DESEMBARQUE DA EXPEDIÇÃO MARÍTIMA DE MARTIM AFONSO NA ILHA GOHAYÓ (SÃO VICENTE) - JANEIRO 1532 [SÉCULO XVI] BENEDITO CALIXTO.
Seguido ao aportamento da Esquadra Marítima de Martim Afonso de Sousa, no Litoral Paulista, em Janeiro de 1532, pela Barra da Ilha de Santo Amaro (Guaybê), e consequente fundação da Vila de São Vicente (Ilha Gohayó), deflagrou contatos efetivos dos portugueses (Peros) colonizadores com os indígenas da Terra Brasilis.
Havendo singrado a Costa Paulista, os índios Tupinans de Itanhaém começaram na agitação de descobrir que barcos seriam aqueles pelas águas da região. Tal rumor despertou as tribos Tupynikins do Cacique Piquerobí da aldeia Ururaí, os índios da Serra de Paranapiacaba ("lugar de onde se avista o mar"), bem como de todo o Litoral Paulista. Os Tamoios vendo os estrangeiros chegar, não para traficar, mas para ficar, passaram a dar mostras de inegável hostilidade. A atitude ameaçadora dos guerreiros Tupys a mando de Kaiobí (descidos de Jurubatuba e Cabussú) reforça a desconfiança de um ataque eminente.
Nem todas as tribos indígenas habitavam o litoral, preferindo malocar-se no interior da mata, o alto da Serra do Mar, pelo sertão Piratininga, utilizando a parte litorânea como área de alimentação: pesca, coleta de frutos do mar e manguezais, caça, colheita de frutas. Afastando-se do inverno do Planalto Piratininga, de mais baixas temperaturas, se fixando momentaneamente junto as praias da Baixada Litorânea Paulista, Ilha Guayahó, Ilha Guaimbê, pelo estuário Guarapissumã, às margens de Enguaguassú, Briquióca e Boiçucanga. Ao menos quatro povos indígenas coabitavam o Litoral Paulista: Guayanãs, Tupiniquins, Tupinambás, Maramomis.
MAPA INDICANDO AS TRIBOS INDÍGENAS COABITANTES DO LITORAL PAULISTA [SÉCULO XVI].
Guaianás - também nominados como Guaianazes ou Guaianãs. Grupo de índios que transitou ao longo da Serra do Mar, em um território desde Cananéia à Serra de Paranapiacaba até a foz do Rio Paraíba, no Rio de Janeiro. Eram nômades, viviam da caça, pesca, coleta de frutos silvestres. Ou seja, quando os recursos de uma região diminuíam, eles caminhavam para outro lugar acompanhando a produção sazonal e espontânea da Natureza. Diferente de outras tribos, os Guaianás não moravam em Ocas, mas sim tinham o hábito de se abrigar em covas no chão (senão em ocos naturais), forradas de peles de animais e ramas de plantas. Tudo quanto possuíam transportavam às costas com pequenas trouxas, as brasas incandescentes num fogareiro, a improvisar abrigos com a vegetação durante as chuvas.
Antonio Knivet, viajante (1595), descreve nativos aos quais chama Waynasses ou Vaanasses vivendo na região de Paraty. Observa serem de baixa estatura, muito barrigudos, pés chatos, medrosos e de regular compleição. As mulheres sendo corpulentas e disformes, porém de belo semblante. Estas pintavam o corpo e faces com tinta unícú. Os cabelos nos homens quanto nas mulheres caíam-lhes compridos pelos ombros, mas no alto da cabeça raspavam-no feito uma coroa.
Comenta Gabriel Soares de Sousa (1587), "não são os Goianazes maliciosos, nem refalsados, antes simples e bem acondicionados, e facílimos de crer em qualquer cousa. Não costuma este gentio fazer guerra a seus contrários fora de seus limites, nem os vão buscar nas suas vivendas, porque não sabem pelejar entre o matto, se não no canipo aonde vivem." - Não matava ou mutilava o corpo. Nem se vangloriava tanto como outros índios canibais de comer carne humana.
Antonio Knivet, viajante (1595), descreve nativos aos quais chama Waynasses ou Vaanasses vivendo na região de Paraty. Observa serem de baixa estatura, muito barrigudos, pés chatos, medrosos e de regular compleição. As mulheres sendo corpulentas e disformes, porém de belo semblante. Estas pintavam o corpo e faces com tinta unícú. Os cabelos nos homens quanto nas mulheres caíam-lhes compridos pelos ombros, mas no alto da cabeça raspavam-no feito uma coroa.
Comenta Gabriel Soares de Sousa (1587), "não são os Goianazes maliciosos, nem refalsados, antes simples e bem acondicionados, e facílimos de crer em qualquer cousa. Não costuma este gentio fazer guerra a seus contrários fora de seus limites, nem os vão buscar nas suas vivendas, porque não sabem pelejar entre o matto, se não no canipo aonde vivem." - Não matava ou mutilava o corpo. Nem se vangloriava tanto como outros índios canibais de comer carne humana.
ÍNDIOS GUAIANÃS ACOMPANHAM UMA EXPEDIÇÃO - GRAVURA DEBRET.
Sabendo da chegada da Expedição Afonsina, um degredado português vivente da terra (desde 1508 ou 1512), João Ramalho desceu o Planalto de Piratininga unido aos índios Guaianás e traz consigo a filha do Cacique Tupiniquim Tibiriçá ("principal da terra"), Bartira (a "Flor") - batizada Isabel Dias, sua esposa. Com seus descendentes mamelucos (curimbocas) estabeleceu postos no Litoral Paulista para fazer mercancia com os navegadores europeus, que aqui se acercavam atrás de Pau-Brasil (Ibirapitanga), além de outras riquezas. Também vendia indígenas prisioneiros de guerra, seus inimigos, como escravos. Construía bergantins (pequena embarcação) e reabastecia os navios em trânsito com víveres e provisões, defendendo-os ao mesmo tempo contra os ataques dos índios brabos.
Apesar do degredo João Ramalho manteve-se leal à Coroa Lusitana, apaziguou o ânimo dos nativos, pois exercia influência sobre milhares de indígenas. Persuadiu o Cacique Caiuby a aliar-se aos Peros.
Houve festa, cantos e danças, os Guaianãs ornados de adereços corporais, colares e penas de cores variadas.
Serviu Ramalho de intermediário e protetor dos portugueses colonizadores. Muito auxiliou Martim Afonso de Sousa passando as informações necessárias a respeito do Litoral Paulista, desta terra por conquistar, conhecedor dos perigos da região litorânea e o Caminho da Serra (Peabirú) adiante para o Planalto Piratininga. Para alcançar este importante caminho saía-se da Vila de São Vicente (Tumiarú), de onde tomavam embarcações por um lagamar denominado "Morpion". Através dos rios chegava-se no ancoradouro de Piaçaguera, seguindo numa área alagadiça (região de Cubatão) pelo Rio Quilombo até a raiz da Serra de Paranapiacaba, e daí um dos trechos do Caminho Peabirú ("grama amassada"), acesso que se fazia a pé, em burros ou cavalos para o Planalto Piratininga. Trilha ligando o litoral ao altiplano paulista, usada pelos indígenas, seguido dos lusitanos e viajantes.
A pacificação dos indígenas contrários, contudo, não fora definitiva. Antes que eles de novo se rebelassem. Entre estes alguns grupos de Tupiniquins e Tupinambás (Tamoios).
Tupiniquim - também referido Tupinaquis, Tupinanquins, Tuppin Ikin (Tuppin = Tupi / Ikin = vizinho). Tribo habitante do Planalto Piratininga, povo que se autodenominava Tupi, assim chamado pelas outras tribos - de Tupiniquim.
Antonio Knivet (1595) fala em Twpinaquis habitando em São Vicente, naqueles idos do Século XVI. O cronista Simão de Vasconcellos assinala a presença de Ticpis para os lados de Cananéia, e também de Twpinaquis, senhores da região entre Itanhaém e o Valle de Iguape. Ocupavam ainda o sertão Piratininga através do Vale do Paraíba até a região de Paraty, na Guanabara.
Moravam em Ocas, que tinham estrutura de troncos de árvores e firmes galhos entremeados por amarras, tudo coberto de palha, sem nenhum repartimento. Dormiam em redes, sendo que cada Oca era coabitada por 30 ou 40 indígenas. Eram semi-nômades nas aldeias faziam roças, cultivavam especialmente mandioca, inhame, abóbora, amendoim. Mas nos meses de frio (Maio a Agosto) desciam a Serra do Mar em diversos trechos do Litoral Paulista à busca de peixes, siris, ostras, mariscos, caranguejos.
Andavam nus, corpos pintados e ornamentados. Tinham a pele avermelhada, cabelos negros e muito lisos, que os homens usavam cortados por cima das orelhas e as mulheres soltos pelos ombros, apresentando bonitas feições. Alguns ostentavam cocares feitos com penas de papagaio e colares de contas miúdas. No lábio inferior trespassavam um finete de osso enfeitado de peninhas coloridas, que aparentemente não perturbava nenhuma função. Falavam, comiam e bebiam sem que o adereço fosse um estorvo.
Usavam cestos feitos de palha e utensílios de cerâmica.
Parte das tribos Tupiniquins aliaram-se aos Portugueses contra seus inimigos Tupinambás e os invasores franceses, a partir do convívio com os colonizadores Lusos, a catequese dos padres, foi abandonado o antigo hábito da antropofagia. Embora por vezes comessem seus adversários.
Duma feita (1550), os Tupiniquins guerrearam contra os Tamoios e tomaram a Tribo inteira. Os velhos foram devorados e os moços sobreviventes todos trocados por mercadorias com os Peros (Lusitanos).
Tupinambás - já referido Tuppin Inbá (Tuppin = Tupi / Inbá = descendente), considerado como "o povo Tupi por excelência". Tamoio ("mais antigo") era outro chamamento dado pelos rivais Tupiniquins, aos índios Tupinambás. Povo indígena que ocupou a Costa Marítima Sudeste, desde Cananéia até as águas da Guanabara. Entretanto, ficavam agrupados nas suas aldeias de Ubatuba (Iperoig) e São Sebastião (Maembipe). Os Tupinambás moravam em Malocas feitas de troncos de árvores e firmes galhos entremeados por amarras de cipós, cobertas de palha, com aberturas de ventilação e iluminação, sem nenhum repartimento. Cada tribo se compunha de 6 a 8 Ocas, entorno de um pátio central, abrigando de 200 a 600 indígenas. Dormiam em redes. Nos tempos de guerra a Taba ficava cercada por uma "Paliçada", fortificação feita de troncos.
Eram semi-nômades praticavam a agricultura de tubérculos (mandioca, inhame, batata, milho abóbora), viviam da caça e frutos coletados. Pela proximidade das aldeias com o mar dominavam a navegação de pequenas embarcações (canoas) através do Litoral Paulista. Exploravam a região à procura de peixes marinhos, frutos do mar e do manguezal, matéria-prima para artefatos indígenas. Dos peixes paratis secos, depois ralados faziam o farináceo chamado Pira-Kui (Pira-Iquê). Fabricavam uma mistura de sal e pimenta nativa (Gecay) que comerciavam com os navios franceses. Com a mandioca, milho, misturado ao fruto abbati também produziam uma espécie de bebida fermentada, o Cauim, acompanhamento tradicional dos banquetes de carne humana. E ainda modelavam utensílios de cerâmica (cuias, caldeirões, tachos), trançavam cestos e esteiras de palha.
Os índios Tupinambás andavam nus, pintados e enfeitados. Sendo altos, bem robustos. Os homens tinham os cabelos cortados acima das orelhas e raspava-os em semicírculo no alto da cabeça, as mulheres usavam escorridos pelos ombros. Usava o índio Tamoio no lábio inferior perfurado, um finete de osso com uma pedra verde, ornamentado de peninhas multicores.
José de Anchieta (1553) descreve peculiarmente um Tupinambá diante de si: Feliz na sombra do seu labirinto, a flora. Nos elos de seu cativeiro, a fauna. Canibal da era neolítica, em pleno delírio cromático, em um país de fogo e de sangue. O índio trazia o sexo apenas velado pela tanga, penas amarelas, grinaldas ao cocoruto, manilhas de outras, policromadas, nos pulsos e tornozelos, ramos de búzios ao pescoço, tambetas de osso, de âmbar, ou de quarto na beiçola, pingentes nas orelhas, adornos de barro cozido na face esburacada. Abaixo dos joelhos, como franjas, pendiam os Taparucás vermelhantes e por todo corpo depilado, sinuosamente, ondeavam lavores negros ou rubros, feitos à tinta de genipapo e urucum. Outras vezes, sob a plumagem dos cocares, prendia às nacas de uma roda de penas cinzentas, longas penas de Ema. Vagava por brechas, aldeias e rios. À mão esquerda, o arco devorador de feras, à direita o Maracá, evocador de mortos, sepultados nas Igaçavas com seus instrumentos de trabalho. Os mais belicosos exibiam a Tangapena dos sacrifícios, pendentes na nuca, ou infindáveis colares de 3000 dentes - os dentes dos inimigos devorados, onças ou homens.
Conhecidos por sua agressividade, durante os confrontos partiam pra cima dos adversários sem nenhum tipo de proteção. Alguns guerreiros Tamoios cobriam todo o corpo (dos olhos aos joelhos) com pinturas semelhantes à várias letras "T" encaixadas simulando um labirinto. Acreditavam que esses desenhos mantinham o corpo "fechado" contra os golpes inimigos. Além disso, traziam envolta no peito metros de corda de algodão (mussurana), a qual usavam para enlaçar vivos seus cativos. Dessa forma os inimigos eram subjugados prisioneiros por meses até o festim antropofágico.
Conta Hans Staden, artilheiro alemão, cativo dos Tupinambás (meados do século XVI), "quando combatem na guerra gritam um para o outro: para vingar a morte dos meus amigos, estou aqui, tua carne será hoje, antes que o sol entre, meu assado."
Narrativas daquela época, mencionam certa vez que os Tamoios prepararam-se para o combate e partiram de Iperoig (Ubatuba) numas dezenas de canoas pelo Litoral Paulista até determinada aldeia Tupiniquim. A viagem estendeu-se por semana. Os guerreiros Tamoios chegaram furtivos e numa investida surpresa cercaram a Taba. Na calada da noite dispararam uma chuva de flechas, muitas providas de mechas de algodão chamejante, ao invés de trovões, gritos de pavor. Os indígenas Tupiniquins sitiados gastaram suas flechas contra um inimigo invisível, escondido na escuridão da mata. Índias e curumins (suscetíveis de canibalismo) correram para o meio do arraial desesperados.
Quando começou a flecharia, os Tupiniquins não se renderam facilmente. Sequer tinham escolha. Uns gravemente feridos por flechadas e porretadas, perderam a vida ali mesmo. Seus corpos foram esquartejados pelos Tupinambás, com machados-de-pedra afiada, para então serem comidos depois. Já os que acabaram vivos assistiram à encenação da sua futura morte. Alguns Tamoios cravavam os dentes nos próprios braços. Era a forma usual de mostrar aos inimigos como seriam devorados numa comilança antropofágica. Os prisioneiros restantes ainda tiveram o desgosto de ver em chamas todas as suas Ocas. Ao final da batalha, aldeia Tupiniquim estava inteiramente destruída.
Todavia, segundo outras observações do comportamento destes Tupinambás denotam serem curiosos e observadores. Um padre francês Claude D'Abeville que teve encontro com grupo de Tamoios, no Maranhão, escreve:
"Imaginava que iria encontrar verdadeiros animais ferozes, homens selvagens e rudes. Enganei-me totalmente. São grandes discursadores, possuem muito bom senso e só se deixam levar pela razão, jamais sem conhecimento de causa."
Entretanto, contra seus adversários, o povo Tupinambá mostrava-se bastante impiedoso. Era temido pelo gosto particular por carne humana.
O canibalismo para as tribos antropofágicas tinha um sentido de auto-afirmação, de identidade, prevalência na conformação social indígena. Esta ingestão de carne humana acontecia como resultado de ações simbólicas, ritualizadas em cerimônias. Acreditavam consumir as forças espirituais do inimigo. Sentiam vingados de guerras passadas seus parentes e antepassados. Servia à confraternização entre tribos amigas.
O padre Claude D'Abeville comenta sobre este costume Tupinambá:
"(...)Não é prazer propriamente que leva [as mulheres] a comer tais petiscos, nem o apetite sexual, pois de muitos ouvi dizer que não raro a vomitam depois de comer, por não ser seu estômago capaz de digerir a carne humana. Fazem-no só para vingar a morte de seus antepassados e saciar o ódio invencível e diabólico que votam a seus inimigos..."
Relata Hans Staden conversa sugeneris tida com um cacique Tamoio:
"(...)Durante isto Cunhambebe tinha à sua frente um grande cesto cheio de carne humana. Comia de uma perna, segurou-a diante da boca e perguntou-me se também queria comer. Respondi: "Um animal irracional não come outro parceiro, e um homem deve devorar um outro homem?" Mordeu-a e disse: "Jauára ichê". Sou um jaguar. Está gostoso..."
Após o aprisionamento de um inimigo ao chegar a Taba, as mulheres e as crianças o esbofeteavam. Enfeitavam-no depois com penas pardas, raspavam-lhe as sobrancelhas, dançavam em roda dele e amarravam-no bem para que não fugisse. Os Tupinambás ofereciam ainda uma índia para cuidar do prisioneiro. No dia do sacrifício, uma grande festa era realizada, todos dançavam entoando cantos tribais, bebia-se muitas cuias de Cauim. Levado ao terreiro, pintado e enfeitado, preso pela corda Mussurana, segurada nas extremidades por dois índios, o cativo esperava seu carrasco, vestindo seu manto de penas de Guará Vermelho, aproximar-se de sua presa imitando uma ave de rapina. Recebia a Ibirapema (espécie de porrete), das mãos de um velho matador. Nisso desferia um golpe certeiro na nuca do cativo, rompia-lhe o crânio e lançava-o ao chão. De imediato, acudiam as velhas índias com cabaças para recolher o sangue que se espalhava, a experimentar os miolos do cérebro. Nada deveria ser perdido, tudo precisava ser consumido e todos deveriam fazê-lo. As mães besuntavam seus seios de sangue para que os bebês também pudessem provar do inimigo.
