concentrar as embocaduras dos cursos d'água que drenam o velho lagamar colmatado santista-vicentino, foi aquela que situava entre o Espigão Central da Ilha de Santo Amaro e os maciços Monte Serrate-Santa Terezinha e Itaipú-Xixová. O forte desenvolvimento de restingas ou praias-barreiras ao sul, entre Itaipú e Mongaguá, obrigaram os rios da baixada flúvio-marinha atual, a procurar saídas em torno do maciço de Monte Serrate-Santa Terezinha, ou seja, através do chamado estuário de Santos e o "largo" de São Vicente. Entrementes, uma parte da drenagem continua a vazar pelo canal da Bertioga. Não fosse esta anostomose residual dos canais que drenam as águas da páleo-baía colmatada, teria sido destruído todo o esquema do antigo páleo-arquipélago regional.
O RABO DO DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO CONTORNADA PELO CANAL DA BERTIOGA - LITORAL PAULISTA.

Conforme estudos para caracterização e mensuração dos níveis de terraços de abrasão na costa sudeste do Brasil, utilizando critérios de ordem geológico-geomorfológico, os quais incluem estudos de sedimentologia, estratigrafia e topografia de precisão dos depósitos quaternários costeiros. Através do conjunto de estudo geomorfológico do Litoral Paulista é possível ratificar tacitamente as medidas de níveis de abrasão. Níveis marinhos, incluindo pressumíveis terraços de abrasão, situados a algumas dezenas de metros acima do nível atual do mar.
Observa-se os reflexos da transgressão flandriana na elaboração de níveis de abrasão e sedimentação marinha no litoral da Baixada Paulista. Com base no estudo dos níveis mais altos das linhas de abrasão apresentadas pelos costões e costeiras do Litoral Paulista, e ainda, sob testemunho dos níveis mais elevados e interiorizados de terraços de construção marinha existentes no interior da Baixada Paulista, pode-se afiançar que durante o máximo da transgressão posterior à última grande glaciação, as águas atlânticas estiveram de 5 a 6 metros acima do seu nível atual, no litoral de São Paulo. Foi durante tal época de ingressão marinha profunda que se definiu com maior nitidez o páleo-arquipélago de Santos-Santo Amaro (Ilha), assim como uma páleo-baía de fundo escarpado e fortemente identado. Feições costeiras ainda hoje muito facilmente delimitáveis e visualizáveis, quer no terreno, quer em cartas topográficas, como principalmente em fotografias aéreas.
Nos lugares onde a tectônica moderna, de tipo residual, não foi suficiente para quebrar a continuidade das feições geomórficas elaboradas por ocasião da transgressão flandriana, o nível máximo desta fase de ascenção marinha fica compreendida entre 6 e 7 metros, como é mais ou menos o caso da Baixada Paulista. Tal nível médio é válido em princípio, para toda a faixa costeira situada desde o setor norte do litoral sulriograndense (setor Torres-Osório), até as praias do Estado do Rio de Janeiro (setor Ubatuba-Angra dos Reis). Apenas, com relação ao litoral paranaense existem vestígios concretos de um nível de depósitos marinhos praiais, suspenso a 12-13 metros de altura.
MAPA ASSINALA FORMAÇÕES GEOLÓGICAS, CURSOS D'ÁGUA E PRAIAS DO DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA.

Na Baixada Paulista existem três faixas de cordões arenosos, situados em altitudes e posições geográficas diferentes, os quais balisam a história dos fenômenos de construção marinha da região, a partir da profunda submersão, relacionada com o máximo da transgressão flandriana. O cordão litorâneo mais antigo, mais interiorizado e mais litificado é o que se situa na área de Samaritá, a 6-7 metros de altura em relação ao nível atual do mar. Tudo leva a crer que este primeiro aparelho de construção seja pene-contemporâneo ao máximo da transgressão flandriana ou pelo menos concomitante ao início da retração das águas flandrianas. Em segundo lugar, em posição bem mais externa do que o cordão de Samaritá, ocorrem cordões arenosos homogêneos com areias fortemente impregnadas por materiais úmicos e ferruginosos (arenito mal consolidado, cor de café), situados entre 2,5 e 3,5 metros de altura, eventualmente capeado por velhos campos de dunas (areias eólicas muito brancas cobrindo o arenito inconsolidado, cor de café). Tais cordões arenosos de nível intermediário, documentam o estágio principal da regressão das águas flandrianas. Em alguns lugares eles estão situados entre 10 e 25 quilometros em relação ao fundo da páleo-baía de Santos-Santo Amaro (Ilha), via de regra descaindo suavemente em relação às praias dos cordões litorâneos atuais. Na praia da Enseada, na Ilha de Santo Amaro, onde se situa a sua ocorrência mais notável e significativa, ele está perfeitamente separado do cordão arenoso mais recente, através de uma depressão pantanosa e rasa.
VISTA AÉREA ONDE NOTA-SE O PROCESSO DE DEPOSIÇÃO ARENOSA EM PRAIAS DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA.