As mulheres tamoias então colocavam o morto numa fogueira, tapavam-lhe o ânus com um toco para que nada escapasse por ali, raspavam toda a pele e abriam a vítima retirando as vísceras. Preparavam as partes humanas, assadas, moqueadas ou cozidas. As carnes mais duras eram secadas e devoradas pelos homens. As mulheres e crianças apreciavam um ensopado feito de órgãos e vísceras. Dos ossos faziam flautas e assobios, conservados como troféu. Os crânios encravados em paus na frente da cabana do matador davam-lhe prova de valor, seus dentes ornavam longos colares.
Com a permanência definitiva dos colonos lusitanos, naqueles idos do século XVI, verifica-se as primeiras incursões sistemáticas dos Tupinambás descidos de Iperoig (Ubatuba). Os guerreiros do Cacique Aimberê passam a rondar diariamente as localidades da marinha (São Vicente, Enguaguassú, Cubatão, Piaçaguera, Cabraiaquáara, Titiguapara, Peruti, Ilha Pequena, Itapema, Ilha Guaimbê, Cabuçu, Itapanhaú, Buriquióca), semeando intranquilidade entre os moradores. Algumas outras tribos Tupiniquins vivendo nestas cercanias demonstravam igual animosidade.
Quando da intervenção de João Ramalho, ainda no outono de 1531, sugeriu ficarem em Buriquióca (Bertioga) alguns homens junto com Diogo de Braga (vivente da terra) e seus cinco filhos mamelucos (curimbabas), para maior ocupação do lugar e levantamento de uma "Estacada" (barreira de troncos).
No ano de 1540, já se tinha notícia da contrariedade de certos indígenas às empreitadas de colonos portugueses (Engenhos, plantações) na Capitania Vicentina. Através de documento oficial de Brás Cubas revela a dificuldade de cultivar Jurubatuba devido a oposição constante dos índios das Serras vizinhas:
"(...)e por ele Brás Cubas foi também pedido a ele Capitão mandasse a mim Tabelião que desse fé em como haviam três anos que João Pires Cubas, seu pai, viera a esta terra, com fazenda e gasto para aproveitar as ditas terras e tomando posse delas aproveitá-las o que todo deixou de fazer por a dita terra ser habitada por gentios nossos contrários e por esse respeito as não pudera nem podia aproveitar..."
Em Setembro de 1542, registro de uma ofensiva por parte dos Tupinambás à Vila de São Vicente.
Na data de 21 de Junho de 1543, são instituídas pela Câmara de São Vicente, duas posturas regulando o comércio de escravos indígenas. Pela 1ª - Limita-se o preço da compra do índio-escravo a 4$000 por cabeça. Pela 2ª - Nenhum "cristão" devia maldizer do outro, na presença de índios, nem depreciar-lhe a mercadoria.
Em 11 de Fevereiro de 1544, D. Ana Pimentel (donatária, esposa de Martim Afonso) revoga a proibição do comércio entre Lusos do Litoral da Capitania Vicentina e índios do Planalto Piratininga.
A construção duma rudimentar Casa-Forte (por volta de 1547), na foz do Rio Bertioga, adjacente à Ilha Guaimbê (Santo Amaro), chamou a atenção dos Tamoios de Ubatuba. Logo que isso descobrem, preparam uma invasão. Centenas deles partem em canoas. Atacam de madrugada. Portugueses e mamelucos correram para uma casa de pau-a-pique, e ali se defendem. Os índigenas aliados protegeram-se nas cabanas e resistem quanto podem. Muitos Tupinambás perecem, mas por fim derrotam os habitantes de Briquióca. Somente colonos e mamelucos salvam-se. Capturam todos os índios adversários, esquartejam os cativos dividindo entre si. Depois rumaram para sua Taba.
Reforçada a Casa-Forte de "Estacada", na povoação de Buriquióca, além de homens dotados de algum armamento, ao decorrer daquele ano, os guerreiros Tamoios de novo investem contra a localidade. Em plena luz do sol, desembarcam pela praia ao berros e correria. Quando perceberam que seus moradores comandados por Diogo Braga ofereciam grande resistência, bateram em retirada.
Tentam outra tática. Vieram de noite, mas por água, adentraram o Rio Bertioga até o estuário Guarapissumã e dali para a Vila de São Vicente. Aprisionam todos quantos encontraram lá. Os que moravam mais longe pensavam não correr perigo, visto existir uma Casa-Forte na vizinhança, pelo que sofreram muito.
Por causa disso, deliberaram os habitantes edificar outro Fortim (Forte São Felipe) à margem d'água, bem defronte na Ilha Guaimbê (Santo Amaro), pois os guerreiros Tupinambás evitavam o mar aberto sacudido pelas vagas. Então colocar canhões e gente para impedir os indígenas rebelados acessar o Rio Bertioga ou a terra firme pelos caminhos da Ilha do donatário Pero Lopes de Sousa, acossando a Vila de Santos, Ilha Pequena (Barnabé), Itapema e Vila de São Vicente. Boiçucanga, mais adiante (paragens dos Tupiniquins), também viveu renhidas batalhas envolvendo os dois povos Tupis.
Data de 12 de Maio de 1548, correspondência de Luís de Góes ao Rei D. João III, informando que à época existiam na Capitania de São Vicente, "mais de seiscentas almas e de escravaria (índios) mais de três mil."
Nesses tempos, Hans Staden (Aventureiro, Artilheiro alemão, protestante), tripulante de uma pequena Esquadra Hispânica, no ano de 1549, naufragado na Costa Marítima Sudeste da Terra Brasilis (Itanhaém) veio aparecer na Vila de São Vicente, relacionando-se com os habitantes do Litoral Paulista e acabou envolvido no conflito entre os índios Tamoios e os Portugueses colonizadores. Sendo informado das vicissitudes enfrentadas pelos colonos lusitanos nas localidades da marinha.
Buriquióca era o lugar onde os Tupinambás inicialmente chegavam. Este ponto do Litoral representava a primeira defensa da Capitania Vicentina e deveria ser melhor fortificada. Os moradores já haviam levantado uma Casa-Forte (de paus), depois reforçada por uma "Estacada" (barreira de troncos). Contudo, os Tupinambás mostravam-se mais audaciosos.
Se fazia necessário erigir um Forte de pedras às margens da Ilha de Santo Amaro (Guaimbê), mas não havia Artilheiro português disposto à arriscar a vida permanecendo ali.
Hans Staden interessou-se, "Fui ver o logar. Quando os moradores souberam que eu era allemão e que entendia de Artilharia, pediram-me para ficar no Forte e ajudal-os a vigiar o inimigo. Promettiam dar-me companheiros e um bom soldo..." - Assim construiu-se o Forte São Felipe (depois rebatizado São Luís).
"(...)A maior parte do tempo estive no Forte com mais tres e tinha algumas peças commigo, mas estava sempre em perigo dos selvagens porque a Casa não estava bem segura. Era necessario estar alérta para que os selvagens não nos surprehendessem durante a noite, o que varias vezes procuram; porém, Deus sempre nos ajudou, e sempre os percebemos..."
Em 1550, quando caçava nas "picadas" da Ilha Guaimbê, cercanias da Prainha Branca (região do "Rabo do Dragão"), o Artilheiro alemão à serviço das autoridades portuguesas, foi capturado pelos Tamoios:
"(...)Quando ia indo pelo matto, ouvi dos dois lados do caminho uma grande gritaria, como costumam fazer os selvagens e avançando para o meu lado. Reconheci então que me tinham cercado e apontavam flechas sobre mim e atiravam. Exclamei: Valha-me Deus! Mal tinha pronunciado estas palavras quando me estenderam por terra, atirando sobre mim e picando-me com as lanças. Mas não me feriram mais (Graças a Deus) do que uma perna, despindo-me completamente... (...)Finalmente dous levaram-me, nú como estava, pegando-me um em um braço e outro, no outro, com muitos atrás de mim e assim correram commigo pelo matto até o mar, onde tinham suas canôas. Chegando ao mar vi, á distância de uma pedrada, uma ou duas canôas suas, que tinham levado em terra, por baixo de uma moita e com uma porção delles em roda..."
Ao retornarem rumo a sua Tribo, seguem antes para a pequena Ilha do Guará (junto à Ilha Guaimbê), atrás de penas dos pássaros Uwara. Na encosta da Ihota avistam um grupo de Tupiniquins e alguns portugueses, entre eles o seu escravo Carijó que o tinha acompanhado ao ser surpreendido pelos índios Tupinambás, e escapulira dando o alarma em Buriquóca.
"(...)Pensavam vir livrar-me e gritaram para os que me capturaram que viessem combater, si tivessem coragem. Voltaram então com a canôa para os que estavam em terra e estes atiraram com sarabatanas e flechas e os da canôa responderam..." - Hans Staden é obrigado pelo Cacique Tamoio a atirar contra portugueses e Tupiniquins, dando-lhe uma espingarda, pólvora, então trocada com os franceses.
"(...)Depois de terem combatido um pouco, ficaram com medo de que os outros tivessem canôas para os perseguir, pelo que fugiram. Tres delles tinham sido atirados..." - Cruzaram ao largo de Buriquióca e passando em frente fizeram o Artilheiro alemão ficar de pé para que seus companheiros o vissem. Do Forte São Felipe disparam dois tiros, porém não os alcançaram. Enquanto isso, saem canoas de Bertioga para tentar pegá-los. Mas os Tupinambás fugiram depressa, sem que os lusos e índios aliados nada pudessem fazer... Desistiram.
Seguindo viagem pernoitam escondidos nas ilhas e praias do Litoral Paulista, remam por dias em direção a Iperoig. Ao chegar em Ubatuba, Hans Staden foi forçado a saudar a Tribo na sua língua nativa gritando: "Eu, vossa comida, cheguei." Todos os indígenas aproximaram-se para vê-lo. Passando a sofrer insultos e agressões das índias tamoias e curumins. Contudo, os Tupinambás não pretendiam devorá-lo ainda:
"(...)Logo depois vieram os dous que me capturaram, um de nome Iepipo Wasu e seu irmão Alkindar Miri, e contaram-me como tinham me dado ao irmão de seu pae, Ipperu Wasu, por amizade. Este me devia conservar e me matar quando me quizesse devorar..."
A princípio os Tupinambás pensavam ter aprisionado um "Pero" (português). Diante da contradita de Hans Staden dizendo-se Alemão e amigo dos franceses (Meri), ficam confusos achando que fosse mentira do prisioneiro, pois estava no meio dos invasores portugueses.
"(...)Tinham vindo os portuguezes ha muitos annos a esta terra, e tinham, no logar onde ainda moravam, contrahido amizade com os seus inimigos. Depois, tinham se dirigido elles tambem aos portuguezes para negociar, e de boa fé foram aos seus navios e entraram nelles, tal como faziam ainda hoje com os francezes; mas quando os portuguezes julgavam que havia bom numero nos navios, os atacaram, amarraram e entregaram aos seus inimigos, que os mataram e devoraram. Alguns tinham sido tambem mortos a tiros e muitos soffreram outras crueldades mais. Diziam que os portuguezes tinham praticado assim, porque tinham vindo guerreal-os, com seus inimigos..." - Assim sendo ficaram as relações destes envolvidas de animosidade.
"(...)Os portugueses tem o costume de ir á terra dos seus inimigos, porém bem armados, para negociar com elles. Dão-lhes facas e anzóes, por farinha de mandioca que os selvagens tem em muitos logares, e que os portuguezes, que tem muitos escravos para as plantações de canna, precisam para o sustento dos mesmos. Chegado o navio, vão os selvagens reunidos ou dous nas canôas e entregam a mercadoria na maior distância possível. Depois, dizem o preço que querem por ella, o que os portuguezes lhes dão; mas emquanto os dous estão ao pé do navio esperam ao longe canôas cheias de homens, e quando acabam os negócios avançam muitas vezes e combatem com os portuguezes, arremessando flechas sobre elles; depois do que voltam."
De maneira nenhuma os Tamoios acreditavam nas palavras suplicantes do Aventureiro alemão:
"(...)Eu repliquei que não deviam vingar-se em mim, porque eu não era portuguez e tinha vindo, havia a pouco com os castelhanos; que tinha naufragado e por isso tinha ficado lá." - Disse ser parente e amigo duns franceses, os quais naufragaram consigo.
Tendo encontrado um francês, negociando entre os indígenas Tupinambás, quis fiar-se na honestidade e compaixão do conterrâneo europeu para libertá-lo confirmando ser Hans Staden, francês. Mas o Artilheiro alemão não entendia nada da língua francesa. Ao que o homem recomendou devorá-lo. Daí guardaram-no muito bem e escarneceram dele. Alguns dias após, levaram Hans Staden à uma outra aldeia, chamada Ariró (Arirab) e encontra-se com o afamado Cacique Cunhambebe:
"(...)Então, disse eu, ouvi muito fallar de ti e que és um valente homem. Com isso, levantou-se e cheio de si começou a passear. Elle tinha uma grande pedra verde atravessada nos labios (como é costume delles); tambem fazem rosarios brancos de uma especie de conchas, que é seu enfeite. Um destes o rei tinha no pescoço, e tinha mais de 6 braças de cumprido. Por este enfeite vi que elle era um dos mais nobres. - Voltou a assentar-se numa conversa com o Aventureiro alemão.
[Cacique Tupinambá Cunhambebe]
"(...)Tornou então a me perguntar o que os portuguezes diziam delle e si elles tinham muito medo delle. Eu respondi: Sim, elles fallam muito de ti e das guerras que tu lhes costumas fazer; mas agora fortificam melhor Brickioca.
Sim, continuou elle, queria de vez em quando captural-os, como me tinham capturado no matto." - Regozijava-se dos inúmeros portugueses e Tupiniquins que havia matado.
É levado novamente para Iperoig (Ubatuba). Nesse ínterim os Tupiniquins aparecem em 25 canoas a fim de guerrear, conforme já intentavam antes mesmo do rapto do Condestável do Forte São Felipe. Vieram numa manhã e atacaram Iperoig. Atiram flechas incendiárias sobre as cabanas, as índias tamoias desataram em correria, os guerreiros espantados. Hans Staden pediu para lutar ao lado deles, mas tinha outro plano:
"(...)Minha intenção era de passar pela cerca ao redor das cabanas e correr para os outros, porque elles me conheciam e sabiam que eu estava na aldeia..." - Entretanto, os Tupiniquins percebendo que a ofensiva não rompia invadir a Taba tupinambá, recuam e vão embora.
No dia seguinte chegou notícia de uma aldeia (chamada Mambukabe), atacada pelos guerreiros Tupiniquins, quando estes deixaram Iperoig. Incendiaram cabanas, fugindo a gente tamoia, restando apenas um curumim aprisionado.
Semanas depois fundeia uma Nau dos portugueses de Buriquióca, unidos a outros da Capitania Vicentina, desce âncora não longe da tribo de Iperoig. Disparou um tiro de canhão para que os indígenas ouvissem e fossem falar com eles. Quis Hans Staden dissuadi-los que era pelo fato dele ser mesmo português:
"(...)e foram tão perto do navio que puderam chegar á fala. Os portuguezes então perguntaram como eu estava. E elles responderam: Que não se importavam commigo. E quando eu vi o navio ir embora, sabe Deus o que fiquei pensando. Elles disseram entre si: Temos o homem certo, já mandam navios atrás delle."
No cativeiro presenciou surto de doença que matou uma dezena de indígenas Tupinambás. Episódio qual quase lhe valeu a culpa:
"(...)vamos matal-o antes de acontecer mais desgraças por causa delle, como já começavam a dizer." - Mas também responsável pela inesperada cura milagrosa. Ao orar em nome de Jheová intercedendo pelos indígenas enfermos. Assim deixaram-no sossegado por algum tempo, porém sem andar sozinho.
O Artilheiro alemão reencontra o francês que recomendara aos indígenas comê-lo. Explicou-lhe sua verdadeira situação. Pediu que contasse a história aos Tupinambás e o levasse quando os navios chegassem:
"(...)Mas, meus senhores responderam que não, que não deixavam para ninguém, sinão si viesse meu pae ou meu irmão, com um navio cheio de carga, como machados, espelhos, facas, pentes e tesouras, accrescentando que elles me acharam na terra dos inimigos e eu lhes pertencia..."
Remam longo dia até a aldeia de Tickquaripe, onde assiste ao canibalismo dum prisioneiro, oriundo do povo Maracajá. Servindo de horripilante exemplo a sua morte próxima.
Quando completava o quinto mês de sua estada entre os Tamoios, veio outra vez uma Nau da Capitania de São Vicente. Avisados por um tiro de canhão foram os indígenas de Iperoig parlamentar. Os lusitanos pediram para trazer Hans Staden, pois tinham enorme caixa de mercadorias a oferecer. Um suposto irmão francês seu desejava vê-lo. O Artilheiro alemão é levado perto do costado da embarcação, nu como sempre esteve. Fica sabendo que vinham a mando do Capitão Brás Cubas, aproveita a ocasião para informar o plano dos Tupinambás de atacar as vizinhanças de Buriquióca, coisa que os Tupiniquins também pretendiam investir contra Iperoig. Nenhum consenso da atitude a tomar, os indígenas não o venderiam ainda. Interrompida a conversa voltam com ele às cabanas.
A visagem de sua própria morte eminente se fazia constante. Sucedeu naqueles dias devorarem um outro cativo da Tribo Carijó. O qual comprometia Hans Staden, tendo já vivido com os portugueses, insistindo ter visto o Artilheiro alemão disparar contra os guerreiros Tupinambás, quando avançavam sobre o Forte São Felipe, na Ilha Guaimbê. Caiu doente este escravo, então resolveram devorá-lo antes que morresse da enfermidade:
"(...)Sahiu então um delles da cabana onde eu morava, chamou as mulheres para que fizessem um fogo ao pé do morto e lhe cortou a cabeça, porque tinha um só olho e parecia tão feio da doença que teve, que elle deitou fóra a cabeça e esfollou o corpo sobre o fogo. Depois o esquartejou e dividiu com os outros, como é de seu costume e o devoraram, excepto a cabeça e os intestinos, que lhes repugnavam, porque elle tinha estado doente.