Entre o segundo tipo de cordão arenoso e o terceiro, que é o mais recente, existe sempre uma diferença de nível altimétrico e de composição litológica. O cordão mais recente, a grosso modo referível ao dunquerquiano, situa-se entre 1,5 e 2,5 metros, acima do nível da maré média, e é capeado apenas por um delgado lençol de dunas recentes, descontínuas e maldefinidas. A diferença de espessura entre as dunas que recobrem o segundo cordão em relação às que recobrem o terceiro é da ordem de 5 para 1, o que talvez queira significar que ao tempo da formação do antigo lençol de dunas, o clima tenha sido um pouco mais seco que o atual.
A AÇÃO GEOLÓGICA ESTABELECEU AS CARACTERÍSTICAS DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA.

A transgressão flandriana influiu nessa dinâmica da sedimentação no Litoral Paulista. Na realidade, a ingressão do mar na região santista-vicentina, durante o flandriano, foi ao que tudo leva a crer, geologicamente muito rápida, tendo alcançado no momento máximo da ascensão das água, como já referido, um nível superior a alguns metros em relação ao nível atual do mar. Isto possibilitou a penetração das águas até as proximidades da garganta do Cubatão e o afogamento dos estreitos desvãos dos pequenos cursos d'água que desciam por entre os esporões da Serra do Morrão. O limite interior da linha de costas escarpadas criada pela ingressão funda do mar, tinha alguma coisa do traçado em baioneta, pois se iniciava de NE para SW ao longo da área do canal da Bertioga, para depois se infletir de ESE para WNW, truncando frontalmente a frente dos esporões terminais da Serra do Morrão, enquanto que, finalmente em posição mais interior voltava a adquirir um traçado NE-SW ou ENE-WSW, tangenciando os sopés das escarpas do alinhamento Mongaguá-Pai Matias. A páleo-baía santista, por outro lado, desde logo passou a apresentar dois núcleos bem definidos: um situado entre a Serra do Cubatão e os maciços de Monte Serrate e Xixová, e, outro, entre esses dois maciços alinhados (NE-SW) e o Espigão Central da Ilha de Santo Amaro, de direção também rigorosamente NE-SW.
TESTEMUNHO GEOLÓGICO DAS GRANDES FORÇAS QUE ATUARAM PARA FORMAÇÃO DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA [DÉCADA DE 1920].
O EMBASAMENTO CRISTALINO AFLORADO E DESCOBERTO NA ORLA DA ILHA DE SANTO AMARO - LITORAL PAULISTA [DÉCADA DE 1910].

A coluna das águas da transgressão flandriana foi relativamente espessa na região da Baixada Paulista, a despeito de variar de lugar para lugar, devido às inúmeras irregularidades dos vales e da enérgica compartimentação dos baixos níveis costeiros, que serviram de base para a penetração marinha. Alguns dos vales afogados durante a ingressão do mar possuíam seus talvegues a mais de 50 metros do nível atual das águas atlânticas, segundo se pode afiançar pelos dados de sondagens disponíveis sobre a região. Esses fatos todos nos explicam sobejamente o porquê da ausência de um recobrimento sedimentar transgressivo e contínuo (em overlap) nos fundos do antigo golfo de Santos. Trata-se de um fato, aliás, peculiar a todas as costas sujeitas a uma submersão rápida, em zonas de topogradias muito acidentadas, e à custa de uma coluna d'água espessa. Nisto reside, sobretudo, uma das principais diferenças entre o que aconteceu na área da páleo-baía de Iguape-Cananéia e o que se processou na acidentada região da páleo-baía de Santos.
EM TEMPOS IMEMORIAIS O DRAGÃO ALADO DA ILHA DE SANTO AMARO ERGUEU-SE SOBRE O MAR ATLÂNTICO - LITORAL PAULISTA.

Por quase toda parte ao longo da costa brasileira, como muito bem o anotaram JEAN TRICART(1957-60) E JEAN PIMIENTA (1958) existem muitas evidências de que a transgressão flandriana empurrou grandes massas de areias da plataforma para a zona litorânea atual, durante a sua progressão. Além dos depósitos praiais antigos retrabalhados, existiam massas de areias dos curso d'água que foram submersos e, grandes espaços de regolitos disponíveis para fornecer partículas arenosas por triagem marinha. Segundo os estudos de JEAN TRICART na costa baiana, a transgressão marinha do flandriano se fez ali durante ou pelo menos imediatamente após um período úmido, responsável por acentuada decomposição das rochas cristalinas da plataforma outrora emersa. Assim sendo, a transgressão flandriana contou com uma grande massa de rochas reduzidas a partículas finas, o bastante para a apuração de uma fantástica massa de areias. Isto seria suficiente para nos explicar a grande dominância de cordões arenosos, de diferentes idades e diferentes larguras e espessuras, ao longo da costa brasileira (setores oriental e meridional).
No caso particular da região da Baixada Paulista, e de outros sítios similares, afetados pela profunda transgressão dos fins do Pleistoceno, houve mais propriamente uma ingressão das águas, em massas espessas, do que um verdadeiro recobrimento sedimentário transgressivo. Por oposição, entretanto, após à ingressão marinha, sobraram inumeráveis condições para o aparecimento de restingas ou praias barreiras, devido à excelência do teatro geográfico criado pela desarticulação da costa e pela formação do páleo-arquipélago de ilhas cristalinas.

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