Fui de uma para outra cabana. Em uma assaram os pés, em outra, as mãos; e na terceira, pedaços do corpo..."
Franceses vindos de Niterói num Escaler, chegam a Iperoig (Ubatuba) a fim de negociar (pimenta, macacos, farinha de mandioca, papagaios). Hans Staden tenta convencer os indígenas de ir com eles. Ao sair a embarcação empreende fuga correndo para a praia. Toda a tribo o perseguia. Nadou desesperado até o Escaler:
"(...)Quando então queria entrar no bote, os francezes não me deixaram e disseram que si elles me levassem contra a vontade dos selvagens, elles se levantariam tambem contra elles e se tornariam seus inimigos. Voltei então triste, nadando para a terra..."
Declarada a guerra dos povos Tupis, reuniram-se dezenas de canoas (43) lotadas de guerreiros Tamoios prontos ao combate. Somavam cerca de mil índios. Cunhambebe ordena que levem o Artilheiro alemão junto com eles. Rumam em direção à Buriquióca. Vão explorando as paragens do Litoral Paulista. No percurso um grupo de Tupinambás entra num curso d'água chamado Rio Paraibe. Encontram inimigos nas margens, combatem fazendo várias vítimas.
Os demais param na Ilha Maembipe (São Sebastião), aí malocam-se pelas matas:
"(...)Chegando a noite, o chefe Konyan Bebe, sendo chamado, passou pelo acampamento para a matta, falou e disse que tinham chegado agora perto da terra dos inimigos que todos se lembrassem do sonho que tivessem durante a noite, e que procurassem ter sonhos felizes. Acabada esta falla, começaram a dançar em honra de seus ídolos até alta noite e foram depois dormir..."
Ao raiar do dia seguem para Boisucanga (Boywassukange), reduto dos adversários Tupiniquins. Ali pretendiam aguardar esperando anoitecer.
Próximo às imediações da orla de Boissucanga avistam por detrás de uma Ilhota, umas canoas de guerra vindo naquela direção. Gritaram então:
"(...)Alli vem nossos inimigos, os Tuppin Ikins. Assim mesmo queriam esconder-se com as canôas por de trás de um rochedo, para que os outros passassem sem os ver. Com tudo, viram-nos e fugiram para a sua terra. Nós remámos com toda a força atrás delles, certamente durante quatro horas e então os alcançamos. Eram cinco canôas cheias, todas de Brickioka. . Eu os conheci a todos. Havia seis mammelucos em uma das cinco canôas e dous eram irmãos; um chamava-se Diego de Praga, o outro Domingos de Praga. Estes se defenderam valentemente, um, com um tubo (sarabatana), e o outro com um arco. Resistiram em sua canôa durante duas horas a trinta e algumas canôas nossas. Quando tinham acabado as suas flechas, os Tuppin Inba os atacaram e os capturaram e alguns foram logo mortos e atirados. Os dous irmãos não ficaram feridos, mas dous dos seis mammelucos ficaram muito feridos e tambem alguns dos Tuppin Ikin, entre os quaes havia uma mulher."
Estavam em pleno mar, não muito distante de São Sebastião, decidem retornar carregando os cativos da batalha:
"(...)Quando chegámos a Meyen bibe era tarde e o sol estava entrando. Levaram então os prisioneiros, cada um para sua cabana; mas a muitos feridos desembarcaram e logo mataram, cortaram-n-os em pedaços e assaram a carne..." - Entre os que devoraram de noite havia dois mamelucos (curimbaba). Um deles era filho (de mesmo nome) do Capitão Jorge Ferreira, Senhor de Itapema, com a mameluca Joana Ramalho, neta de Tibiriçá. Prisioneiro do Cacique Tatamiri, que forneceu seu assado e mandou preparar bebidas, reuniram-se então muitos deles para beber, cantar e ficar alegres.
O outro chamava-se Jerônimo (Braga), parente consanguíneo de Diogo Braga (colono de Buriquióca, casado com uma índia), este ficou prisioneiro de um Tamoio, nome Parawaa, que morava na Oca onde Hans Staden estava.:
"(...)Elle assou Hieronymus de noite, a mais ou menos um passo distante de onde eu estava deitado..." - Por toda a tribo houve comilança humana, cestos repletos de pernas, braços, postas de carne. Ainda nesta mesma noite consegue conversar com dois outros cativos mamelucos, amigos seus de Buriquióca, queria consolá-los. Embora tendo o coração endurecido em virtude de sua própria desgraça, não os lastimava mais.
O banquete antropofágico perdurou até o raiar do dia, beberam mais e aquentaram de novo os pedaços de Jorge Ferreira depois comeram. Parte da carne de Jerônimo (Braga) permaneceu semanas pendurada ao fumeiro duma cabana, ficou tão seca como pau, guardada para uma festa.
Pelo dia seguinte vão bem perto de Iperoig, ao pé de uma montanha denominada Ocarassu, pernoitam por ali. Cunhambebe determina que os prisioneiros restantes sejam comidos oportunamente, proibindo o Alemão de falar com os tais.
"(...)Tres dias depois partimos novamente para a terra delles; cada um levou seu prisioneiro para a sua casa. Os que eram de Uwattibi, onde eu estava, tinham capturado oito selvagens vivos e tres mammelucos que eram christãos, a saber: Diego Braga e seu irmão, e mais um christão chamado Andorico; este tinha sido aprisionado pelo filho do meu senhor. E mais dous mammelucos que eram christãos levaram assados para a casa, para lá os devorar..." - O filho do seu Senhor também apresou um outro cristão de nome Anthonius.
De volta a Ubatuba (Iperoig), Hans Staden auxilia os irmãos Braga (de Buriquióca) a fugir. Nunca mais soube do paradeiro dos dois. Levam-no para Tackwara sutibi (Taquarassutyba) a fim de dá-lo ao Cacique Abatybo sanhé.
Duas semanas após, os indígenas de Tackwara sutibi dizem ter escutado tiros pras bandas das águas do Rio de Janeiro, O Alemão supõe que lá aportara um navio. Aconteceu dos franceses desta Nau ouvirem falar que o Artilheiro alemão estava cativo dos Tupinambás daquela Tribo. O Capitão envia dois dos seus tripulantes em companhia de seis Tamoios para parlamentar com o Cacique Sawarasú. Hans Staden participa do encontro. Ao vê-lo tão desgraçado repartiram suas roupas consigo. Vinham resgatá-lo de qualquer jeito. Combinou-se que levariam o Alemão a bordo da Nau Catharina de Wattauilla e ofertariam caixas de mercadorias (facões, anzóis, panelas). Assim conduzido acompanhado de seu Senhor, mais alguns indígenas.
Estando já a cinco dias embarcados, Abatybo sanhé perguntou pelas tais mercadorias, pois desejava descer para a terra firme, levando Hans Staden junto. Este entretinha o Cacique Tupinambá de modo a protelar o possível amargo regresso... O navio devidamente carregado era chegada a hora de partir:
"(...)O capitão do navio mandou então seu interprete dizer aos selvagens que elle estava contente de me não terem morto depois de terem-me tirado do poder de seus inimigos. Mandou dizer mais (para com mais facilidade me livrar delles) que tinha mandado chamar-me para o navio, porque queria lhes dar presentes por terem-me tratado tão bem... (...)Tinhamos então combinado que uns dez homens da tripolação, que de algum modo se pareciam commigo, se reunissem e declarassem que eram meus irmãos e que queriam-me levar comsigo. Communicou-se isso a elles e que os mesmos meus irmãos não queriam que eu fosse com os selvagens para a terra; mas que voltasse para a nossa terra, porque o nosso pai queria me ver mais uma vez antes de morrer..." - O Capitão acrescentou ser o superior da tripulação e até queria que Hans Staden voltasse para a Tribo deles, ele próprio dissera estar familiar entre os índios, "mas que elle estava só e seus irmãos eram muitos, pelo que nada podia fazer contra elles..."
"(...)Estes pretextos todos foram dados para que não houvesse desacordo com os selvagens. E eu disse tambem ao meu senhor, o rei, que eu queria muito voltar com elle, porém elle podia bem ver que os meus irmãos não me deixavam. Começou então o rei a clamar a bordo que voltasse no primeiro navio, que elle me considerava seu filho e que estava muito zangado com a gente de Uwattibi, que me queria devorar.
E uma das mulheres do rei, que tinha vindo a bordo, foi por elle obrigada a gritar sobre mim, como é o costume delles e eu gritei tambem, segundo o mesmo costume. Após isso o capitão deu a todos algumas mercadorias, que podiam valer ums cinco ducados, em facas, machados, espelhos e pentes. Com isso partiram para as suas casas, em terra..."
Assim foi que depois de 9 meses terríveis, Hans Staden correndo tantos perigos, sem saber se viveria ou morreria devorado, livrou-se dos índios Tupinambás e regressou ao seu país.
Enquanto isso, no cotidiano da Capitania Vicentina, a sanha guerreira dos Tamoios afligia os habitantes da marinha do Litoral Paulista. As investidas se fazem com tal frequência e ferocidade que poucos quiseram permanecer naqueles lugares. Em 1552, os Tupinambás atacam novamente e destroem a Casa-Forte de Buriquióca.
Lá por 1554, na Vila de São Vicente, teve lugar a primeira representação musical do Brasil, com a peça de autoria do Padre José de Anchieta, "Pregação Universa". Tendo a participação dos indígenas catequizados das Tribos Guyacurus, dos Purus, daquelas localidades de "Guaiaho", "Ilha do Sol", "Catiapoã" e "Rio Bugre".
Em 1554, Pero Correa, João de Jesus e o leigo Fabiano, seguem de São Vicente para a região de Cananéia. Os dois primeiros são mortos pelos índios Carijós, após resgatarem mulheres de fidalgos portugueses, prisioneiras destes indígenas.
Segundo carta do jesuíta José de Anchieta (1556), os Carijós da vizinhança de Piratininga são dizimados por epidemia mortífera.
Agosto de 1556, os índios Tamoios voltam a hostilizar as Vilas de São Vicente, Santos e demais povoados no Litoral Paulista.
Pelo ano de 1556, descontentes dada a invasão dos colonos Lusitanos, escravagismo de sua gente para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar, a morte de muitos dos seus, os Tupinambás juntam todas as Tribos Tupis contrárias aos Peros (portugueses) e formam a Coalizão dos Tamoios, revolta liderada pelos Caciques Tupinambás, gerando sangrentos confrontos na Costa Marítima Sudeste, desde às águas da Guanabara à Capitania Vicentina.
Capitaneados por João Ramalho, os guerreiros Tupiniquins armam ofensiva contra uma aldeia Tupinambá. Capturam o Cacique Cairuçu (de Iperoig), mais alguns inimigos e os mantém num cativeiro, no território do Capitão-Mor Brás Cubas. Preso em péssimas condições de sobrevivência, Cairuçu acabou morrendo.
Seu filho, Aimberê, escapando ao jugo português, avoca o comando da Taba, impondo guerra aos invasores portugueses e adversários Tupiniquins. De forma a fortalecer o levante reune alguns Caciques Tupinambás, Pindobuçu, Koakira, Cunhambebe, Guayxará, pertencentes as Tribos de Ubatuba e da Guanabara. Ganha a ajuda de Caciques Tupiniquins dissidentes como Piquerobi e Araraí.
Cunhambebe assume a liderança da Coalizão dos Tamoios, consegue o apoio dos indígenas Goitacás e Aimorés. Nesta ocasião também os franceses intentavam usurpar e colonizar a terra Brasílica. Aportando no Rio de Janeiro, o francês Villegaignon patrocina o conflito contra os Lusitanos oferecendo armamentos aos Tupinambás, bem como a colaboração dos franceses. Porém, uma epidemia dizimou uns tantos guerreiros indígenas, inclusive o Cacique Cunhambebe, enfraquecendo a Coalizão.
Aimberê prosseguiu com a Revolta, fez o possível para que Tupiniquins também lutassem a seu favor, combatendo os Peros. Contatou Tibiriçá (irmão de Araray e Piquerobi), através do sobrinho Jagoanharo (Cão Bravo), estes marcam encontro a fim de selar a aliança na Coalizão Tamoia. Quando seus parentes chegaram à Taba, o Cacique Tibiriçá declarou-se ainda aliado dos portugueses, protestava alto a escolha dos parentes. Isso provocou ruptura e desavenças entre os próprios Tupiniquins. Suscitando brutas investidas a Vila de Piratininga. Guerreiros comandados pelo Cacique Piquerobi e Jagoanharo fazem cerco a povoação, ameaçando-a de extermínio. Os padres presentes aqueles eventos registram:
"(...)Foram vários os sucessos da guerra: até que por fim cansados, e desbaratados, se retiraram os contrários, com morte de muitos, e muitos mais feridos; e sem que morresse um só de nossa parte, posto que ficaram muitos flechados, aos quais acudiram os padres, curando-os... (...)Entre os que morreram da parte do inimigo, foi um sobrinho de Martim Afonso Tibiriçá, chamado por sua valentia Jagoanharo, que vem a dizer, o Cão bravo, que capitaneava um troço: este sabendo que as mulheres se tinham recolhido em nossa igreja, e que ali havia de roubar, veio a dar combate nela pela parte da cerca da horta dos padres, que ele bem sabia: pagou porém o atrevimento; porque dali lhe atirou uma flecha um escravo, tão bem empregada, que deu com ele em terra, e a pouco espaço acabou a vida..." - João Ramalho e Tibiriçá sustentam a posição por dois dias. Piquerobi debanda com seus guerreiros destruindo o que puderam nos arredores.
Pelo ano de 1561, Mem de Sá, mandatário português (Governador-Geral do Brasil), chega à Vila de Santos, levando desta e da Vila de São Vicente alguns combatentes e índios flecheiros aliados, iniciando as retaliações aos Tupinambás nas localidades da Guanabara .
Brás Cubas em carta a El-Rei, de 25 de Abril de 1562, solicitou o envio de bombardeios e pólvora, necessários à defesa da Capitania Vicentina contra tais ataques. Pedia também que mandasse povoar o Rio de Janeiro, para que "não haja franceses que favoreçam estes contrários que são muito nossos vizinhos porque os franceses lhes dão muitas armas de fogo e muita pólvora com que lhes dão muito ânimo para cometerem o que quiserem como fazem..."
Diante deste cenário de tensão, pondo em dificuldades a colonização promovida pela Coroa Portuguesa para a terra Brasilis, possível vitória dos franceses protestantes aliados dos Tamoios, no dia 23 de Abril de 1563, os padres jesuítas Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e o civil José Adorno partem da Vila de São Vicente, em Missão de Paz, chegando à Ubatuba (Iperoig). Colocam-se em meio aos indígenas da Taba tupinambá. Intencionam parlamentar com o Cacique Coaquira. Embora adversos aos portugueses, deixavam-se persuadir pelos padres, dado sua condição religiosa (xamãnica). Uma vez que estes lhes prometiam libertar parentes submetidos a cativeiro em São Vicente, tanto mais porque os Jesuítas representavam uma possibilidade de vingança contra os seus odiados inimigos Tupiniquins. Falecido Cunhambebe, seu filho (de igual nome) assumiu a Aldeia, sem a mesma vivência do valente Cacique tupi, pareceu presa dos valores incutidos pelas palavras dos religiosos, daquilo que poderiam propiciar os Lusitanos doravante.
Após certa contrariedade e desconfiança, os Jesuítas Nóbrega e Anchieta acabam sendo acolhidos pelos indígenas Tamoios. Ali recebiam notícias do andamento das contendas. Feitos dos Tupinambás na Guanabara, desolação no litoral da Capitania Vicentina, estragos à gente do Planalto Piratininga. Frequentemente eram ameaçados de serem devorados, sobretudo certa vez numa visita do Cacique Aimberê.
Relata o padre José de Anchieta, num tal contexto de desengano quanto a conquista do Acordo de Paz:
"(...)Dos do Rio já tínhamos o desengano que não queriam as pazes, porque tínhamos certas notícias que eu havia mui bem alcançado em Iperoig dos mesmos índios que tinham cerca de 200 canoas juntas, com as quais determinavam com este título de paz entrar em nossas vilas, que já muitos deles tinham mui bem miradas, e pôr tudo a fogo e a sangue, se pudessem, e ainda que isto não se soubera por outra via, suas obras o estavam pregoando, porque, ultra deles virem sempre com o propósito e vontade de nos matar enquanto estivéssemos entre eles, em Iperoig, depois de eu vindo, estando cá muitos deles, vieram outros por duas vezes e saltearam, levaram e comeram alguns escravos, depois vinham umas 40 ou mais canoas, para começar a efetuar a sua vontade, mas não chegam mais de dez ou onze, os quais logo descobriram que vinham com determinação de tomar um dos lugares do campo, de nossos discípulos..."
Contudo, eles obtêm a confiança dos indígenas de Ubatuba sob a condição de protegê-los da repressão dos portugueses. Os padres jesuítas Nóbrega e Anchieta mediam as condições de paz. Pelo Tratado de Iperoig, os Tamoios exigiam a saída dos colonos portugueses. Estavam estes obrigados a libertar os Tupinambás escravizados ou cativos, Aimberê conseguirá então que soltem sua noiva Igaraçu. Também pediam a entrega de Caciques tupiniquins e adversários outros para que pudessem executá-los.
Tendo muito parlamentado convencem os Caciques Tupis Aimberê, Paranaguaçu de suas boas intenções. Indicam o jovem Cacique Cunhambebe (filho do afamado) ir à São Vicente com sua comitiva para acertar um Tratado de Paz, acompanhados do padre Manuel da Nóbrega e José Adorno. Deixando o jesuíta José de Anchieta na aldeia de Iperoig, sob à guarda de Pindobuçu ("Palma grande"), como garantia de vida aos Tamoios.
Após longas e tensas negociações, atendido em parte os interesses de ambos os lados selaram o Armistício. Os Tupinambás pensavam assim perpetrar sua vingança mortal aos traidores inimigos Tupiniquins. Por seu lado, os jesuítas da Companhia de Jesus desejavam afastar os inimigos da Empresa portuguesa sob a lógica da unidade: uma só colônia, uma só fé. Um tanto de acordo com a ambição dos colonizadores portugueses, que apaziguando os belicosos Tamoios enfraqueciam os franceses e completa expulsão da Guanabara, abrindo melhor caminho para o desbravamento da Colônia brasílica. Entretanto as escaramuças continuaram.
No início de 1564, Estácio de Sá (sobrinho do Governador-Geral do Brasil), que formara um pequeno exército com homens das demais capitanias da Costa Marítima Brasílica, vem a Capitania Vicentina solicitando mantimentos (farinha, bois), a recrutar combatentes portugueses e guerreiros indígenas aliados para enfrentamento dos Tupinambás e franceses nas águas da Guanabara. Num primeiro momento as autoridades da Capitania de São Vicente discordam dos pedidos de Estácio de Sá, sentindo-se prejudicados tal a falta de proteção devido os ataques dos índios revoltosos. Em meados desse ano, 12 de Maio, os Vereadores da Câmara da Vila de São Paulo de Piratininga, numa Representação dirigida a Estácio de Sá, queixavam-se de dois povos indígenas que sempre viviam em hostilidade com os colonos lusitanos da Capitania Vicentina: Tupiniquins rebelados e Tupinambás. Frisam a respeito, "dos Tupiniquins ha quinze annos a esta parte que sempre matam no sertão homens brancos...". Asseveram que este não deveria deixar a Capitania, sem antes empregar a gente de sua Armada na guerra contra os Tamoios e Tupiniquins, assaltantes contumazes da Vila, com grande prejuízo dos moradores. Caso não cumprisse a Resolução, seria responsabilizado pelo abandono da Vila de São Paulo e perda do Mosteiro da Companhia de Jesus, que tantos frutos oferecia a comunidade local. Todavia se atendesse à Câmara, os habitantes estariam prontos para o ajudarem com suas pessoas, fazenda e tudo o mais necessário à Guerra. Subentendendo-se, para duas frentes de batalhas, a da Capitania de São Vicente e a outra da Guanabara.
Dificuldades inesperadas resolvidas, deixam o Forte São João, em Buriquióca (1565), com destino ao Rio de Janeiro, levando cerca de 200 homens, seguido de algumas canoas lotadas de mamelucos e indígenas aliados. Das localidades litorâneas paulistas partem Jorge Ferreira (Senhor de Itapema), Diogo Braga, José Adorno, Heliodoro Eobanos Pereira, Gonçalo de Oliveira, Pedro Martins Namorado, dentre outros.
Finda a trégua conquistada, que se deu com o fortalecimento do processo de colonização lusitana, tomando posse das terras os colonos, lançando-se os portugueses sobre as aldeias rebeladas, a matar ou escravizar indígenas nos trabalhos cotidianos da Colônia. Seu exército reforçado pelos Tupiniquins e Termiminós, de Niterói.
A resistência dos Tamoios impunha entrave à permanência dos colonos lusos, Cristovão Monteiro, residente na Ilha de Santo Amaro, viveu esse momento conforme mencionado numa Carta de Sesmaria de 1556:
"(...)e porque até agora como está dito e notório a dita Ilha [Santo Amaro ou Guaimbê] esteve e está despovoada, e inabitável por respeito das muitas guerras sucedidas nestas Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, pelo qual respeito havendo este impedimento o suplicante não ousou fazer sua Fazenda nas ditas terras, sem embargo de nelas trazer muito gado vacum, tempos atrás passados fez canaviais e roçaria de mantimentos nas ditas terras e ora com ajuda de Nosso Senhor tem ordenado com seus cunhados e parentes e alguns índios principais da terra, tornarem a roçar e fazer Fazenda nas ditas terras..."
Março de 1566, por duas vezes os Tupinambás investem ferozmente contra as Vilas de São Vicente, Santos e arrabaldes da marinha.
Somente em 1567, tendo a ajuda de Mem de Sá, mais seus homens, auxiliando Estácio de Sá e os guerreiros do Cacique Arariboia (do povo indígena Termiminó) provocou a derrota definitiva dos Tamoios e franceses, nas batalhas da Guanabara. Exterminam milhares de índios Tupinambás, alvejando-os a tiros, passados pelo fio da espada, suas Tabas incendiadas, violentamente vencidos. As cabeças de Aimberê e outros Caciques Tamoios foram cortadas e exibidas em estacas.
Ainda nesse ano de 1567, sucede ataque dos Tupinambás à Vila de São Vicente, que alarma os habitantes da marinha paulista. Devastam fazendas e raptam quatro mulheres. Pouco depois, nova ofensiva, esta porém repelida e desbaratada, sendo os índios inimigos perseguidos até suas malocas pelas cercanias, de onde são resgatadas as mulheres.
20 de Março de 1570, promulgada Lei que proíbe aprisionamento de indígenas fora da Guerra justa ou sem Ordem do Rei.
Em 2 de Junho de 1573, Bula do Papa Paulo III declarando que os Índios são homens racionais e podem pertencer à Igreja Católica.
No dia 28 de Agosto de 1578, a Câmara de São Vicente intima o ferreiro Bartolomeu Fernandes (único da Vila), "a não ensinar a indígena algum o ofício porque era de grande prejuízo para a terra."
Muito embora as relações entre os nativos brasílicos e lusitanos fossem pautadas de restrições, seja devido o preconceito racial ou visões de mundo diferenciadas, tornou-se promíscua em virtude do amasiamento vigente, estabelecido nos relacionamentos conjugais envolvendo os portugueses emigrados e as mulheres indígenas. Aproveitado do costume conjugal dos índios, a novidade maravilhosa daquelas formas femininas à vista, certa saciedade sexual provinda da poligamia.
Pero Lopes de Sousa deixou no seu Diário de Navegação consignadas expressões reveladoras de pasmo e entusiasmo dele e dos homens que o acompanhavam, pela formosura das indígenas. Teria ele instalado moradia em terras suas, no Japuí (Capitania Vicentina), tornando-se verdadeiro Sultão de um harém de belas Cunhantãs.
Em Buriquióca havia um certo Pascoal Barrufo, que fazia servir-se à mesa por jovens escravas indígenas, no maduro esplendor da feminilidade, como outras tantas "Evas do Paraíso". Dava-se descaradamente à fantasia, e com isto a escandalizar os seus hóspedes mais respeitáveis.
Tantos mais ficaram presos aos encantos das mulheres indígenas, que aliás prestavam-se a ficar como "dóceis escravas" de seus maridos "brancos", juntamente com alguns de seus irmãos e parentes agregados. Formando assim, aquilo que os espanhóis denominavam de "conhadio". João Ramalho e outros portugueses valeram-se dessa condição para facilitar a aliança com o povo Tupiniquim, pois ao terem filhos das índias amásias passavam a fazer parte daquela Tribo. Ganhavam a simpatia dos nativos, sutilmente introduzindo verdadeira forma de dominação, bem como a apropriação da Terra Brasilis. A trazer profundas modificações a vida dos indígenas.
Comenta José de Anchieta a respeito da união conjugal dos Tupiniquins:
"(...)em Piratininga, da Capitania de S. Vicente, Cay Oby, velho de muitos annos, deixou uma (mulher) de sua nação, também muito velha, da qual tinha um filho, homem muito principal e muitas filhas casadas, segundo seu modo, com índios principaes de toda aldeã de Jeribãtiba, com muitos netos, e sem embargo disso casou com outra que era Guayanã das do mato, sua escrava tomada em guerra, a qual tinha por mulher."
Havia tolerância quanto a mancebia dos portugueses com as nativas indígenas (ainda que os padres recriminassem), até pela falta de mulheres lusas, dada a necessidade de ampliar a presença portuguesa na Colônia brasílica. A originar os primevos mestiços mamelucos (curimbocas), mistura de índios e brancos. Mesmo que os colonizadores Lusos não se casassem legalmente (já constituidores de famílias no Reino portugês), reconheciam os filhos "ilegítimos", batizando a prole, dando-lhes nomes cristãos.
A miscigenação ensejando a formação inicial da mescla constituinte do povo brasileiro.
Em vista do pequeno número de famílias naqueles primórdios, tinha por força de haver casamentos consanguíneos entre elas. Após a primeira ou a segunda geração, não haveria na Capitania Vicentina quem não fosse possivelmente aparentado entre si. O Barão Sousa Queiroz, cidadão de grande prestígio na Vila de São Paulo de Piratininga (século XVI), procurando certa feita instruir um parente (longos anos ausente) acerca das relações de família, assim o aconselhava:
"Quando vires alguém decentemente trajado, dá-lhe o tratamento de primo, porque o é de fato."
Este processo gerou a primeira numerosa descendência dos Paulistas, compondo a gente do Brasil.
João Ramalho amancebou-se com a filha do Cacique Tibiriçá e de sua mulher Potira, Aldeia de Inhauambuçu, a formosa índia Bartira (Mbici), nome de batismo Isabel Dias, dela ganhou muitos filhos. Também teve descendentes com outras mulheres indígenas, inclusive tomando para si as irmãs de Bartira. Ajudado por seus descendentes mamelucos (curimbabas) e parentela controlava o Planalto Piratininga, estabeleceu Postos no litoral para fazer comércio com os navegadores europeus. De João Ramalho derivam inúmeras famílias paulistas. Fala-se que teria um filho batizado, José Fernandes. Uma filha sua chamava-se Joana Ramalho. Até pretendeu Ramalho oficializar a união com Isabel Dias (Bartira), quando pediu ao seu parente português, o Padre Manuel da Nóbrega, consultar os superiores eclesiais sobre ele verdadeiramente se casar com a mãe de seus filhos. Constam como seus descendentes em variados graus de parentesco, André Ramalho, Antônio de Macedo, Marcos Ramalho, João ou Jordão Ramalho e Antônia Quaresma.
Antônio Rodrigues, outro vivente da terra (chegado antes da Expedição Marítima Afosina), amasiado com a filha do Cacique Piquerobi, Aldeia de Ururahy, batizada Antônia Rodrigues. Grande foi sua prole e prestígio na Vila de São Vicente. Habitava em terras da marinha defronte de Tumiarú (fogaréu). Ali funcionava um rústico Porto destinado a mercancia (escravos, pau-brasil, farinha de mandioca, frutas) da Colônia, quanto dos navios europeus. Era sócio de João Ramalho nestes negócios.
Diogo de Braga (também vivente da terra antes de 1532) amancebado com uma mulher indígena (de nome desconhecido), vivia entre índios e parentes agregados em Buriquióca (tido pelas autoridades portuguesas lugar de degredo). Cinco de seus filhos mamelucos são conhecidos: João de Braga, Diego de Braga, Domingos de Braga, Francisco de Braga e André de Braga. Tinha por parente consanguíneo Jerônimo (Braga), devorado pelos Tupinambás. Estes Bragas (companheiros de João Ramalho) se constituíram em defensores de Buriquióca, repelindo a incursão dos indígenas inimigos através do Rio de Bertioga, pelas trilhas da Ilha Guaimbê rumo às Vilas de Santos, São Vicente e demais lugarejos da marinha paulista.
Jorge Ferreira, Fidalgo português (Senhor de Itapema), vindo na Expedição Afonsina, amancebou-se com a mameluca Joana Ramalho, filha de João Ramalho e Bartira, neta de Tibiriçá. Teve como filhos, Jorge Ferreira (canibalizado por índios Tupinambás) e Baltazar Ferreira, que matou um suposto "monstro marinho", o Hipupiara, em águas vicentinas. Pai de três filhas mais, Catarina Ramalho, Joana Ferreira e a influente Marquesa Ferreira. Teria voltado à Portugal e retornou com espôsa e filhos europeus. Daí presumir-se ter duas famílias.
José Adorno casou-se em 1560, com a mameluca Catarina Monteiro, filha de Cristovão Monteiro (neta de Jorge Ferreira e bisneta de João Ramalho). O casal mandou contruir uma capela na Vila de Santo Amaro (1559), dedicada a este santo.
O elemento feminino catalisador da mistura dos povos, representado por tantas mulheres anônimas ou conhecidas.
Margarida Fernandes, filha do Cacique Tupiniquim de Ibirapuera, amásia de Braz Gonçalves. Maria de Grã (Terebé), filha do Cacique Tibiriçá, mulher do ex-Jesuíta Pero Dias. Ana Camacho (mameluca), descendente de João Ramalho, mulher de Domingos Luiz (alcunhado "Carvoeiro"). Suzana Dias, filha de Lopo Dias (neta de Tibiriçá), casada com Manuel Fernandes, desbravador do Sertão. Mércia Fernandes, espôsa de Salvador Pires (bisneta de Piquerobi), que propagou muitos descendentes, sendo merecidamente qualificada de "Assú" (Meci-Assú) tais seus predicados femininos.
A Capitania toma conhecimento de nova Lei instituída à 31 de Dezembro de 1601, abolindo o cativeiro de indígenas, decisão que irrita muito os Paulistas.
No ano de 1607, em viagem para o Rio de Janeiro, os Padres Jerônimo Rodrigues e J. Lobato, levando com eles na embarcação 150 índios de Santa Catarina, naufragam na região do Litoral Paulista e são atirados às praias da Vila de Santos. O Capitão da Vila arrebata dos padres os indígenas e os distribui entre os moradores do lugar.
30 de Julho de 1609, Lei de Felipe II declara os Índios livres. Com isso passa também a vigorar na Capitania Vicentina, tal Lei decretando livres do cativeiro os indígenas do Brasil.
Anos depois (1611), outra Lei do Rei Felipe II decreta que o cativeiro será permitido quando feitos prisioneiros de guerra.
22 de Junho de 1640, protestos nas Vilas das capitanias do Brasil, com a posição do Papa Urbano VIII em favor da liberdade dos Índios. Motivando sérias contendas entre os colonos portugueses e os padres da Companhia de Jesus.
Março de 1645, os oficiais da Câmara de São Paulo de Piratininga, após ferrenho conflito com os padres jesuítas, fazem uma súplica ao Papa Urbano VIII, pedindo reconhecer a necessidade de terem sob sujeição os indígenas, sem o que não era possível cultivar a terra, ficando prejudicada a remessa anual de "muita quantidade de carne e legumes", bem como "de muitos mil alqueires de trigo", com que costumavam socorrer o resto do Brasil e a própria Angola.
Pelo ano de 1681 chega notícia à Capitania, da Ordem do Rei D. Pedro II (Regente de Portugal) mandando abolir o escravagismo dos indígenas. Essa medida sugerida pelo Padre Vieira provocaria em São Paulo sérios tumultos, pois além disso mandava entregar aos Jesuítas a administração temporal e espiritual dos índios.
Dia 7 de Novembro de 1691, Carta Régia proibindo a mudança de índios para as minas de Iguape e Paranaguá, recomenda aos oficiais da Câmara de São Paulo a formação de duas aldeias junto as mesmas minas.
Com datas de 26 de Janeiro e 19 de Fevereiro de 1696, as Cartas Régias concedendo sob certas condições aos moradores do Brasil a administração dos índios.
29 de Abril de 1708, publicada Carta Régia que permitia o cativeiro de indígenas, quando aprisionados em batalha, podendo também serem vendidos para indenização das despesas da Fazenda Real com a guerra.
No ano de 1743, o Rei D. João V, atendendo à sugestão do Brigadeiro José da Silva Paes, ordena que se transfira para a Ilha de Santa Catarina, a aldeia de Itanhaém.
Apesar do degredo João Ramalho manteve-se leal à Coroa Lusitana, apaziguou o ânimo dos nativos, pois exercia influência sobre milhares de indígenas. Persuadiu o Cacique Caiuby a aliar-se aos Peros.
Houve festa, cantos e danças, os Guaianãs ornados de adereços corporais, colares e penas de cores variadas.
Serviu Ramalho de intermediário e protetor dos portugueses colonizadores. Muito auxiliou Martim Afonso de Sousa passando as informações necessárias a respeito do Litoral Paulista, desta terra por conquistar, conhecedor dos perigos da região litorânea e o Caminho da Serra (Peabirú) adiante para o Planalto Piratininga. Para alcançar este importante caminho saía-se da Vila de São Vicente (Tumiarú), de onde tomavam embarcações por um lagamar denominado "Morpion". Através dos rios chegava-se no ancoradouro de Piaçaguera, seguindo numa área alagadiça (região de Cubatão) pelo Rio Quilombo até a raiz da Serra de Paranapiacaba, e daí um dos trechos do Caminho Peabirú ("grama amassada"), acesso que se fazia a pé, em burros ou cavalos para o Planalto Piratininga. Trilha ligando o litoral ao altiplano paulista, usada pelos indígenas, seguido dos lusitanos e viajantes.
A pacificação dos indígenas contrários, contudo, não fora definitiva. Antes que eles de novo se rebelassem. Entre estes alguns grupos de Tupiniquins e Tupinambás (Tamoios).
JOÃO RAMALHO ENTRE OS INDÍGENAS DO PLANALTO PIRATININGA [SÉCULO XVI].
Tupiniquim - também referido Tupinaquis, Tupinanquins, Tuppin Ikin (Tuppin = Tupi / Ikin = vizinho). Tribo habitante do Planalto Piratininga, povo que se autodenominava Tupi, assim chamado pelas outras tribos - de Tupiniquim.
Antonio Knivet (1595) fala em Twpinaquis habitando em São Vicente, naqueles idos do Século XVI. O cronista Simão de Vasconcellos assinala a presença de Ticpis para os lados de Cananéia, e também de Twpinaquis, senhores da região entre Itanhaém e o Valle de Iguape. Ocupavam ainda o sertão Piratininga através do Vale do Paraíba até a região de Paraty, na Guanabara.
Moravam em Ocas, que tinham estrutura de troncos de árvores e firmes galhos entremeados por amarras, tudo coberto de palha, sem nenhum repartimento. Dormiam em redes, sendo que cada Oca era coabitada por 30 ou 40 indígenas. Eram semi-nômades nas aldeias faziam roças, cultivavam especialmente mandioca, inhame, abóbora, amendoim. Mas nos meses de frio (Maio a Agosto) desciam a Serra do Mar em diversos trechos do Litoral Paulista à busca de peixes, siris, ostras, mariscos, caranguejos.
MODO DE VIDA DOS INDÍGENAS TUPIS [SÉCULO XVI].
Andavam nus, corpos pintados e ornamentados. Tinham a pele avermelhada, cabelos negros e muito lisos, que os homens usavam cortados por cima das orelhas e as mulheres soltos pelos ombros, apresentando bonitas feições. Alguns ostentavam cocares feitos com penas de papagaio e colares de contas miúdas. No lábio inferior trespassavam um finete de osso enfeitado de peninhas coloridas, que aparentemente não perturbava nenhuma função. Falavam, comiam e bebiam sem que o adereço fosse um estorvo.
Usavam cestos feitos de palha e utensílios de cerâmica.
Parte das tribos Tupiniquins aliaram-se aos Portugueses contra seus inimigos Tupinambás e os invasores franceses, a partir do convívio com os colonizadores Lusos, a catequese dos padres, foi abandonado o antigo hábito da antropofagia. Embora por vezes comessem seus adversários.
Duma feita (1550), os Tupiniquins guerrearam contra os Tamoios e tomaram a Tribo inteira. Os velhos foram devorados e os moços sobreviventes todos trocados por mercadorias com os Peros (Lusitanos).
ÍNDIOS TUPINIQUINS ATACAM ALDEIA DOS TUPINAMBÁS - SÉCULO XVI.
Tupinambás - já referido Tuppin Inbá (Tuppin = Tupi / Inbá = descendente), considerado como "o povo Tupi por excelência". Tamoio ("mais antigo") era outro chamamento dado pelos rivais Tupiniquins, aos índios Tupinambás. Povo indígena que ocupou a Costa Marítima Sudeste, desde Cananéia até as águas da Guanabara. Entretanto, ficavam agrupados nas suas aldeias de Ubatuba (Iperoig) e São Sebastião (Maembipe). Os Tupinambás moravam em Malocas feitas de troncos de árvores e firmes galhos entremeados por amarras de cipós, cobertas de palha, com aberturas de ventilação e iluminação, sem nenhum repartimento. Cada tribo se compunha de 6 a 8 Ocas, entorno de um pátio central, abrigando de 200 a 600 indígenas. Dormiam em redes. Nos tempos de guerra a Taba ficava cercada por uma "Paliçada", fortificação feita de troncos.
PESCARIA DOS ÍNDIOS TUPINAMBÁS NAS ÁGUAS DA COSTA MARÍTIMA SUDESTE [SÉCULO XVI].
ÍNDIAS TUPINAMBÁS CULTIVAM MANDIOCA [SÉCULO XVI].
ÍNDIAS VIRGENS TUPINAMBÁS PREPARAM A BEBIDA CAUIM [SÉCULO XVI].Eram semi-nômades praticavam a agricultura de tubérculos (mandioca, inhame, batata, milho abóbora), viviam da caça e frutos coletados. Pela proximidade das aldeias com o mar dominavam a navegação de pequenas embarcações (canoas) através do Litoral Paulista. Exploravam a região à procura de peixes marinhos, frutos do mar e do manguezal, matéria-prima para artefatos indígenas. Dos peixes paratis secos, depois ralados faziam o farináceo chamado Pira-Kui (Pira-Iquê). Fabricavam uma mistura de sal e pimenta nativa (Gecay) que comerciavam com os navios franceses. Com a mandioca, milho, misturado ao fruto abbati também produziam uma espécie de bebida fermentada, o Cauim, acompanhamento tradicional dos banquetes de carne humana. E ainda modelavam utensílios de cerâmica (cuias, caldeirões, tachos), trançavam cestos e esteiras de palha.
TRIBO TUPINAMBÁ DANÇA ENTORNO DE OBJETO CERIMONIAL [SÉCULO XVI].
TRIBO TUPINAMBÁ CANTA E DANÇA DURANTE CERIMÔNIA CANIBALISTA [SÉCULO XVI].
TRIBO TUPINAMBÁ CANTA E DANÇA DURANTE CERIMÔNIA CANIBALISTA [SÉCULO XVI].
Os índios Tupinambás andavam nus, pintados e enfeitados. Sendo altos, bem robustos. Os homens tinham os cabelos cortados acima das orelhas e raspava-os em semicírculo no alto da cabeça, as mulheres usavam escorridos pelos ombros. Usava o índio Tamoio no lábio inferior perfurado, um finete de osso com uma pedra verde, ornamentado de peninhas multicores.
José de Anchieta (1553) descreve peculiarmente um Tupinambá diante de si: Feliz na sombra do seu labirinto, a flora. Nos elos de seu cativeiro, a fauna. Canibal da era neolítica, em pleno delírio cromático, em um país de fogo e de sangue. O índio trazia o sexo apenas velado pela tanga, penas amarelas, grinaldas ao cocoruto, manilhas de outras, policromadas, nos pulsos e tornozelos, ramos de búzios ao pescoço, tambetas de osso, de âmbar, ou de quarto na beiçola, pingentes nas orelhas, adornos de barro cozido na face esburacada. Abaixo dos joelhos, como franjas, pendiam os Taparucás vermelhantes e por todo corpo depilado, sinuosamente, ondeavam lavores negros ou rubros, feitos à tinta de genipapo e urucum. Outras vezes, sob a plumagem dos cocares, prendia às nacas de uma roda de penas cinzentas, longas penas de Ema. Vagava por brechas, aldeias e rios. À mão esquerda, o arco devorador de feras, à direita o Maracá, evocador de mortos, sepultados nas Igaçavas com seus instrumentos de trabalho. Os mais belicosos exibiam a Tangapena dos sacrifícios, pendentes na nuca, ou infindáveis colares de 3000 dentes - os dentes dos inimigos devorados, onças ou homens.
FAMÍLIA TUPINAMBÁ - ONDE NOTA-SE AS CARACTERÍSTICAS ESTILIZADAS DO CASAL INDÍGENA - SÉCULO XVI [THEODOR DE BRY].
Conhecidos por sua agressividade, durante os confrontos partiam pra cima dos adversários sem nenhum tipo de proteção. Alguns guerreiros Tamoios cobriam todo o corpo (dos olhos aos joelhos) com pinturas semelhantes à várias letras "T" encaixadas simulando um labirinto. Acreditavam que esses desenhos mantinham o corpo "fechado" contra os golpes inimigos. Além disso, traziam envolta no peito metros de corda de algodão (mussurana), a qual usavam para enlaçar vivos seus cativos. Dessa forma os inimigos eram subjugados prisioneiros por meses até o festim antropofágico.
Conta Hans Staden, artilheiro alemão, cativo dos Tupinambás (meados do século XVI), "quando combatem na guerra gritam um para o outro: para vingar a morte dos meus amigos, estou aqui, tua carne será hoje, antes que o sol entre, meu assado."
Narrativas daquela época, mencionam certa vez que os Tamoios prepararam-se para o combate e partiram de Iperoig (Ubatuba) numas dezenas de canoas pelo Litoral Paulista até determinada aldeia Tupiniquim. A viagem estendeu-se por semana. Os guerreiros Tamoios chegaram furtivos e numa investida surpresa cercaram a Taba. Na calada da noite dispararam uma chuva de flechas, muitas providas de mechas de algodão chamejante, ao invés de trovões, gritos de pavor. Os indígenas Tupiniquins sitiados gastaram suas flechas contra um inimigo invisível, escondido na escuridão da mata. Índias e curumins (suscetíveis de canibalismo) correram para o meio do arraial desesperados.
Quando começou a flecharia, os Tupiniquins não se renderam facilmente. Sequer tinham escolha. Uns gravemente feridos por flechadas e porretadas, perderam a vida ali mesmo. Seus corpos foram esquartejados pelos Tupinambás, com machados-de-pedra afiada, para então serem comidos depois. Já os que acabaram vivos assistiram à encenação da sua futura morte. Alguns Tamoios cravavam os dentes nos próprios braços. Era a forma usual de mostrar aos inimigos como seriam devorados numa comilança antropofágica. Os prisioneiros restantes ainda tiveram o desgosto de ver em chamas todas as suas Ocas. Ao final da batalha, aldeia Tupiniquim estava inteiramente destruída.
ÍNDIOS TUPINAMBÁS ENFRENTAM TRIBO INIMIGA [SÉCULO XVI].
Todavia, segundo outras observações do comportamento destes Tupinambás denotam serem curiosos e observadores. Um padre francês Claude D'Abeville que teve encontro com grupo de Tamoios, no Maranhão, escreve:
"Imaginava que iria encontrar verdadeiros animais ferozes, homens selvagens e rudes. Enganei-me totalmente. São grandes discursadores, possuem muito bom senso e só se deixam levar pela razão, jamais sem conhecimento de causa."
Entretanto, contra seus adversários, o povo Tupinambá mostrava-se bastante impiedoso. Era temido pelo gosto particular por carne humana.
O canibalismo para as tribos antropofágicas tinha um sentido de auto-afirmação, de identidade, prevalência na conformação social indígena. Esta ingestão de carne humana acontecia como resultado de ações simbólicas, ritualizadas em cerimônias. Acreditavam consumir as forças espirituais do inimigo. Sentiam vingados de guerras passadas seus parentes e antepassados. Servia à confraternização entre tribos amigas.
O padre Claude D'Abeville comenta sobre este costume Tupinambá:
"(...)Não é prazer propriamente que leva [as mulheres] a comer tais petiscos, nem o apetite sexual, pois de muitos ouvi dizer que não raro a vomitam depois de comer, por não ser seu estômago capaz de digerir a carne humana. Fazem-no só para vingar a morte de seus antepassados e saciar o ódio invencível e diabólico que votam a seus inimigos..."
Relata Hans Staden conversa sugeneris tida com um cacique Tamoio:
"(...)Durante isto Cunhambebe tinha à sua frente um grande cesto cheio de carne humana. Comia de uma perna, segurou-a diante da boca e perguntou-me se também queria comer. Respondi: "Um animal irracional não come outro parceiro, e um homem deve devorar um outro homem?" Mordeu-a e disse: "Jauára ichê". Sou um jaguar. Está gostoso..."
MULHERES TAMOIAS CUIDAM DE VÍTIMA PARA O SACRIFÍCIO ANTROPOFÁGICO [SÉCULO XVI].
Após o aprisionamento de um inimigo ao chegar a Taba, as mulheres e as crianças o esbofeteavam. Enfeitavam-no depois com penas pardas, raspavam-lhe as sobrancelhas, dançavam em roda dele e amarravam-no bem para que não fugisse. Os Tupinambás ofereciam ainda uma índia para cuidar do prisioneiro. No dia do sacrifício, uma grande festa era realizada, todos dançavam entoando cantos tribais, bebia-se muitas cuias de Cauim. Levado ao terreiro, pintado e enfeitado, preso pela corda Mussurana, segurada nas extremidades por dois índios, o cativo esperava seu carrasco, vestindo seu manto de penas de Guará Vermelho, aproximar-se de sua presa imitando uma ave de rapina. Recebia a Ibirapema (espécie de porrete), das mãos de um velho matador. Nisso desferia um golpe certeiro na nuca do cativo, rompia-lhe o crânio e lançava-o ao chão. De imediato, acudiam as velhas índias com cabaças para recolher o sangue que se espalhava, a experimentar os miolos do cérebro. Nada deveria ser perdido, tudo precisava ser consumido e todos deveriam fazê-lo. As mães besuntavam seus seios de sangue para que os bebês também pudessem provar do inimigo.
TUPINAMBÁS SACRIFICAM VÍTIMA PARA O BANQUETE ANTROPOFÁGICO [SÉCULO XVI].
TUPINAMBÁS ESQUARTEJAM E TRATAM VÍTIMA PARA A COMILANÇA CANIBAL [SÉCULO XVI].
TRIBO TUPINAMBÁ NUM BANQUETE DE CARNE HUMANA [SÉCULO XVI].
TRIBO TUPINAMBÁ FESTEJA COMILANÇA ANTROPOFÁGICA [SÉCULO XVI].
TRIBO TUPINAMBÁ FESTEJA COMILANÇA ANTROPOFÁGICA [SÉCULO XVI].
CURUMINS E ÍNDIAS TAMOIAS COMEM O ENSOPADO DE VÍSCERAS E ÓRGÃOS HUMANOS - SÉCULO XVI [THEODOR DE BRY].
As mulheres tamoias então colocavam o morto numa fogueira, tapavam-lhe o ânus com um toco para que nada escapasse por ali, raspavam toda a pele e abriam a vítima retirando as vísceras. Preparavam as partes humanas, assadas, moqueadas ou cozidas. As carnes mais duras eram secadas e devoradas pelos homens. As mulheres e crianças apreciavam um ensopado feito de órgãos e vísceras. Dos ossos faziam flautas e assobios, conservados como troféu. Os crânios encravados em paus na frente da cabana do matador davam-lhe prova de valor, seus dentes ornavam longos colares.
JOÃO RAMALHO INDICA A MARTIM AFONSO NO PORTO PIAÇAGUERA (CUBATÃO), O CAMINHO PEABIRÚ AO PLANALTO PIRATININGA - SÉCULO XVI [BENEDITO CALIXTO].
Quando da intervenção de João Ramalho, ainda no outono de 1531, sugeriu ficarem em Buriquióca (Bertioga) alguns homens junto com Diogo de Braga (vivente da terra) e seus cinco filhos mamelucos (curimbabas), para maior ocupação do lugar e levantamento de uma "Estacada" (barreira de troncos).
No ano de 1540, já se tinha notícia da contrariedade de certos indígenas às empreitadas de colonos portugueses (Engenhos, plantações) na Capitania Vicentina. Através de documento oficial de Brás Cubas revela a dificuldade de cultivar Jurubatuba devido a oposição constante dos índios das Serras vizinhas:
"(...)e por ele Brás Cubas foi também pedido a ele Capitão mandasse a mim Tabelião que desse fé em como haviam três anos que João Pires Cubas, seu pai, viera a esta terra, com fazenda e gasto para aproveitar as ditas terras e tomando posse delas aproveitá-las o que todo deixou de fazer por a dita terra ser habitada por gentios nossos contrários e por esse respeito as não pudera nem podia aproveitar..."
Em Setembro de 1542, registro de uma ofensiva por parte dos Tupinambás à Vila de São Vicente.
Na data de 21 de Junho de 1543, são instituídas pela Câmara de São Vicente, duas posturas regulando o comércio de escravos indígenas. Pela 1ª - Limita-se o preço da compra do índio-escravo a 4$000 por cabeça. Pela 2ª - Nenhum "cristão" devia maldizer do outro, na presença de índios, nem depreciar-lhe a mercadoria.
Em 11 de Fevereiro de 1544, D. Ana Pimentel (donatária, esposa de Martim Afonso) revoga a proibição do comércio entre Lusos do Litoral da Capitania Vicentina e índios do Planalto Piratininga.
A ILHA GUAIMBÊ (SANTO AMARO) E REGIÃO FOI PALCO DE BATALHAS ENTRE TUPINIQUINS, TUPINAMBÁS E COLONIZADORES PORTUGUESES [SÉCULO XVI].
A construção duma rudimentar Casa-Forte (por volta de 1547), na foz do Rio Bertioga, adjacente à Ilha Guaimbê (Santo Amaro), chamou a atenção dos Tamoios de Ubatuba. Logo que isso descobrem, preparam uma invasão. Centenas deles partem em canoas. Atacam de madrugada. Portugueses e mamelucos correram para uma casa de pau-a-pique, e ali se defendem. Os índigenas aliados protegeram-se nas cabanas e resistem quanto podem. Muitos Tupinambás perecem, mas por fim derrotam os habitantes de Briquióca. Somente colonos e mamelucos salvam-se. Capturam todos os índios adversários, esquartejam os cativos dividindo entre si. Depois rumaram para sua Taba.
Reforçada a Casa-Forte de "Estacada", na povoação de Buriquióca, além de homens dotados de algum armamento, ao decorrer daquele ano, os guerreiros Tamoios de novo investem contra a localidade. Em plena luz do sol, desembarcam pela praia ao berros e correria. Quando perceberam que seus moradores comandados por Diogo Braga ofereciam grande resistência, bateram em retirada.
Tentam outra tática. Vieram de noite, mas por água, adentraram o Rio Bertioga até o estuário Guarapissumã e dali para a Vila de São Vicente. Aprisionam todos quantos encontraram lá. Os que moravam mais longe pensavam não correr perigo, visto existir uma Casa-Forte na vizinhança, pelo que sofreram muito.
Por causa disso, deliberaram os habitantes edificar outro Fortim (Forte São Felipe) à margem d'água, bem defronte na Ilha Guaimbê (Santo Amaro), pois os guerreiros Tupinambás evitavam o mar aberto sacudido pelas vagas. Então colocar canhões e gente para impedir os indígenas rebelados acessar o Rio Bertioga ou a terra firme pelos caminhos da Ilha do donatário Pero Lopes de Sousa, acossando a Vila de Santos, Ilha Pequena (Barnabé), Itapema e Vila de São Vicente. Boiçucanga, mais adiante (paragens dos Tupiniquins), também viveu renhidas batalhas envolvendo os dois povos Tupis.
Data de 12 de Maio de 1548, correspondência de Luís de Góes ao Rei D. João III, informando que à época existiam na Capitania de São Vicente, "mais de seiscentas almas e de escravaria (índios) mais de três mil."
COSTA MARÍTIMA SUDESTE LUGAR DE BATALHAS ENVOLVENDO TUPINIQUINS, TUPINAMBÁS E PORTUGUESES [SÉCULO XVI].
Nesses tempos, Hans Staden (Aventureiro, Artilheiro alemão, protestante), tripulante de uma pequena Esquadra Hispânica, no ano de 1549, naufragado na Costa Marítima Sudeste da Terra Brasilis (Itanhaém) veio aparecer na Vila de São Vicente, relacionando-se com os habitantes do Litoral Paulista e acabou envolvido no conflito entre os índios Tamoios e os Portugueses colonizadores. Sendo informado das vicissitudes enfrentadas pelos colonos lusitanos nas localidades da marinha.
Buriquióca era o lugar onde os Tupinambás inicialmente chegavam. Este ponto do Litoral representava a primeira defensa da Capitania Vicentina e deveria ser melhor fortificada. Os moradores já haviam levantado uma Casa-Forte (de paus), depois reforçada por uma "Estacada" (barreira de troncos). Contudo, os Tupinambás mostravam-se mais audaciosos.
Se fazia necessário erigir um Forte de pedras às margens da Ilha de Santo Amaro (Guaimbê), mas não havia Artilheiro português disposto à arriscar a vida permanecendo ali.
HANS STADEN NAUFRAGA EM ITANHAÉM NO LITORAL PAULISTA - SÉCULO XVI [THEODOR DE BRY].
"(...)A maior parte do tempo estive no Forte com mais tres e tinha algumas peças commigo, mas estava sempre em perigo dos selvagens porque a Casa não estava bem segura. Era necessario estar alérta para que os selvagens não nos surprehendessem durante a noite, o que varias vezes procuram; porém, Deus sempre nos ajudou, e sempre os percebemos..."
Em 1550, quando caçava nas "picadas" da Ilha Guaimbê, cercanias da Prainha Branca (região do "Rabo do Dragão"), o Artilheiro alemão à serviço das autoridades portuguesas, foi capturado pelos Tamoios:
"(...)Quando ia indo pelo matto, ouvi dos dois lados do caminho uma grande gritaria, como costumam fazer os selvagens e avançando para o meu lado. Reconheci então que me tinham cercado e apontavam flechas sobre mim e atiravam. Exclamei: Valha-me Deus! Mal tinha pronunciado estas palavras quando me estenderam por terra, atirando sobre mim e picando-me com as lanças. Mas não me feriram mais (Graças a Deus) do que uma perna, despindo-me completamente... (...)Finalmente dous levaram-me, nú como estava, pegando-me um em um braço e outro, no outro, com muitos atrás de mim e assim correram commigo pelo matto até o mar, onde tinham suas canôas. Chegando ao mar vi, á distância de uma pedrada, uma ou duas canôas suas, que tinham levado em terra, por baixo de uma moita e com uma porção delles em roda..."
Ao retornarem rumo a sua Tribo, seguem antes para a pequena Ilha do Guará (junto à Ilha Guaimbê), atrás de penas dos pássaros Uwara. Na encosta da Ihota avistam um grupo de Tupiniquins e alguns portugueses, entre eles o seu escravo Carijó que o tinha acompanhado ao ser surpreendido pelos índios Tupinambás, e escapulira dando o alarma em Buriquóca.
HANS STADEN, ARTILHEIRO DO FORTE SÃO FELIPE CAPTURADO PELOS TUPINAMBÁS NA ILHA DE SANTO AMARO [SÉCULO XVI].
"(...)Pensavam vir livrar-me e gritaram para os que me capturaram que viessem combater, si tivessem coragem. Voltaram então com a canôa para os que estavam em terra e estes atiraram com sarabatanas e flechas e os da canôa responderam..." - Hans Staden é obrigado pelo Cacique Tamoio a atirar contra portugueses e Tupiniquins, dando-lhe uma espingarda, pólvora, então trocada com os franceses.
"(...)Depois de terem combatido um pouco, ficaram com medo de que os outros tivessem canôas para os perseguir, pelo que fugiram. Tres delles tinham sido atirados..." - Cruzaram ao largo de Buriquióca e passando em frente fizeram o Artilheiro alemão ficar de pé para que seus companheiros o vissem. Do Forte São Felipe disparam dois tiros, porém não os alcançaram. Enquanto isso, saem canoas de Bertioga para tentar pegá-los. Mas os Tupinambás fugiram depressa, sem que os lusos e índios aliados nada pudessem fazer... Desistiram.
Seguindo viagem pernoitam escondidos nas ilhas e praias do Litoral Paulista, remam por dias em direção a Iperoig. Ao chegar em Ubatuba, Hans Staden foi forçado a saudar a Tribo na sua língua nativa gritando: "Eu, vossa comida, cheguei." Todos os indígenas aproximaram-se para vê-lo. Passando a sofrer insultos e agressões das índias tamoias e curumins. Contudo, os Tupinambás não pretendiam devorá-lo ainda:
"(...)Logo depois vieram os dous que me capturaram, um de nome Iepipo Wasu e seu irmão Alkindar Miri, e contaram-me como tinham me dado ao irmão de seu pae, Ipperu Wasu, por amizade. Este me devia conservar e me matar quando me quizesse devorar..."
HANS STADEN CATIVO DOS INDÍGENAS TUPINAMBÁS NAS PARAGENS DO LITORAL PAULISTA [SÉCULO XVI].
A princípio os Tupinambás pensavam ter aprisionado um "Pero" (português). Diante da contradita de Hans Staden dizendo-se Alemão e amigo dos franceses (Meri), ficam confusos achando que fosse mentira do prisioneiro, pois estava no meio dos invasores portugueses.
"(...)Tinham vindo os portuguezes ha muitos annos a esta terra, e tinham, no logar onde ainda moravam, contrahido amizade com os seus inimigos. Depois, tinham se dirigido elles tambem aos portuguezes para negociar, e de boa fé foram aos seus navios e entraram nelles, tal como faziam ainda hoje com os francezes; mas quando os portuguezes julgavam que havia bom numero nos navios, os atacaram, amarraram e entregaram aos seus inimigos, que os mataram e devoraram. Alguns tinham sido tambem mortos a tiros e muitos soffreram outras crueldades mais. Diziam que os portuguezes tinham praticado assim, porque tinham vindo guerreal-os, com seus inimigos..." - Assim sendo ficaram as relações destes envolvidas de animosidade.
"(...)Os portugueses tem o costume de ir á terra dos seus inimigos, porém bem armados, para negociar com elles. Dão-lhes facas e anzóes, por farinha de mandioca que os selvagens tem em muitos logares, e que os portuguezes, que tem muitos escravos para as plantações de canna, precisam para o sustento dos mesmos. Chegado o navio, vão os selvagens reunidos ou dous nas canôas e entregam a mercadoria na maior distância possível. Depois, dizem o preço que querem por ella, o que os portuguezes lhes dão; mas emquanto os dous estão ao pé do navio esperam ao longe canôas cheias de homens, e quando acabam os negócios avançam muitas vezes e combatem com os portuguezes, arremessando flechas sobre elles; depois do que voltam."
De maneira nenhuma os Tamoios acreditavam nas palavras suplicantes do Aventureiro alemão:
"(...)Eu repliquei que não deviam vingar-se em mim, porque eu não era portuguez e tinha vindo, havia a pouco com os castelhanos; que tinha naufragado e por isso tinha ficado lá." - Disse ser parente e amigo duns franceses, os quais naufragaram consigo.
Tendo encontrado um francês, negociando entre os indígenas Tupinambás, quis fiar-se na honestidade e compaixão do conterrâneo europeu para libertá-lo confirmando ser Hans Staden, francês. Mas o Artilheiro alemão não entendia nada da língua francesa. Ao que o homem recomendou devorá-lo. Daí guardaram-no muito bem e escarneceram dele. Alguns dias após, levaram Hans Staden à uma outra aldeia, chamada Ariró (Arirab) e encontra-se com o afamado Cacique Cunhambebe:
"(...)Então, disse eu, ouvi muito fallar de ti e que és um valente homem. Com isso, levantou-se e cheio de si começou a passear. Elle tinha uma grande pedra verde atravessada nos labios (como é costume delles); tambem fazem rosarios brancos de uma especie de conchas, que é seu enfeite. Um destes o rei tinha no pescoço, e tinha mais de 6 braças de cumprido. Por este enfeite vi que elle era um dos mais nobres. - Voltou a assentar-se numa conversa com o Aventureiro alemão.
[Cacique Tupinambá Cunhambebe]
"(...)Tornou então a me perguntar o que os portuguezes diziam delle e si elles tinham muito medo delle. Eu respondi: Sim, elles fallam muito de ti e das guerras que tu lhes costumas fazer; mas agora fortificam melhor Brickioca.
Sim, continuou elle, queria de vez em quando captural-os, como me tinham capturado no matto." - Regozijava-se dos inúmeros portugueses e Tupiniquins que havia matado.
É levado novamente para Iperoig (Ubatuba). Nesse ínterim os Tupiniquins aparecem em 25 canoas a fim de guerrear, conforme já intentavam antes mesmo do rapto do Condestável do Forte São Felipe. Vieram numa manhã e atacaram Iperoig. Atiram flechas incendiárias sobre as cabanas, as índias tamoias desataram em correria, os guerreiros espantados. Hans Staden pediu para lutar ao lado deles, mas tinha outro plano:
"(...)Minha intenção era de passar pela cerca ao redor das cabanas e correr para os outros, porque elles me conheciam e sabiam que eu estava na aldeia..." - Entretanto, os Tupiniquins percebendo que a ofensiva não rompia invadir a Taba tupinambá, recuam e vão embora.
No dia seguinte chegou notícia de uma aldeia (chamada Mambukabe), atacada pelos guerreiros Tupiniquins, quando estes deixaram Iperoig. Incendiaram cabanas, fugindo a gente tamoia, restando apenas um curumim aprisionado.
HANS STADEN DIALOGA COM O CACIQUE TUPINAMBÁ CUNHAMBEBE [SÉCULO XVI].
Semanas depois fundeia uma Nau dos portugueses de Buriquióca, unidos a outros da Capitania Vicentina, desce âncora não longe da tribo de Iperoig. Disparou um tiro de canhão para que os indígenas ouvissem e fossem falar com eles. Quis Hans Staden dissuadi-los que era pelo fato dele ser mesmo português:
"(...)e foram tão perto do navio que puderam chegar á fala. Os portuguezes então perguntaram como eu estava. E elles responderam: Que não se importavam commigo. E quando eu vi o navio ir embora, sabe Deus o que fiquei pensando. Elles disseram entre si: Temos o homem certo, já mandam navios atrás delle."
No cativeiro presenciou surto de doença que matou uma dezena de indígenas Tupinambás. Episódio qual quase lhe valeu a culpa:
"(...)vamos matal-o antes de acontecer mais desgraças por causa delle, como já começavam a dizer." - Mas também responsável pela inesperada cura milagrosa. Ao orar em nome de Jheová intercedendo pelos indígenas enfermos. Assim deixaram-no sossegado por algum tempo, porém sem andar sozinho.
O Artilheiro alemão reencontra o francês que recomendara aos indígenas comê-lo. Explicou-lhe sua verdadeira situação. Pediu que contasse a história aos Tupinambás e o levasse quando os navios chegassem:
"(...)Mas, meus senhores responderam que não, que não deixavam para ninguém, sinão si viesse meu pae ou meu irmão, com um navio cheio de carga, como machados, espelhos, facas, pentes e tesouras, accrescentando que elles me acharam na terra dos inimigos e eu lhes pertencia..."
SURTO DE DOENÇA ACOMETE INDÍGENAS TUPINAMBÁS DO LITORAL PAULISTA [SÉCULO XVI].
Remam longo dia até a aldeia de Tickquaripe, onde assiste ao canibalismo dum prisioneiro, oriundo do povo Maracajá. Servindo de horripilante exemplo a sua morte próxima.
Quando completava o quinto mês de sua estada entre os Tamoios, veio outra vez uma Nau da Capitania de São Vicente. Avisados por um tiro de canhão foram os indígenas de Iperoig parlamentar. Os lusitanos pediram para trazer Hans Staden, pois tinham enorme caixa de mercadorias a oferecer. Um suposto irmão francês seu desejava vê-lo. O Artilheiro alemão é levado perto do costado da embarcação, nu como sempre esteve. Fica sabendo que vinham a mando do Capitão Brás Cubas, aproveita a ocasião para informar o plano dos Tupinambás de atacar as vizinhanças de Buriquióca, coisa que os Tupiniquins também pretendiam investir contra Iperoig. Nenhum consenso da atitude a tomar, os indígenas não o venderiam ainda. Interrompida a conversa voltam com ele às cabanas.
A visagem de sua própria morte eminente se fazia constante. Sucedeu naqueles dias devorarem um outro cativo da Tribo Carijó. O qual comprometia Hans Staden, tendo já vivido com os portugueses, insistindo ter visto o Artilheiro alemão disparar contra os guerreiros Tupinambás, quando avançavam sobre o Forte São Felipe, na Ilha Guaimbê. Caiu doente este escravo, então resolveram devorá-lo antes que morresse da enfermidade:
"(...)Sahiu então um delles da cabana onde eu morava, chamou as mulheres para que fizessem um fogo ao pé do morto e lhe cortou a cabeça, porque tinha um só olho e parecia tão feio da doença que teve, que elle deitou fóra a cabeça e esfollou o corpo sobre o fogo. Depois o esquartejou e dividiu com os outros, como é de seu costume e o devoraram, excepto a cabeça e os intestinos, que lhes repugnavam, porque elle tinha estado doente.
Fui de uma para outra cabana. Em uma assaram os pés, em outra, as mãos; e na terceira, pedaços do corpo..."
INDÍGENAS TUPINAMBÁS DEVORAM CATIVO ADOENTADO [SÉCULO XVI].
Franceses vindos de Niterói num Escaler, chegam a Iperoig (Ubatuba) a fim de negociar (pimenta, macacos, farinha de mandioca, papagaios). Hans Staden tenta convencer os indígenas de ir com eles. Ao sair a embarcação empreende fuga correndo para a praia. Toda a tribo o perseguia. Nadou desesperado até o Escaler:
"(...)Quando então queria entrar no bote, os francezes não me deixaram e disseram que si elles me levassem contra a vontade dos selvagens, elles se levantariam tambem contra elles e se tornariam seus inimigos. Voltei então triste, nadando para a terra..."
Declarada a guerra dos povos Tupis, reuniram-se dezenas de canoas (43) lotadas de guerreiros Tamoios prontos ao combate. Somavam cerca de mil índios. Cunhambebe ordena que levem o Artilheiro alemão junto com eles. Rumam em direção à Buriquióca. Vão explorando as paragens do Litoral Paulista. No percurso um grupo de Tupinambás entra num curso d'água chamado Rio Paraibe. Encontram inimigos nas margens, combatem fazendo várias vítimas.
Os demais param na Ilha Maembipe (São Sebastião), aí malocam-se pelas matas:
"(...)Chegando a noite, o chefe Konyan Bebe, sendo chamado, passou pelo acampamento para a matta, falou e disse que tinham chegado agora perto da terra dos inimigos que todos se lembrassem do sonho que tivessem durante a noite, e que procurassem ter sonhos felizes. Acabada esta falla, começaram a dançar em honra de seus ídolos até alta noite e foram depois dormir..."
TUPINAMBÁS PARTEM PARA A GUERRA CONTRA OS TUPINIQUINS E PERNOITAM EM MAEMBIPE [SÉCULO XVI].
Ao raiar do dia seguem para Boisucanga (Boywassukange), reduto dos adversários Tupiniquins. Ali pretendiam aguardar esperando anoitecer.
Próximo às imediações da orla de Boissucanga avistam por detrás de uma Ilhota, umas canoas de guerra vindo naquela direção. Gritaram então:
"(...)Alli vem nossos inimigos, os Tuppin Ikins. Assim mesmo queriam esconder-se com as canôas por de trás de um rochedo, para que os outros passassem sem os ver. Com tudo, viram-nos e fugiram para a sua terra. Nós remámos com toda a força atrás delles, certamente durante quatro horas e então os alcançamos. Eram cinco canôas cheias, todas de Brickioka. . Eu os conheci a todos. Havia seis mammelucos em uma das cinco canôas e dous eram irmãos; um chamava-se Diego de Praga, o outro Domingos de Praga. Estes se defenderam valentemente, um, com um tubo (sarabatana), e o outro com um arco. Resistiram em sua canôa durante duas horas a trinta e algumas canôas nossas. Quando tinham acabado as suas flechas, os Tuppin Inba os atacaram e os capturaram e alguns foram logo mortos e atirados. Os dous irmãos não ficaram feridos, mas dous dos seis mammelucos ficaram muito feridos e tambem alguns dos Tuppin Ikin, entre os quaes havia uma mulher."
Estavam em pleno mar, não muito distante de São Sebastião, decidem retornar carregando os cativos da batalha:
"(...)Quando chegámos a Meyen bibe era tarde e o sol estava entrando. Levaram então os prisioneiros, cada um para sua cabana; mas a muitos feridos desembarcaram e logo mataram, cortaram-n-os em pedaços e assaram a carne..." - Entre os que devoraram de noite havia dois mamelucos (curimbaba). Um deles era filho (de mesmo nome) do Capitão Jorge Ferreira, Senhor de Itapema, com a mameluca Joana Ramalho, neta de Tibiriçá. Prisioneiro do Cacique Tatamiri, que forneceu seu assado e mandou preparar bebidas, reuniram-se então muitos deles para beber, cantar e ficar alegres.
O outro chamava-se Jerônimo (Braga), parente consanguíneo de Diogo Braga (colono de Buriquióca, casado com uma índia), este ficou prisioneiro de um Tamoio, nome Parawaa, que morava na Oca onde Hans Staden estava.:
"(...)Elle assou Hieronymus de noite, a mais ou menos um passo distante de onde eu estava deitado..." - Por toda a tribo houve comilança humana, cestos repletos de pernas, braços, postas de carne. Ainda nesta mesma noite consegue conversar com dois outros cativos mamelucos, amigos seus de Buriquióca, queria consolá-los. Embora tendo o coração endurecido em virtude de sua própria desgraça, não os lastimava mais.
O banquete antropofágico perdurou até o raiar do dia, beberam mais e aquentaram de novo os pedaços de Jorge Ferreira depois comeram. Parte da carne de Jerônimo (Braga) permaneceu semanas pendurada ao fumeiro duma cabana, ficou tão seca como pau, guardada para uma festa.
GUERREIROS TUPINAMBÁS RETORNAM PARA MAEMBIPE COM PRISIONEIROS, APÓS BATALHA PRÓXIMO À BOISSUCANGA [SÉCULO XVI].
Pelo dia seguinte vão bem perto de Iperoig, ao pé de uma montanha denominada Ocarassu, pernoitam por ali. Cunhambebe determina que os prisioneiros restantes sejam comidos oportunamente, proibindo o Alemão de falar com os tais.
"(...)Tres dias depois partimos novamente para a terra delles; cada um levou seu prisioneiro para a sua casa. Os que eram de Uwattibi, onde eu estava, tinham capturado oito selvagens vivos e tres mammelucos que eram christãos, a saber: Diego Braga e seu irmão, e mais um christão chamado Andorico; este tinha sido aprisionado pelo filho do meu senhor. E mais dous mammelucos que eram christãos levaram assados para a casa, para lá os devorar..." - O filho do seu Senhor também apresou um outro cristão de nome Anthonius.
De volta a Ubatuba (Iperoig), Hans Staden auxilia os irmãos Braga (de Buriquióca) a fugir. Nunca mais soube do paradeiro dos dois. Levam-no para Tackwara sutibi (Taquarassutyba) a fim de dá-lo ao Cacique Abatybo sanhé.
CACIQUES TUPINAMBÁS ADORNADOS [SÉCULO XVI].
Duas semanas após, os indígenas de Tackwara sutibi dizem ter escutado tiros pras bandas das águas do Rio de Janeiro, O Alemão supõe que lá aportara um navio. Aconteceu dos franceses desta Nau ouvirem falar que o Artilheiro alemão estava cativo dos Tupinambás daquela Tribo. O Capitão envia dois dos seus tripulantes em companhia de seis Tamoios para parlamentar com o Cacique Sawarasú. Hans Staden participa do encontro. Ao vê-lo tão desgraçado repartiram suas roupas consigo. Vinham resgatá-lo de qualquer jeito. Combinou-se que levariam o Alemão a bordo da Nau Catharina de Wattauilla e ofertariam caixas de mercadorias (facões, anzóis, panelas). Assim conduzido acompanhado de seu Senhor, mais alguns indígenas.
Estando já a cinco dias embarcados, Abatybo sanhé perguntou pelas tais mercadorias, pois desejava descer para a terra firme, levando Hans Staden junto. Este entretinha o Cacique Tupinambá de modo a protelar o possível amargo regresso... O navio devidamente carregado era chegada a hora de partir:
"(...)O capitão do navio mandou então seu interprete dizer aos selvagens que elle estava contente de me não terem morto depois de terem-me tirado do poder de seus inimigos. Mandou dizer mais (para com mais facilidade me livrar delles) que tinha mandado chamar-me para o navio, porque queria lhes dar presentes por terem-me tratado tão bem... (...)Tinhamos então combinado que uns dez homens da tripolação, que de algum modo se pareciam commigo, se reunissem e declarassem que eram meus irmãos e que queriam-me levar comsigo. Communicou-se isso a elles e que os mesmos meus irmãos não queriam que eu fosse com os selvagens para a terra; mas que voltasse para a nossa terra, porque o nosso pai queria me ver mais uma vez antes de morrer..." - O Capitão acrescentou ser o superior da tripulação e até queria que Hans Staden voltasse para a Tribo deles, ele próprio dissera estar familiar entre os índios, "mas que elle estava só e seus irmãos eram muitos, pelo que nada podia fazer contra elles..."
"(...)Estes pretextos todos foram dados para que não houvesse desacordo com os selvagens. E eu disse tambem ao meu senhor, o rei, que eu queria muito voltar com elle, porém elle podia bem ver que os meus irmãos não me deixavam. Começou então o rei a clamar a bordo que voltasse no primeiro navio, que elle me considerava seu filho e que estava muito zangado com a gente de Uwattibi, que me queria devorar.
E uma das mulheres do rei, que tinha vindo a bordo, foi por elle obrigada a gritar sobre mim, como é o costume delles e eu gritei tambem, segundo o mesmo costume. Após isso o capitão deu a todos algumas mercadorias, que podiam valer ums cinco ducados, em facas, machados, espelhos e pentes. Com isso partiram para as suas casas, em terra..."
Assim foi que depois de 9 meses terríveis, Hans Staden correndo tantos perigos, sem saber se viveria ou morreria devorado, livrou-se dos índios Tupinambás e regressou ao seu país.
HANS STADEN REGRESSA À EUROPA LIVRANDO-SE DOS INDÍGENAS TUPINAMBÁS.
Enquanto isso, no cotidiano da Capitania Vicentina, a sanha guerreira dos Tamoios afligia os habitantes da marinha do Litoral Paulista. As investidas se fazem com tal frequência e ferocidade que poucos quiseram permanecer naqueles lugares. Em 1552, os Tupinambás atacam novamente e destroem a Casa-Forte de Buriquióca.
Lá por 1554, na Vila de São Vicente, teve lugar a primeira representação musical do Brasil, com a peça de autoria do Padre José de Anchieta, "Pregação Universa". Tendo a participação dos indígenas catequizados das Tribos Guyacurus, dos Purus, daquelas localidades de "Guaiaho", "Ilha do Sol", "Catiapoã" e "Rio Bugre".
Em 1554, Pero Correa, João de Jesus e o leigo Fabiano, seguem de São Vicente para a região de Cananéia. Os dois primeiros são mortos pelos índios Carijós, após resgatarem mulheres de fidalgos portugueses, prisioneiras destes indígenas.
Segundo carta do jesuíta José de Anchieta (1556), os Carijós da vizinhança de Piratininga são dizimados por epidemia mortífera.
Agosto de 1556, os índios Tamoios voltam a hostilizar as Vilas de São Vicente, Santos e demais povoados no Litoral Paulista.
Pelo ano de 1556, descontentes dada a invasão dos colonos Lusitanos, escravagismo de sua gente para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar, a morte de muitos dos seus, os Tupinambás juntam todas as Tribos Tupis contrárias aos Peros (portugueses) e formam a Coalizão dos Tamoios, revolta liderada pelos Caciques Tupinambás, gerando sangrentos confrontos na Costa Marítima Sudeste, desde às águas da Guanabara à Capitania Vicentina.
Capitaneados por João Ramalho, os guerreiros Tupiniquins armam ofensiva contra uma aldeia Tupinambá. Capturam o Cacique Cairuçu (de Iperoig), mais alguns inimigos e os mantém num cativeiro, no território do Capitão-Mor Brás Cubas. Preso em péssimas condições de sobrevivência, Cairuçu acabou morrendo.
CONFRONTO ENTRE INDÍGENAS TUPIS E PORTUGUESES NA CAPITANIA VICENTINA [SÉCULO XVI].
Seu filho, Aimberê, escapando ao jugo português, avoca o comando da Taba, impondo guerra aos invasores portugueses e adversários Tupiniquins. De forma a fortalecer o levante reune alguns Caciques Tupinambás, Pindobuçu, Koakira, Cunhambebe, Guayxará, pertencentes as Tribos de Ubatuba e da Guanabara. Ganha a ajuda de Caciques Tupiniquins dissidentes como Piquerobi e Araraí.
Cunhambebe assume a liderança da Coalizão dos Tamoios, consegue o apoio dos indígenas Goitacás e Aimorés. Nesta ocasião também os franceses intentavam usurpar e colonizar a terra Brasílica. Aportando no Rio de Janeiro, o francês Villegaignon patrocina o conflito contra os Lusitanos oferecendo armamentos aos Tupinambás, bem como a colaboração dos franceses. Porém, uma epidemia dizimou uns tantos guerreiros indígenas, inclusive o Cacique Cunhambebe, enfraquecendo a Coalizão.
INDÍGENA TUPINIQUIM DO PLANALTO PIRATININGA OBSERVA A OCUPAÇÃO DOS PORTUGUESES [SÉCULO XVI].
Aimberê prosseguiu com a Revolta, fez o possível para que Tupiniquins também lutassem a seu favor, combatendo os Peros. Contatou Tibiriçá (irmão de Araray e Piquerobi), através do sobrinho Jagoanharo (Cão Bravo), estes marcam encontro a fim de selar a aliança na Coalizão Tamoia. Quando seus parentes chegaram à Taba, o Cacique Tibiriçá declarou-se ainda aliado dos portugueses, protestava alto a escolha dos parentes. Isso provocou ruptura e desavenças entre os próprios Tupiniquins. Suscitando brutas investidas a Vila de Piratininga. Guerreiros comandados pelo Cacique Piquerobi e Jagoanharo fazem cerco a povoação, ameaçando-a de extermínio. Os padres presentes aqueles eventos registram:
"(...)Foram vários os sucessos da guerra: até que por fim cansados, e desbaratados, se retiraram os contrários, com morte de muitos, e muitos mais feridos; e sem que morresse um só de nossa parte, posto que ficaram muitos flechados, aos quais acudiram os padres, curando-os... (...)Entre os que morreram da parte do inimigo, foi um sobrinho de Martim Afonso Tibiriçá, chamado por sua valentia Jagoanharo, que vem a dizer, o Cão bravo, que capitaneava um troço: este sabendo que as mulheres se tinham recolhido em nossa igreja, e que ali havia de roubar, veio a dar combate nela pela parte da cerca da horta dos padres, que ele bem sabia: pagou porém o atrevimento; porque dali lhe atirou uma flecha um escravo, tão bem empregada, que deu com ele em terra, e a pouco espaço acabou a vida..." - João Ramalho e Tibiriçá sustentam a posição por dois dias. Piquerobi debanda com seus guerreiros destruindo o que puderam nos arredores.
CACIQUES TUPIS PARLAMENTAM [SÉCULO XVI].
Pelo ano de 1561, Mem de Sá, mandatário português (Governador-Geral do Brasil), chega à Vila de Santos, levando desta e da Vila de São Vicente alguns combatentes e índios flecheiros aliados, iniciando as retaliações aos Tupinambás nas localidades da Guanabara .
Brás Cubas em carta a El-Rei, de 25 de Abril de 1562, solicitou o envio de bombardeios e pólvora, necessários à defesa da Capitania Vicentina contra tais ataques. Pedia também que mandasse povoar o Rio de Janeiro, para que "não haja franceses que favoreçam estes contrários que são muito nossos vizinhos porque os franceses lhes dão muitas armas de fogo e muita pólvora com que lhes dão muito ânimo para cometerem o que quiserem como fazem..."
Diante deste cenário de tensão, pondo em dificuldades a colonização promovida pela Coroa Portuguesa para a terra Brasilis, possível vitória dos franceses protestantes aliados dos Tamoios, no dia 23 de Abril de 1563, os padres jesuítas Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e o civil José Adorno partem da Vila de São Vicente, em Missão de Paz, chegando à Ubatuba (Iperoig). Colocam-se em meio aos indígenas da Taba tupinambá. Intencionam parlamentar com o Cacique Coaquira. Embora adversos aos portugueses, deixavam-se persuadir pelos padres, dado sua condição religiosa (xamãnica). Uma vez que estes lhes prometiam libertar parentes submetidos a cativeiro em São Vicente, tanto mais porque os Jesuítas representavam uma possibilidade de vingança contra os seus odiados inimigos Tupiniquins. Falecido Cunhambebe, seu filho (de igual nome) assumiu a Aldeia, sem a mesma vivência do valente Cacique tupi, pareceu presa dos valores incutidos pelas palavras dos religiosos, daquilo que poderiam propiciar os Lusitanos doravante.
Após certa contrariedade e desconfiança, os Jesuítas Nóbrega e Anchieta acabam sendo acolhidos pelos indígenas Tamoios. Ali recebiam notícias do andamento das contendas. Feitos dos Tupinambás na Guanabara, desolação no litoral da Capitania Vicentina, estragos à gente do Planalto Piratininga. Frequentemente eram ameaçados de serem devorados, sobretudo certa vez numa visita do Cacique Aimberê.
Relata o padre José de Anchieta, num tal contexto de desengano quanto a conquista do Acordo de Paz:
"(...)Dos do Rio já tínhamos o desengano que não queriam as pazes, porque tínhamos certas notícias que eu havia mui bem alcançado em Iperoig dos mesmos índios que tinham cerca de 200 canoas juntas, com as quais determinavam com este título de paz entrar em nossas vilas, que já muitos deles tinham mui bem miradas, e pôr tudo a fogo e a sangue, se pudessem, e ainda que isto não se soubera por outra via, suas obras o estavam pregoando, porque, ultra deles virem sempre com o propósito e vontade de nos matar enquanto estivéssemos entre eles, em Iperoig, depois de eu vindo, estando cá muitos deles, vieram outros por duas vezes e saltearam, levaram e comeram alguns escravos, depois vinham umas 40 ou mais canoas, para começar a efetuar a sua vontade, mas não chegam mais de dez ou onze, os quais logo descobriram que vinham com determinação de tomar um dos lugares do campo, de nossos discípulos..."
TUPINAMBÁS GUERREIAM COM TRIBO INIMIGA [SÉCULO XVI].
Contudo, eles obtêm a confiança dos indígenas de Ubatuba sob a condição de protegê-los da repressão dos portugueses. Os padres jesuítas Nóbrega e Anchieta mediam as condições de paz. Pelo Tratado de Iperoig, os Tamoios exigiam a saída dos colonos portugueses. Estavam estes obrigados a libertar os Tupinambás escravizados ou cativos, Aimberê conseguirá então que soltem sua noiva Igaraçu. Também pediam a entrega de Caciques tupiniquins e adversários outros para que pudessem executá-los.
Tendo muito parlamentado convencem os Caciques Tupis Aimberê, Paranaguaçu de suas boas intenções. Indicam o jovem Cacique Cunhambebe (filho do afamado) ir à São Vicente com sua comitiva para acertar um Tratado de Paz, acompanhados do padre Manuel da Nóbrega e José Adorno. Deixando o jesuíta José de Anchieta na aldeia de Iperoig, sob à guarda de Pindobuçu ("Palma grande"), como garantia de vida aos Tamoios.
Após longas e tensas negociações, atendido em parte os interesses de ambos os lados selaram o Armistício. Os Tupinambás pensavam assim perpetrar sua vingança mortal aos traidores inimigos Tupiniquins. Por seu lado, os jesuítas da Companhia de Jesus desejavam afastar os inimigos da Empresa portuguesa sob a lógica da unidade: uma só colônia, uma só fé. Um tanto de acordo com a ambição dos colonizadores portugueses, que apaziguando os belicosos Tamoios enfraqueciam os franceses e completa expulsão da Guanabara, abrindo melhor caminho para o desbravamento da Colônia brasílica. Entretanto as escaramuças continuaram.
PADRES DA COMPANHIA DE JESUS EM MEIO AOS TAMOIOS DE IPEROIG - 1563 [SÉCULO XVI] BENEDITO CALIXTO.
No início de 1564, Estácio de Sá (sobrinho do Governador-Geral do Brasil), que formara um pequeno exército com homens das demais capitanias da Costa Marítima Brasílica, vem a Capitania Vicentina solicitando mantimentos (farinha, bois), a recrutar combatentes portugueses e guerreiros indígenas aliados para enfrentamento dos Tupinambás e franceses nas águas da Guanabara. Num primeiro momento as autoridades da Capitania de São Vicente discordam dos pedidos de Estácio de Sá, sentindo-se prejudicados tal a falta de proteção devido os ataques dos índios revoltosos. Em meados desse ano, 12 de Maio, os Vereadores da Câmara da Vila de São Paulo de Piratininga, numa Representação dirigida a Estácio de Sá, queixavam-se de dois povos indígenas que sempre viviam em hostilidade com os colonos lusitanos da Capitania Vicentina: Tupiniquins rebelados e Tupinambás. Frisam a respeito, "dos Tupiniquins ha quinze annos a esta parte que sempre matam no sertão homens brancos...". Asseveram que este não deveria deixar a Capitania, sem antes empregar a gente de sua Armada na guerra contra os Tamoios e Tupiniquins, assaltantes contumazes da Vila, com grande prejuízo dos moradores. Caso não cumprisse a Resolução, seria responsabilizado pelo abandono da Vila de São Paulo e perda do Mosteiro da Companhia de Jesus, que tantos frutos oferecia a comunidade local. Todavia se atendesse à Câmara, os habitantes estariam prontos para o ajudarem com suas pessoas, fazenda e tudo o mais necessário à Guerra. Subentendendo-se, para duas frentes de batalhas, a da Capitania de São Vicente e a outra da Guanabara.
Dificuldades inesperadas resolvidas, deixam o Forte São João, em Buriquióca (1565), com destino ao Rio de Janeiro, levando cerca de 200 homens, seguido de algumas canoas lotadas de mamelucos e indígenas aliados. Das localidades litorâneas paulistas partem Jorge Ferreira (Senhor de Itapema), Diogo Braga, José Adorno, Heliodoro Eobanos Pereira, Gonçalo de Oliveira, Pedro Martins Namorado, dentre outros.
ESTÁCIO DE SÁ PARTE DE BURIQUIÓCA LEVANDO COMBATENTES DA CAPITANIA VICENTINA PARA LUTAR CONTRA TAMOIOS E FRANCESES NA GUANABARA - 1565 [SÉCULO XVI] BENEDITO CALIXTO.
Finda a trégua conquistada, que se deu com o fortalecimento do processo de colonização lusitana, tomando posse das terras os colonos, lançando-se os portugueses sobre as aldeias rebeladas, a matar ou escravizar indígenas nos trabalhos cotidianos da Colônia. Seu exército reforçado pelos Tupiniquins e Termiminós, de Niterói.
A resistência dos Tamoios impunha entrave à permanência dos colonos lusos, Cristovão Monteiro, residente na Ilha de Santo Amaro, viveu esse momento conforme mencionado numa Carta de Sesmaria de 1556:
"(...)e porque até agora como está dito e notório a dita Ilha [Santo Amaro ou Guaimbê] esteve e está despovoada, e inabitável por respeito das muitas guerras sucedidas nestas Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, pelo qual respeito havendo este impedimento o suplicante não ousou fazer sua Fazenda nas ditas terras, sem embargo de nelas trazer muito gado vacum, tempos atrás passados fez canaviais e roçaria de mantimentos nas ditas terras e ora com ajuda de Nosso Senhor tem ordenado com seus cunhados e parentes e alguns índios principais da terra, tornarem a roçar e fazer Fazenda nas ditas terras..."
Março de 1566, por duas vezes os Tupinambás investem ferozmente contra as Vilas de São Vicente, Santos e arrabaldes da marinha.
Somente em 1567, tendo a ajuda de Mem de Sá, mais seus homens, auxiliando Estácio de Sá e os guerreiros do Cacique Arariboia (do povo indígena Termiminó) provocou a derrota definitiva dos Tamoios e franceses, nas batalhas da Guanabara. Exterminam milhares de índios Tupinambás, alvejando-os a tiros, passados pelo fio da espada, suas Tabas incendiadas, violentamente vencidos. As cabeças de Aimberê e outros Caciques Tamoios foram cortadas e exibidas em estacas.
Ainda nesse ano de 1567, sucede ataque dos Tupinambás à Vila de São Vicente, que alarma os habitantes da marinha paulista. Devastam fazendas e raptam quatro mulheres. Pouco depois, nova ofensiva, esta porém repelida e desbaratada, sendo os índios inimigos perseguidos até suas malocas pelas cercanias, de onde são resgatadas as mulheres.
TROPAS PORTUGUESAS ALIADAS AOS GUERREIROS TUPINIQUINS E TERMIMINÓS VENCEM TAMOIOS E FRANCESES NA GUANABARA - 1567 [SÉCULO XVI] MARCO PILLAR.
20 de Março de 1570, promulgada Lei que proíbe aprisionamento de indígenas fora da Guerra justa ou sem Ordem do Rei.
Em 2 de Junho de 1573, Bula do Papa Paulo III declarando que os Índios são homens racionais e podem pertencer à Igreja Católica.
No dia 28 de Agosto de 1578, a Câmara de São Vicente intima o ferreiro Bartolomeu Fernandes (único da Vila), "a não ensinar a indígena algum o ofício porque era de grande prejuízo para a terra."
Muito embora as relações entre os nativos brasílicos e lusitanos fossem pautadas de restrições, seja devido o preconceito racial ou visões de mundo diferenciadas, tornou-se promíscua em virtude do amasiamento vigente, estabelecido nos relacionamentos conjugais envolvendo os portugueses emigrados e as mulheres indígenas. Aproveitado do costume conjugal dos índios, a novidade maravilhosa daquelas formas femininas à vista, certa saciedade sexual provinda da poligamia.
Pero Lopes de Sousa deixou no seu Diário de Navegação consignadas expressões reveladoras de pasmo e entusiasmo dele e dos homens que o acompanhavam, pela formosura das indígenas. Teria ele instalado moradia em terras suas, no Japuí (Capitania Vicentina), tornando-se verdadeiro Sultão de um harém de belas Cunhantãs.
Em Buriquióca havia um certo Pascoal Barrufo, que fazia servir-se à mesa por jovens escravas indígenas, no maduro esplendor da feminilidade, como outras tantas "Evas do Paraíso". Dava-se descaradamente à fantasia, e com isto a escandalizar os seus hóspedes mais respeitáveis.
ÍNDIA TUPINAMBÁ COM CURUMIM [SÉCULO XVII] ALBERT ECKHOUT.
Tantos mais ficaram presos aos encantos das mulheres indígenas, que aliás prestavam-se a ficar como "dóceis escravas" de seus maridos "brancos", juntamente com alguns de seus irmãos e parentes agregados. Formando assim, aquilo que os espanhóis denominavam de "conhadio". João Ramalho e outros portugueses valeram-se dessa condição para facilitar a aliança com o povo Tupiniquim, pois ao terem filhos das índias amásias passavam a fazer parte daquela Tribo. Ganhavam a simpatia dos nativos, sutilmente introduzindo verdadeira forma de dominação, bem como a apropriação da Terra Brasilis. A trazer profundas modificações a vida dos indígenas.
Comenta José de Anchieta a respeito da união conjugal dos Tupiniquins:
"(...)em Piratininga, da Capitania de S. Vicente, Cay Oby, velho de muitos annos, deixou uma (mulher) de sua nação, também muito velha, da qual tinha um filho, homem muito principal e muitas filhas casadas, segundo seu modo, com índios principaes de toda aldeã de Jeribãtiba, com muitos netos, e sem embargo disso casou com outra que era Guayanã das do mato, sua escrava tomada em guerra, a qual tinha por mulher."
Havia tolerância quanto a mancebia dos portugueses com as nativas indígenas (ainda que os padres recriminassem), até pela falta de mulheres lusas, dada a necessidade de ampliar a presença portuguesa na Colônia brasílica. A originar os primevos mestiços mamelucos (curimbocas), mistura de índios e brancos. Mesmo que os colonizadores Lusos não se casassem legalmente (já constituidores de famílias no Reino portugês), reconheciam os filhos "ilegítimos", batizando a prole, dando-lhes nomes cristãos.
A miscigenação ensejando a formação inicial da mescla constituinte do povo brasileiro.
MAMELUCO (CURIMBOCA) - MESTIÇO BRASÍLICO [SÉCULO XVII] ALBERT ECKHOUT.
Em vista do pequeno número de famílias naqueles primórdios, tinha por força de haver casamentos consanguíneos entre elas. Após a primeira ou a segunda geração, não haveria na Capitania Vicentina quem não fosse possivelmente aparentado entre si. O Barão Sousa Queiroz, cidadão de grande prestígio na Vila de São Paulo de Piratininga (século XVI), procurando certa feita instruir um parente (longos anos ausente) acerca das relações de família, assim o aconselhava:
"Quando vires alguém decentemente trajado, dá-lhe o tratamento de primo, porque o é de fato."
Este processo gerou a primeira numerosa descendência dos Paulistas, compondo a gente do Brasil.
João Ramalho amancebou-se com a filha do Cacique Tibiriçá e de sua mulher Potira, Aldeia de Inhauambuçu, a formosa índia Bartira (Mbici), nome de batismo Isabel Dias, dela ganhou muitos filhos. Também teve descendentes com outras mulheres indígenas, inclusive tomando para si as irmãs de Bartira. Ajudado por seus descendentes mamelucos (curimbabas) e parentela controlava o Planalto Piratininga, estabeleceu Postos no litoral para fazer comércio com os navegadores europeus. De João Ramalho derivam inúmeras famílias paulistas. Fala-se que teria um filho batizado, José Fernandes. Uma filha sua chamava-se Joana Ramalho. Até pretendeu Ramalho oficializar a união com Isabel Dias (Bartira), quando pediu ao seu parente português, o Padre Manuel da Nóbrega, consultar os superiores eclesiais sobre ele verdadeiramente se casar com a mãe de seus filhos. Constam como seus descendentes em variados graus de parentesco, André Ramalho, Antônio de Macedo, Marcos Ramalho, João ou Jordão Ramalho e Antônia Quaresma.
Antônio Rodrigues, outro vivente da terra (chegado antes da Expedição Marítima Afosina), amasiado com a filha do Cacique Piquerobi, Aldeia de Ururahy, batizada Antônia Rodrigues. Grande foi sua prole e prestígio na Vila de São Vicente. Habitava em terras da marinha defronte de Tumiarú (fogaréu). Ali funcionava um rústico Porto destinado a mercancia (escravos, pau-brasil, farinha de mandioca, frutas) da Colônia, quanto dos navios europeus. Era sócio de João Ramalho nestes negócios.
MAMELUCA (CURIMBABA) - MESTIÇA BRASÍLICA [SÉCULO XVII] ALBERT ECKHOUT.
Diogo de Braga (também vivente da terra antes de 1532) amancebado com uma mulher indígena (de nome desconhecido), vivia entre índios e parentes agregados em Buriquióca (tido pelas autoridades portuguesas lugar de degredo). Cinco de seus filhos mamelucos são conhecidos: João de Braga, Diego de Braga, Domingos de Braga, Francisco de Braga e André de Braga. Tinha por parente consanguíneo Jerônimo (Braga), devorado pelos Tupinambás. Estes Bragas (companheiros de João Ramalho) se constituíram em defensores de Buriquióca, repelindo a incursão dos indígenas inimigos através do Rio de Bertioga, pelas trilhas da Ilha Guaimbê rumo às Vilas de Santos, São Vicente e demais lugarejos da marinha paulista.
Jorge Ferreira, Fidalgo português (Senhor de Itapema), vindo na Expedição Afonsina, amancebou-se com a mameluca Joana Ramalho, filha de João Ramalho e Bartira, neta de Tibiriçá. Teve como filhos, Jorge Ferreira (canibalizado por índios Tupinambás) e Baltazar Ferreira, que matou um suposto "monstro marinho", o Hipupiara, em águas vicentinas. Pai de três filhas mais, Catarina Ramalho, Joana Ferreira e a influente Marquesa Ferreira. Teria voltado à Portugal e retornou com espôsa e filhos europeus. Daí presumir-se ter duas famílias.
José Adorno casou-se em 1560, com a mameluca Catarina Monteiro, filha de Cristovão Monteiro (neta de Jorge Ferreira e bisneta de João Ramalho). O casal mandou contruir uma capela na Vila de Santo Amaro (1559), dedicada a este santo.
O elemento feminino catalisador da mistura dos povos, representado por tantas mulheres anônimas ou conhecidas.
Margarida Fernandes, filha do Cacique Tupiniquim de Ibirapuera, amásia de Braz Gonçalves. Maria de Grã (Terebé), filha do Cacique Tibiriçá, mulher do ex-Jesuíta Pero Dias. Ana Camacho (mameluca), descendente de João Ramalho, mulher de Domingos Luiz (alcunhado "Carvoeiro"). Suzana Dias, filha de Lopo Dias (neta de Tibiriçá), casada com Manuel Fernandes, desbravador do Sertão. Mércia Fernandes, espôsa de Salvador Pires (bisneta de Piquerobi), que propagou muitos descendentes, sendo merecidamente qualificada de "Assú" (Meci-Assú) tais seus predicados femininos.
UMA MAMELUCA VILA DE SÃO PAULO [SÉCULO XVIII] PHILIPP SCHMID.
No entanto, nunca pareceu haver harmonia real no convívio envolvendo "brancos" e indígenas brasílicos.
Em 1585, as Câmaras de Santos e São Vicente dirigem petição ao Capitão-Mór Jerônimo Leitão, no sentido de combater os indígenas Tupinambás e Carijós que hostilizam as duas Vilas, bem como arrabaldes do Litoral. Desencadearia uma repressão sangrenta, durando seis anos.
Pelo ano de 1591, os vereadores da Câmara de São Paulo escrevem ao vigário da Capitania Vicentina, em Santos, Padre Jorge Rodrigues. Protestavam contra a chamada àquela Vila, de homens de São Paulo de Piratininga, em tempos de guerra com os índios inimigos e sem razão suficiente. No mês de Outubro, os vereadores e gente do povo reunidos pela terceira vez, requerem ao Capitão-Mór Jerônimo Leitão fazer a segunda guerra contra os indígenas rebeldes, que ameaçam a Capitania Vicentina, "sob pena de acusá-lo como um homem fraco e incapaz."
Em 1592, Afonso Sardinha (o moço) é eleito na Vila de São Paulo, Capitão-de-Guerra contra os índios.
Novembro de 1595, Lei revogando a norma de 20 de Março de 1570, que então proibia expressamente o cativeiro de indígenas. Tornando a legitimar o aprisionamento dos nativos.
Por volta de 1598, Jorge Correia, Capitão da Capitania Vicentina, manda que seja reparado o "Caminho do Mar", devendo os índios ajudarem os "brancos" nesta tarefa.
No ano de 1607, em viagem para o Rio de Janeiro, os Padres Jerônimo Rodrigues e J. Lobato, levando com eles na embarcação 150 índios de Santa Catarina, naufragam na região do Litoral Paulista e são atirados às praias da Vila de Santos. O Capitão da Vila arrebata dos padres os indígenas e os distribui entre os moradores do lugar.
BANDEIRANTES PORTUGUESES ATRÁS DE INDÍGENAS REBELDES E RIQUEZAS NO INTERIOR DA TERRA BRASILIS [HENRIQUE BERNADELLI].
30 de Julho de 1609, Lei de Felipe II declara os Índios livres. Com isso passa também a vigorar na Capitania Vicentina, tal Lei decretando livres do cativeiro os indígenas do Brasil.
Anos depois (1611), outra Lei do Rei Felipe II decreta que o cativeiro será permitido quando feitos prisioneiros de guerra.
22 de Junho de 1640, protestos nas Vilas das capitanias do Brasil, com a posição do Papa Urbano VIII em favor da liberdade dos Índios. Motivando sérias contendas entre os colonos portugueses e os padres da Companhia de Jesus.
Março de 1645, os oficiais da Câmara de São Paulo de Piratininga, após ferrenho conflito com os padres jesuítas, fazem uma súplica ao Papa Urbano VIII, pedindo reconhecer a necessidade de terem sob sujeição os indígenas, sem o que não era possível cultivar a terra, ficando prejudicada a remessa anual de "muita quantidade de carne e legumes", bem como "de muitos mil alqueires de trigo", com que costumavam socorrer o resto do Brasil e a própria Angola.
Pelo ano de 1681 chega notícia à Capitania, da Ordem do Rei D. Pedro II (Regente de Portugal) mandando abolir o escravagismo dos indígenas. Essa medida sugerida pelo Padre Vieira provocaria em São Paulo sérios tumultos, pois além disso mandava entregar aos Jesuítas a administração temporal e espiritual dos índios.
Dia 7 de Novembro de 1691, Carta Régia proibindo a mudança de índios para as minas de Iguape e Paranaguá, recomenda aos oficiais da Câmara de São Paulo a formação de duas aldeias junto as mesmas minas.
Com datas de 26 de Janeiro e 19 de Fevereiro de 1696, as Cartas Régias concedendo sob certas condições aos moradores do Brasil a administração dos índios.
29 de Abril de 1708, publicada Carta Régia que permitia o cativeiro de indígenas, quando aprisionados em batalha, podendo também serem vendidos para indenização das despesas da Fazenda Real com a guerra.
No ano de 1743, o Rei D. João V, atendendo à sugestão do Brigadeiro José da Silva Paes, ordena que se transfira para a Ilha de Santa Catarina, a aldeia de Itanhaém.
RANCHO INDÍGENA LITORAL PAULISTA - REGIÃO DE SANTOS (PORTO DOS REIS) 1904.
À mercê das vontades, da ambição dos colonizadores portugueses sustentados pela Coroa Lusitana, os indígenas brasileiros ao longo dos séculos, na contemporaneidade dos Governos, sofreram a desarticulação de sua sociedade original e o extermínio de sua gente.
A partir de meados do século XVI, a consolidação da ocupação portuguesa na Capitania Vicentina, a habitar o Litoral, avançando os sertões de Piratininga, favoreceu a abertura para um vasto território atraente por tantas riquezas, dentre as quais se incluia o elemento indígena. Pelos séculos XVII e XVIII, nativos brasílicos de diversas etnias compunham a maioria da população indígena paulista. Advindos do panorama etnográfico da Costa Marítima Sudeste habitada em amplas regiões: os Tupis vivendo na faixa litorânea que ia de Cananéia à Guanabara, incluindo o Planalto Piratininga e determinados trechos do Vale do Paraíba. Serra de Paranapiacaba e Mantiqueira ocupados por grupos da etnia "Jê" e outras tribos não Tupi-Guarani. A Oeste estavam outros povos nativos não Tupi, alguns próximos das tribos do Vale do Paraíba.
Ao Sul e a Sudeste da Vila de São Vicente, no Litoral e pelo interior, localizavam-se numerosos grupos da etnia Guarani, que como agricultores e característica credulidade atraíam os portugueses e padres da Companhia de Jesus, interessados em sua mão-de-obra para as lavouras e trabalhos diários da Colônia Brasílica. O povo indígena virou mercadoria, moeda de troca do escravagismo. Os assaltos às aldeias indígenas tornaram-se comuns neste período, quando eram capturados milhares de índios de diversas etnias.
FAMÍLIA INDÍGENA - LITORAL PAULISTA [DÉCADA DE 1900].
Com o crescimento das Vilas paulistas, os aldeamentos promovidos pelos Jesuítas, forma encontrada para aculturação dos indígenas, eram vistos como áreas a serem confiscadas. A expropiação começou com a diminuição de suas terras. E em seguida, vizinhos "brancos" começaram a ocupar áreas que seriam de uso indígena, quando por fim, o "Diretório Indígena" de 1745 legitimou então a força do "Homem branco", criando regras de conduta para os povos indígenas. Todos esses fatores contribuíram desagregando as sociedades indígenas e sua fuga para os ermos Sertões, longe dos colonizadores. Mesmo assim perseguidos. Uma população de mais de milhão de índios existentes (à epoca da chegada dos portugueses), reduzida drasticamente. Podendo-se considerar como genocídio de um povo: massacres, assassinatos vis, estupros de mulheres índias, castigos, escravidão, moléstias contraídas dos "brancos", a conversão religiosa, preconceito quanto à sua cultura.
Atualmente subsistem alguns milhares nas Reservas ou terras por demarcar, lugares restritos em aldeamentos perlongando o Litoral Paulista, Vale do Ribeira, no Planalto de São Paulo e interior do Estado, muitos remanescentes da etnia Guarani (Nhandeva e Mbyá), nas localidades de São Vicente, Bertioga, Boracéia, Barra do Una, São Sebastião, Ubatuba, Itanhaém, Peruíbe, Pariquera-Açu, Itaoca e Pico do Jaraguá.
Permanecem lutando pelo direito às suas terras, respeito ao seu modo de vida, sua condição enquanto Ser Humano. Tentando sobreviver num país, onde as políticas para os povos indígenas estão condicionadas aos interesses do agronegócio, das madeireiras, dos agropecuaristas e mineradoras, que sufocam cada vez mais o território indígena.
Permanecem lutando pelo direito às suas terras, respeito ao seu modo de vida, sua condição enquanto Ser Humano. Tentando sobreviver num país, onde as políticas para os povos indígenas estão condicionadas aos interesses do agronegócio, das madeireiras, dos agropecuaristas e mineradoras, que sufocam cada vez mais o território indígena.
Caro Urbain, belo trabalho, importante divulgação. Parabéns. Sou linguista, professor na Unicamp, e trabalho apoiando a revitalização linguística do Nhandewa/Tupi-Guarani do litoral de SP. Fiquei curiosíssimo a respeito da origem e do que mais sabe sobre a fotografia FAMÍLIA INDÍGENA - LITORAL PAULISTA (déc 1900). Pode me escrever algo sobre isso? (Wilmar.unicamp arroba gmail pto com)
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